Acórdão nº 179/08.3TBSAT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados: O Município de Sátão representando pela Câmara Municipal de Sátão, intentou a presente acção contra J (…) e mulher D (…) residentes em Sátão, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe 18.180€ acrescidos de juros à taxa legal, após a citação e até efectivo pagamento.

Alega para tanto que em 17/08/1989, o réu manifestou interesse na aquisição de um lote de terreno do Município com 3636 m2, e a Câmara deliberou ceder ao réu o lote de terreno, a 50$ o m2; o réu não pagou o preço acordado e em 03/04/2008 ainda não o tinha feito, apesar de por diversas vezes ter sido instado a fazê-lo, o que sucedeu devido ao facilitismo que a edilidade de então permitia; então a Câmara tentou chegar a acordo com o réu, para que fosse pago o preço a 5€ [= 1.002,41$] o m2; como não conseguiu chegar a acordo com o réu, deliberou fixar o preço neste valor, tendo em conta os índices de inflação dos últimos 19 anos e solicitou ao réu o pagamento deste preço (que é o valor pedido nesta acção), mas o réu não o paga (dizendo que não se negou a pagar o que deve, uma vez que só deve no dia em que lhe fizerem os documentos; o que não é verdade, diz a Câmara, sendo que quando o réu lhe pagar, outorgará a respectiva escritura de compra e venda); propôs a acção também contra a mulher, porque o réu, aquando da compra do terreno, já era casado com ela, no regime de comunhão de adquiridos e porque o casal vive dos rendimentos da actividade do réu. O réu contestou, alegando, em suma, que nunca foi acordado pelas partes ou fixado pela Câmara qualquer prazo para a realização da escritura do contrato de compra e venda (que não pôde ser feita de imediato por falta de legalização do lote) e pagamento do preço [906,81€ = 3636 m2 x 50$], sendo a alteração do preço acertado do aludido lote de terreno uma atitude unilateral da Câmara; e excepcionou a ilegitimidade da ré, dizendo que estava separado judicialmente de pessoas e bens dela.

Mais deduziu pedido reconvencional, onde peticionou que fosse reconhecido o direito de propriedade do mesmo sobre o aludido lote de terreno por usucapião ou, se assim não se entender, por acessão imobiliária industrial contra o pagamento do valor [estipulado] do mesmo à data da incorporação das obras, ou seja 906,81€.

O Município respondeu, defendendo a improcedência das excepções que viu deduzidas na contestação, entre elas a da ilegitimidade da ré, bem como da reconvenção (e volta a dizer que está disposto a outorgar na escritura de compra e venda – na reclamação contra a base instrutória, mais à frente, invocará o disposto nos arts. 878 e 879 do CC, normas do CC que se inserem no regime jurídico do contrato de compra e venda).

No saneador foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade da ré.

Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção e a reconvenção improcedentes e absolvendo as partes dos pedidos contra elas formulados.

O autor recorreu desta sentença – para que seja substituída por acórdão que julgue provada a acção, condenando os réus a pagar ao autor os 18.180€ - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, e na determinação das normas aplicáveis.

2. Por outro lado, ainda que assim se não entendesse, o tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação das normas que o mesmo considerou, indevidamente, aplicáveis ao caso sub iudice. Assim, 3. No que tange à matéria de facto, o tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu, dando como não provados os quesitos 1º e 2º, incorreu em erro de julgamento.

4. O depoimento das (…)impunham que sobre tais pontos fosse proferida decisão diversa da recorrida. Assim, 5. No que tange ao quesito 2º, apenas tais testemunhas foram indicadas para depor sobre tal factualidade, as quais afirmaram que o réu (além de outros) foi interpelado para pagar, mas jamais efectuou tal pagamento.

6. Deveria, pois, o quesito 2º ter sido dado como provado.

7. Também o quesito 1º, pelas razões constantes da motivação, deveria ter merecido a decisão “provado apenas que o réu devia ter pago o preço referido em F), no prazo de seis meses a contar da deliberação da cedência do terreno”, ao contrário do decidido.

8. O tribunal a quo também incorreu em erro de subsunção fáctico-jurídica. Pois, 9. Ao contrário do decidido, autor e réu não celebraram qualquer contrato-promessa de compra e venda. Tanto mais que, 10. Tratando-se de um imóvel, o contrato-promessa de compra e venda teria de ser reduzido a escrito, e assinado pelo contraente que se vincula ou por ambos, consoante o contrato fosse unilateral ou bilateral.

11. A inobservância da forma do contrato-promessa prescrita no nº 2 do art. 410º do CC acarreta a nulidade do mesmo, vício esse que é de conhecimento oficioso, ao contrário do decidido. Assim, 12. Inexistindo qualquer contrato-promessa, é, com o devido respeito, incompreensível que a decisão tenha consignado que o autor recorreu à “execução específica” do mesmo. Pois, 13. A execução específica pressupõe, além do mais, a celebração de um contrato-promessa válido e eficaz, bem como a mora de um dos contraentes.

