Acórdão nº 2618/08.4TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2011
Magistrado Responsável | CARVALHO MARTINS |
Data da Resolução | 10 de Maio de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: A Santa Casa da Misericórdia de ..., com sede em ..., veio instaurar esta acção com processo sumário contra o Banco (…) S.A., com sede em Lisboa, alegando, em suma, que é portadora do cheque n.° ..., emitido em ..., datado de 01/02/2008, no valor de € 12.000,00, sacado por P (…) sobre a conta n.° ... do balcão de ... do réu, titulada por este, sendo que tal cheque foi emitido à ordem de A (…), que o endossou à autora, e que, apresentado a pagamento em 04/02/2008, foi devolvido em 07/02/2008 pela Câmara de Compensação, com a menção de “cheque revogado por falta/vício da vontade.” Conclui, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe € 12.000,00, acrescidos de juros de mora a partir da citação.
Juntou documentos.
x Citado, contestou o réu, aceitando, em suma, ter recusado o pagamento do dito cheque por ter recebido ordem do sacador nesse sentido alegando falta vício na formação da vontade e, defendendo a correcção do seu comportamento, conclui, pedindo a improcedência da acção.
Juntou um documento.
x Foi proferido saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância e foi ordenada a matéria de facto mediante despacho, não tendo havido qualquer reparo.
Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que “(…) conforme resulta da matéria assente, o pagamento do cheque foi recusado com a simples menção de “cheque revogado por falta/vício da vontade”, sem que do mesmo resultarem os factos concretos conducentes à ocorrência de tal falta ou vício. Porque nos parece que em tal caso, ou seja, na ausência duma fundamentação factual concreta para a ocorrência de tal anomalia da vontade, o sacado tem de cumprir a ordem inicialmente dada pelo sacador, não podia o réu recusar o pagamento do cheque apresentado pelo seu portador legítimo. Assim, terá de proceder a acção.
Nestes termos, na procedência da acção, condeno o réu a pagar à autora doze mil euros, acrescidos dos juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento”.
O BANCO (…), SA nos autos de acção com processo sumário que lhe move a SANTA CASA DA MISERICÓRCIA DE ... à margem referenciados, notificado da sentença de fls... e porque com a mesma se não conforma, veio dela interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que: 1. O presente recurso tem por objecto discutir a bondade da solução do caso dos autos no que respeita à medida do dano a indemnizar — tema a que se circunscreve o recurso, sem prejuízo de o Banco continuar a pensar que agiu conforme ao direito ao dar acatamento à ordem de revogação dos cheques; 2. Inscrevendo-se a responsabilidade do sacado no âmbito da responsabilidade civil, é sobre o lesado que recai a obrigação de alegar e provar o dano, inexistindo norma legal que o dispense do cumprimento deste ónus de direito material; 3. Condenar o lesante a pagar o montante do cheque sem que o lesado tenha alegado e provado que o seu dano teve, precisamente, por medida a medida do montante titulado pelo cheque constituiu violação dos art°s 483° (princípio geral da responsabilidade civil) e 342° (distribuição do ónus da prova), ambos do Código Civil; Ora, 4. Não tendo a Autora alegado o que quer que seja nos autos a propósito do dano decorrente da (indevida) revogação do cheque e não estando o portador dispensado de o alegar e provar — a ausência de alegação e prova de outros factos que conduzissem à existência e medida deste conduz à improcedência da acção; 5. Este entendimento é o que corresponde ao mais recente entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que, no seu Acórdão de 2 de Fevereiro de 2010 (Processo: 1614/05.8TJNF.S2) decidiu: 9) O facto de o cheque não ter provisão, mas ser recusado por revogação indevida, não exonera a responsabilidade do Banco, por irrelevância negativa da causa virtual, mas o dano do portador deve ser por ele demonstrado, ou seja deve alegar e provar que sem o facto operante (cancelamento) o pagamento ser-lhe-ia efectuado na sequência da notificação ao sacador para provisionar a conta ou pagar-lhe directamente, da inclusão na listagem do Banco de Portugal (que sempre funciona como forma de pressão) ou da possibilidade de, em momento ulterior voltar a apresentar o chegue a pagamento. assim sur a relevância, agora positiva, da causa virtual (o sublinhado é nosso); 6. Contra este entendimento nada pode o Ac. Uniformizador do STJ n° 4/2008 de 28 de Fevereiro pois este apenas uniformizou a jurisprudência quanto à questão da ilicitude da conduta do banco sacado ao aceitar a ordem de revogação e não quanto à questão de saber qual a medida da responsabilidade, calculada em termos de dano indemnizável (Ac. Rei do Porto de 25.03.10); 7. A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou o disposto nos art°s 483°, 342° e 563° do Cód. Civil.
Legal e tempestivamente notificada, a Apelada SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ..., veio apresentar as suas contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão, por sua vez concluindo que
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A douta sentença recorrida não enferma de nenhum dos vícios apontados pelo Apelante e muito menos se encontram violados os artigos 483°, 342° e 563° do Código Civil.
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O Tribunal a quo, ante os factos que resultaram provados (factualidade, essa, que não vem impugnada) aplicou bem o direito, designadamente, a jurisprudência constante do Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça n.° 4/2008, porquanto C) Resultaram demonstrados todos os pressupostos de que depende a obrigação, por parte do Apelante, de indemnizar.
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Com efeito, a Apelada alegou e provou factos subsumíveis no quadro dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, na obrigação de indemnizar por parte do Apelante face à recusa infundada no pagamento do cheque sub judice.
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A Apelada alegou qual o seu objecto social e os fins que visa prosseguir; assim como as formas / meios de obter rendimentos para prossecução dos fins sociais que promove junto dos mais carenciados e que passam por subsídios estatais e por donativos de particulares e / ou empresas.
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Disse, também, que os rendimentos que aufere a tal titulo são escassos para prover as mais carenciados e que o montante titulado pelo cheque sub judice, na altura em que lhe foi entregue, seria uma grande ajuda, tendo promovido logo o alargamento da sua rede de apoio a contar que tal cheque seria pago. Ora G) Como o valor aposto no cheque não lhe foi entregue, não pode a Apelada prosseguir de forma desafogada os fins de ajuda social aos mais carenciados, referindo-se que à custa destes donativos que a Apelada sobrevive.
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E se a Apelada alegou os prejuízos que teve em virtude de não ter obtido o pagamento do cheque, após realização da audiência de discussão e julgamento, os mesmos — ao contrário do referido pelo Apelante — resultaram provados. Assim I) E para o que agora interessa, após a realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo deu como provado, além do mais, o seguinte: - o cheque aludido em D) foi, em 4 de Abril de 2008, entregue por A (…) à autora como donativo para a instituição mediante o endosso referido em F); - tal cheque foi entregue à autora, tendo em conta os fins que esta visa prosseguir no sentido de prover às necessidades dos cidadãos que a si recorrem para receberem assistência social; - tal quantia iria ser...
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