Acórdão nº 158/09.3TBVZL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Março de 2011

Data22 Março 2011
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados: J (…), residente em ..., instaurou a presente acção contra JQ (…), residente em ..., ..., ..., pedindo que seja declarada “a inexistência de direito por parte do réu para edificar os dois muros indicados no artigo 10, com todas as consequências legais”.

Antes de encerrada a audiência de julgamento, o autor ampliou o pedido para a: “...condenação do réu a destruir os dois muros em causa, assim repondo a situação anterior”. Esta ampliação teve a oposição do réu, mas foi deferida, sem que do respectivo despacho tenha sido interposto recurso.

Como fundamentação do pedido, o autor alegava apenas, no essencial, que o réu é dono de um prédio limitado a sul por um carreiro de trânsito de pessoas e animais, com um rego ou levada de condução permanente de águas, a céu aberto na maior parte. Ora, o réu construiu aqueles muros transversais ao carreiro, apropriando-se de 10 m do mesmo e impedindo o trânsito por eles, ficando assim o autor impedido de acompanhar a condução da água nessa parte, o que também compromete a utilização adequada da água.

Depois de ter sido convidado, por despacho judicial, acrescen-tou o seguinte às suas alegações – não sem antes dizer em requerimento introdutório…: “[…] a presente acção é uma acção de simples apreciação negativa […] o que está em causa e interessa no caso é a afirmação do direito por parte do réu (nanja por parte do autor). Daí que não importe, no fundo, o direito invocado pelo autor…” (por manifesto lapso, o autor escreveu ‘réu’ onde agora se colocou ‘autor’ em itálico) – que as águas passam pelo carreiro, sendo encaminhadas para o prédio do autor, por aqueduto subterrâneo e rego de pedra, há mais de 100 anos, sendo o autor e os seus antepossuidores quem sempre cuidaram do rego e acompanharam as águas, autorizando terceiros a aproveitarem-se do aqueduto para colocarem tubos de plástico encaminhadores de outras águas, tendo por isso adquirido por usucapião o direito às ditas águas para rega e merugem do seu prédio. A construção dos muros também impede a limpeza do aqueduto.

O réu na contestação veio alegar que o seu prédio confina a sul com o prédio de um terceiro (não confina por isso com nenhum carreiro); os muros erguidos consubstanciam a vedação do seu prédio, o que tinha o direito de fazer: art. 1356 do Código Civil (= CC); impugna também as afirmações do autor de que transitava pelo carreiro para utilização adequada da água e limpeza do aqueduto; acrescenta que o aqueduto não passa pelo seu prédio (ou pelo menos não passa só por ele e que o rego não passa pelo seu prédio em parte a céu aberto. Deduz a excepção de ineptidão da petição inicial por não se alegar a extensão do direito de servidão do autor, nem se alegar actos de posse em concreto de uma servidão de águas ou de aqueduto. E subsidiariamente a excepção da ilegitimidade do autor: se tal carreiro for um atravessadouro, o autor não tem legitimidade para o reivindicar. Impugna ainda, subsidiariamente, o direito do autor para o caso de se tratar de um atravessadouro, pois que estes foram abolidos pelo CC se não se dirigirem a ponte ou fonte com manifesto interesse público; impugna ainda quando diz que mesmo que haja servidão de aqueduto o autor não necessita de acompanhar as águas porque estão subterrâneas; e a existir tal direito, diz que o mesmo deve ser retirado ao autor, por dele não carecer. Pugna pela improcedência da acção.

Notificado da petição “corrigida” do autor, o réu deduziu a excepção de ilegitimidade do autor, por se impor e não ter sido respeitado o litisconsórcio activo e impugnou a invocada usucapião, pois que sem uso da água, por não ter sido concretizado, não haveria corpus e por isso não haveria posse que pudesse levar à mesma.

O autor respondeu às excepções, entre o mais dizendo que não reivindica nenhum direito sobre o prédio do réu, antes diz que é proprietário das águas indicadas; acrescenta que os atravessadouros que a lei aboliu foram os privados, não o dos autos que está fora desse terreno; não há necessidade de qualquer litisconsórcio activo porque não está invocado um direito de servidão de aqueduto, muito menos que tal direito seja de outros.

* No despacho saneador julgaram-se, em concreto, improcedentes as excepções de ilegitimidade. Depois do julgamento foi proferida sentença em que se declarou a inexistência de direito por parte do réu a edificar os dois muros que se encontram a obstruir o carreiro denominado Quelha ... e se condenou o réu a demolir os dois muros que ergueu, transversais ao referido carreiro.