14. O tribunal a quo incorreu em erro de interpretação e aplicação dos arts. 410º/2 e 830º, ambos do CC, os quais devem ser interpretados nos termos que melhor constam da motivação deste recurso. Mais, 15. O tribunal a quo, na sequência do erro na subsunção fáctico-jurídica, incorreu, inevitavelmente, em erro na determinação da norma aplicável.

16. Nos termos em que o autor configurou a acção, ressalta à evidência que o autor reclama o pagamento de um preço pelo qual, através de deliberação, decidiu ceder ao réu o Lote nº 4.

17. O réu, desde Agosto de 1989, vem usando de modo contínuo e ininterrupto o referido lote de terreno sem ter pago o preço.

18. O réu deveria ter pago o preço aquando da entrega do lote em 1989, ou pelo menos no prazo de seis meses após a deliberação da cedência.

19. Não o tendo feito, está a usar e fruir um bem desde 1989 sem pagar a contrapartida que aceitou pagar, locupletando-se injustamente à custa do ora recorrente.

20. Como se locupletaria indevidamente o réu se o preço constante da deliberação de 1989 não fosse objecto de actualização, tendo em conta os índices de inflação registados pelo INE.

21. A obrigação de pagar o preço actualizado, ao contrário do decidido, decorre da interpretação conjugada dos arts. 227º, 339º, 762º/2, 473º, 474º, 479º e 551º, todos do CC, além de, por analogia, do disposto no art. 885º/1, também do CC, ainda que, eventualmente, o pagamento ficasse condicionado à realização do acto translativo do direito de propriedade. Assim, 22. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo incorreu, além do mais, em erro de determinação das normas aplicáveis, devendo aplicar-se as referidas na conclusão 21ª. Assim, 23. Estando provado que a área do Lote 4 é de 3.636,00 m2, deveria o réu ter sido condenado a pagar ao autor a quantia de 18.180€ correspondente ao valor fixado na deliberação de 17/08/1989, devidamente actualizado.

O réu não contra-alegou.

Também o réu recorreu desta sentença – para que seja substituída por outra que reconheça o direito do réu em adquirir para si o lote de terreno em apreço pelo valor que ele tinha à data da incorporação das obras, devidamente actualizado de acordo com os coeficientes publicados pelo INE, nos termos da Portaria 785/2010 de 23/08 - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Da sentença sob recurso resulta matéria de facto dada como provada, estarem preenchidos pelo recorrente todos os requisitos da acessão imobiliária industrial e que aqui nos dispensamos de reproduzir.

2. No que ao presente recurso respeita, o recorrente pretendia através do pedido reconvencional deduzido contra o autor, adquirir o lote em apreço através da acessão imobiliária industrial.

3. Não obstante se mostrem preenchidos todos os requisitos da acessão, entendeu o tribunal que estaria aqui em causa a questão do valor a pagar, sabendo-se que o mesmo à data da incorporação das obras era de 906,81€.

4. Notificado da reconvenção e consequentemente da pretensão do recorrente, o autor nada veio dizer quanto ao valor do lote de terreno, muito menos veio invocar o enriquecimento sem causa ou sequer o abuso de direito.

5. E, sendo este um processo de partes entendeu o autor, porque assim o quis, nada deveria dizer à questão do valor, que só a ele poderia afectar.

6. E, nada tendo dito, porque assim o quis, vedado estava ao tribunal pronunciar-se sobre tal questão, que nem sequer lhe fora colocada pelas partes em litigio, em manifesta violação do disposto no nº 1d) do art. 668º do CPC.

7. Mas, se o Tribunal na sua óptica entendia que a agora suscitada questão valor era determinante para a boa decisão da causa, dentro dos poderes que lhe são consagrados pelos arts 265º, 265º-A e 266º do CPC, designadamente ao abrigo do principio da cooperação e da justa composição do litigio, determinar a pratica dos actos necessários para uma justa composição do litigio e consequente correcta decisão da causa.

8. O valor do lote de terreno à data da incorporação das obras levadas a cabo pelo recorrente em 1989/1990, era de 906,81€.

9. Ora, tratando-se de uma questão de valor, como é referido na sentença, o valor que se tem a atender para efeitos de indemnização, à luz da jurisprudência invocada na decisão, é o valor do terreno à data da incorporação das obras, por ser este o momento da aquisição do respectivo direito de propriedade pelo ora recorrente, por acessão.

10. E porque a questão do valor é uma questão de justa indemnização, o montante a atribuir ao proprietário constitui uma divida de valor em que o dinheiro intervém como meio de liquidação da prestação.

11. Mas, porque há que atender à depreciação da moeda, o valor do lote à data da incorporação das obras – 906,81 € - deveria ser actualizado, de acordo com...

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