Acórdão nº 291/07.6TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | PEDRO MARTINS |
Data da Resolução | 15 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados: P(…) (= autor), devidamente representado por sua mãe, residente em lugar da ..., (…), intentou a presente acção contra Companhia de Seguros (…) SA (= seguradora), com sede em ( ...), pedindo a condenação desta no pagamento de 157.000€, acrescida dos juros à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação até efectivo pagamento e ainda no que vier a liquidar-se em execução de sentença no que concerne aos tratamentos médicos e medicamentosos, deslocações, internamentos, cirurgias, alimentação e outras, tudo acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, bem como custas e demais encargos legais.
Para tanto, alegou em síntese que: No dia 26/08/2005 frequentava, juntamente com outros familiares, o parque aquático denominado.... Uma das diversões deste é um escorrega composto por quatro pistas, separadas entre si e com cerca de 40 m de comprimento. O autor encontrava-se no dito escorrega com vista à descida e sentou-se na plataforma de lançamento de estrutura metálica a aguardar que fosse dado o sinal de partida. Dado este, por um funcionário que se encontrava na parte final do escorrega, o menor ao efectuar o impulso para iniciar a descida embateu com a cabeça na plataforma de lançamento e devido ao embate desceu o escorrega sem sentidos e caiu na piscina. Mais alega que foi retirado da água pelo seu irmão e foram chamados os bombeiros que demoraram 15 m a chegar, sendo que nesse intervalo de tempo, o autor permaneceu no chão, sem assistência médica ou de alguém com conhecimentos em matéria de socorrismo, não havendo à disposição qualquer material médico ou de primeiros socorros. Em consequência do embate, o autor sofreu várias lesões que lhe determinaram traumatismo craneo-encefálico e surdez profunda bilateral, que lhe acarreta uma IPP de 48%. À data do acidente, o autor era saudável e activo e actualmente sente dores ao movimentar o pescoço, que frequen-temente o impedem de dormir e lhe perturbam o sono, sente um zumbido permanente e ficou com cicatrizes permanentes e visíveis na região frontal. Para além das despesas que efectuou e irá efectuar com transportes e tratamentos médicos e medicamentosos, devido às lesões, internamentos e durante os períodos de imobi-lização e convalescença, sofreu dores lancinantes, sofrimentos físicos e angústia da iminência de uma eventual desvalorização funcional que se veio a verificar. Em consequência de tais lesões, o menor actualmente é amargurado, atormentado, triste, angustiado, abatido e sente profundamente o facto de não ouvir, bem como de ter cicatrizes bem visíveis que o levam a ocultar sempre a região afectada.
A ré contestou, dizendo que A pista do escorrega em causa se trata de uma pista branda, sendo que a plataforma onde os utentes se deverão sentar é de fibra, tendo a forma arredondada no topo da pista, onde se localiza o assento. O autor ao impulsionar o corpo para a frente para iniciar a descida descontrolou-se e embateu com a nuca no bordo da base do assento, sendo certo que não era necessário nem aconselhável o referido impulso. O... funciona durante os meses de Julho a Setembro e durante esta época tem uma equipa de assistentes e monitores dispersos pelas várias piscinas. Na base de cada um dos escorregas está permanentemente um monitor que orienta através de bandeiras (verde e vermelha) os momentos da descida, autorizando-os. Para além destes assistentes, permanecem junto da piscina mais profunda um nadador-salvador e um vigilante na piscina dos mais pequenos. O complexo dispõe ainda de um socorrista que se encontra num posto de socorros bem equipado. Quando o vigilante viu o corpo do autor na piscina, lançou-se à água para o socorrer, levando-o de seguida para o posto de socorros, onde foi observado por um socorrista que confirmou a necessidade de evacuação imediata para o hospital, pelo que foram prestados os cuidados e assistência adequados. Conclui pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
O autor deduziu a réplica, mantendo o alegado na pi.
* Na acção que constitui o apenso B, o Centro Hospitalar de ... (= Centro) pediu a condenação da ré no pagamento de 2.505,36€, acrescidos de juros de mora desde 15/05/2006, quantia despendida com os tratamentos efectuados ao autor, na decorrência do acidente.
Contestou a ré invocando a excepção da prescrição, atento o disposto no art. 3º nº 3 do Dec. Lei 218/99 e no mais alegando nos termos já supra expostos.
Na sequência do despacho proferido a fls 225, veio o CHC responder à excepção da prescrição, pugnando pela sua improcedência.
* Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a seguradora a pagar: ao autor 20.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, 50.300€ a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, até efectivo e integral pagamento; e ao Centro Hospitalar 2.505,36€, acrescida de juros de mora desde 30/12/2008, até efectivo e integral pagamento.