* O réu interpôs recurso desta sentença – para que seja revogada a sentença “que julgou procedente a acção e admitiu a ampliação do pedido inicial” – terminando assim as suas alegações com as seguintes conclu-sões: 1. A ampliação do pedido, na medida em que altera, a final, a forma do processo (em vez de uma acção de declaração negativa passou a ser uma acção de condenação) e bem assim a executoriedade da sentença final, foi indevidamente admitida; 2. A expressão “...com as legais consequências” (texto do pedido inicial) não suporta a ampliação do pedido desde logo porque a legal consequência da acção de declaração negativa não é, nunca, uma condenação; 3. A Quelha ... era um mero atravessadouro, apenas passível de trânsito pedonal (e este com riscos perante a irregularidade e humidade do leito) que se não dirigia “...a ponte ou fonte com manifesta utilidade pública...” 4. Que, perante a beneficiação do piso e comodidade dos caminhos públicos adjacentes, deixou sequer de ser alternativa de trânsito pedonal (até pelos riscos que comportava) e foi abandonada; 5. A abolição legal do carreiro ( Quelha ...) implicou que o seu leito fosse integrado no logradouro do prédio do réu, pois que o (logradouro) “onerava”; 6. O espaço da distância de 10 m, sob o qual não se acha integralmente instalado o cano de pedra (o terreno vizinho é o mais onerado e é mesmo nele que desemboca!) não está obrigado a suportar os adminiculae da servidão de aqueduto, i.é., por ele não pode o titular da servidão de aqueduto subterrâneo transitar para acompanhar a água (é dessa falta de passagem que o autora se queixa!) 7. A água da Mina da C ... é utilizada exclusivamente para o prédio do autor no período da merugem e na sua totalidade no período da rega, pelo que este (o autor ou os seus caseiros) nem sequer necessita de ir, diária ou semanalmente, à mina para abrir ou fechar a água! 8. Nenhum prejuízo, pois, teve o autor com a construção dos muros.

9. Acresce, por outro lado, que o autor não tem legitimidade para defender a Quelha ... esta se e enquanto pertença ao domínio público, facto que a Junta de Freguesia de ... assume mas, conhecedora da situação e do abandono do interesse vicinal da quelha, não quis pleitear.

10. Os factos apurados e trazidos pelas próprias testemunhas do autor – aludidos, por referência, supra - impunham uma decisão diversa e isto porquanto; 11. A Sr. juíza a quo fez, com o muito e devido respeito, uma errada aplicação do direito aos factos que emergiram quer dos enunciados nos articulados quer dos depoimentos das testemunhas do autor, este que nem tinha sequer, antes da ampliação do pedido, o ónus da prova...! Normas jurídicas violadas: arts. 335º/2, 1561º e 1565º/1 do CC e arts. 4º e 273º ss CPC.

* Questões que importa solucionar: As conclusões 1 e 2 respeitam ao despacho que admitiu a amplia-ção do pedido. O réu não interpôs recurso desse despacho quando o devia ter feito. Por isso, ele transitou em despacho. Não é agora, no recurso da sentença, que o réu o pode pôr em causa. Estas conclusões não levantam, por isso, questões que possam ser objecto deste recurso. A conclusão 10ª não tem autonomia face que constava das conclusões 3ª a 9ª.

Ficam assim por resolver as questões levantadas pelas outras con-clusões, ou seja: do relevo dos factos referidos nas 3ª, 4ª, 5ª, 7ª e 8ª con-clusões; se nesta acção está em causa a defesa de um caminho público e, nesse caso, se o autor tem legitimidade material para a mesma; se o autor tem o direito de passagem pelo local do carreiro delimitado pelos dois mu-ros construídos pelo réu, como adminiculae de uma servidão de aqueduto e se, por isso, se justifica a condenação do réu a destruir os muros.

* Foram os seguintes os factos dados como provados (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos): A) M (…) tem inscrita a seu favor (ap.11 de 20/11/1997) a aquisição, por doação com subsequente partilha em vida, do prédio rústico designado ... ou ..., terreno de cultura, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º.

B) M (…) faleceu em 21/08/2000, sucedendo-lhe como único herdeiro o autor.

C) Desde há mais de 20 anos que o autor, por si e antepossuidores, no prédio A), procedem à cultura, semeando e recolhendo os produtos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na convicção de que não lesam interesses de outrem e de que são seus legítimos proprietários.

D) O réu tem inscrita a seu favor (ap. 8 de 11/10/2000) a aquisição, por sucessão hereditária, do prédio urbano, sito em ..., ..., ..., descrito na CRP de ... sob o n.º 2336 e inscrito na matriz sob o artigo 111º 1. O prédio D) é composto por casa de habitação, anexo e recinto.

2. A sul do prédio D) existe um carreiro de trânsito de pessoas e animais, conhecido por Quelha do ou da P...., com um rego ou levada de condução permanente de águas, na maior parte a céu aberto.

3. Até há pouco, o prédio D) era vedado do carreiro referido no número anterior, por um muro de alvenaria com cerca de 2 m, paralelo ao carreiro.

4. Já no ano de 2009, o réu suprimiu o muro referido em 3 e ergueu nos seus topos, a nascente e a poente, dois muros da mesma altura, transversais ao carreiro, referido em 2 e 3, impedindo o trânsito no mesmo, numa...

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