* Desta sentença foi interposto recurso, quer pela seguradora quer pelo autor.
A seguradora – que quer ser absolvida do pedido - terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei e desadequada aplicação desta aos factos provados.
2. Efectivamente, considerou o acidente em causa subsumível na previsão legal do art. 493º/2 do CC, dado que qualificou como “actividade perigosa” a exploração do parque aquático....
3. A definição de “actividade perigosa” é aquela que resulta da doutrina e da jurisprudência.
4. Considera-se “actividade perigosa” aquela que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral.
5. A existência de quatro escorregas no parque aquático... não evidencia uma maior perigosidade que a actividade em geral.
6. Tal como num ginásio se podem praticar diversas disciplinas, umas mais simples e outras mais complicadas, envolvendo estas mais riscos do que aquelas, também num parque aquático ou piscina tal pode acontecer, sem que a sua exploração se deva considerar uma “actividade perigosa” – cfr. ac. STJ de 13/10/2009, na CJSTJII/2009, p.92.
7. Foi ao efectuar o impulso para iniciar a descida numa pista classificada como branda, que o autor embateu com a cabeça no assento e, devido a este embate, desceu o escorrega sem sentidos e caiu à piscina, donde logo foi retirado e levado para o posto de socorros.
8. Não se pode qualificar como perigosa a exploração de escorregas de água no parque aquático “...”.
9. Por outro lado, a nenhuma acção ou omissão do “...” se pode imputar a ocorrência do sinistro.
10. Sendo certo que a eventual responsabilidade extra-contratual da empresa... só poderá existir quando forem alegados e provados todos os elementos constitutivos dessa responsabilidade, não beneficiando o autor da presunção de culpa decorrente da citada norma legal (art. 493º/2).
11. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 493º/2, 496º, 564º e 566º., todos do CC.
O autor – que quer ver aumentado o valor da indemnização – terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso visa ver reapreciada por este tribunal a fixação do quantum indemnizatório que deve ser atribuído ao apelante em consequência do acidente.
2. É matéria de facto provada que as sequelas referidas no facto 19 acarretaram para o autor uma incapacidade permanente geral fixável em 60% - cfr. ponto 21 da matéria de facto provada.
3. Pelo que, salvo melhor opinião, sempre o tribunal a quo podia tomar em consideração a percentagem de 60% de IPG que se veio a apurar, superior à alegada IPP de 48%, desde que a indemnização decorrente dessa percentagem não ultrapassasse o valor do peticionado (150.000€) - cfr. arts. 664.º e 264.º do CPC.
4. Por outro lado, a tabela utilizada pelo tribunal a quo para cálculo da perda de rendimentos futuros decorrente da IPP é, salvo melhor opinião, substancialmente prejudicial ao apelante uma vez que o factor índice máximo aí previsto para atingir a idade da reforma é de 50 anos, sendo certo que ao autor faltam-lhe 54 anos para atingir essa idade da reforma (65 – 11 = 54); 5. Assim, ao invés de se lançar mão de tal tabela, entende o apelante que, para o cálculo da indemnização decorrente da IPP devia o tribunal a quo ter lançado mão, como princípio básico indicador, a fórmula matemática utilizada em múltiplos acórdãos jurisprudenciais, em que C = ao capital a depositar no 1.º ano, e em que as outras letras correspondem às variáveis seguintes: P = prestação correspondente ao rendimento anual perdido; (375€ x 14 x 60%) = 5.245,80€; i = taxa de juro = 4%; n = número de anos até ao fim da vida activa (65 – 11) = 54 anos; 6. Donde, introduzida a referida fórmula com os valores índices indicados no sistema informático Excel, vem a dar, como correspondente a C o valor de 104.287,29€, caso se considere a IPP de 60%, e de 83.429,70€, caso se considere a IPP de 48%, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite.
7. Pelo que, não pondo em causa a fiabilidade da tabela financeira utilizada pelo tribunal a quo, o certo é que o valor de 104.287,29€ (60% IPP) ou de 83.429,70€ (48% IPP), obtido através da supra descrita fórmula matemática, é substancialmente superior ao valor de 64.787,12€ a que chegou o tribunal a quo através da aplicação daquela tabela financeira, o que, naturalmente, se fica a dever ao facto de a mesma não contemplar os anos necessários que o autor necessita para atingir a idade da reforma.
8. Acresce que, o apelante não encontra qualquer fundamento legal para o tribunal a quo descontar ao valor obtido a importância que o lesado, independentemente do acidente, sempre gastaria consigo...
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