Acórdão nº 4680/08.0TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 31 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução31 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório A Pia União …, identificada como, pessoa colectiva n°…, associação privada de fiéis, reconhecida canonicamente por decreto do Bispo de Leiria Fátima de 8 de Março de 1959 e reconhecida civilmente por registo na Secretaria do Governo Civil de Santarém nº 181, com sede … e, G…, solteira, maior, residente …, propuseram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra a Diocese de Leiria-Fátima, com sede …, representada pelo respectivo Bispo, residente na sede da Diocese e que igualmente se demanda individualmente, e ainda contra C…, sacerdote católico, residente igualmente na sede da Diocese, e L…, casado, residente …, Alega que: A Pia União é uma «associação privada de fiéis» erigida canonicamente nos termos dos cânones 321, 325 parágrafo 1 e 1257, parágrafo 2 do Código de Direito Canónico, cuja legal representante é a sua Superiora, eleita por todas as associadas já com votos, nos termos dos respectivos Estatutos (art. 15°) e que administra livremente os seus bens, que não são bens públicos ou eclesiásticos, mas bens privados da associação, nos termos do já citado cânone 325 do CDC (Doc. 1).

A Pia União, como associação privada de fiéis, tem a mesma capacidade civil que o direito português atribui às pessoas colectivas de idêntica natureza, nos termos do art. 11º da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n° 74/2004, de 16 de Novembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 80/2004, da mesma data.

Ora, o Código de Direito Canónico, no seu Título V «das associações de fiéis» distingue entre as associações privadas, da iniciativa dos fiéis (cânone 299) e associações públicas, da iniciativa da autoridade eclesiástica (cân. 301, par. 2 e 3).

Porém, só em relação às associações públicas é que a autoridade eclesiástica pode substituir os dirigentes livremente eleitos ou designar um comissário para dirigir temporariamente a associação - cân. 318, inserido no capítulo II «das associações públicas de fiéis» do Título V do Código de Direito Canónico.

O Senhor Bispo de Leiria-Fátima, titular da respectiva diocese, conhece perfeitamente o regime jurídico acima enunciado, não lhe sendo lícito invocar desconhecimento das diferenças de regime entre associações públicas e associações privadas, nomeadamente pelo cargo que exerce eclesiasticamente, e não pode ter dúvidas, face à clara distinção de regimes hoje constante do Código de Direito Canónico, que a Pia União é uma associação privada, da iniciativa das associadas, à qual não é aplicável nenhuma das normas específicas das associações públicas, constantes do Capítulo II do Título V.

Bem sabendo o 2° R., enquanto autoridade eclesiástica, que não pode, em caso algum, substituir-se à vontade da Associação livremente expressa em eleição entre pares, na designação da Superiora e, muito menos, adoptar medidas de tutela substitutiva relativamente à administração e disposição dos seus bens, que não são bens eclesiásticos.

Não obstante, enquanto Bispo da Diocese a 1ª R., emitiu um «decreto», datado de 15 de Julho de 2008, designando o 3° R., ecónomo diocesano, como comissário, e o 4° R., como comissário adjunto, invocando como norma habilitante o já referido cânone 318, aplicável exclusivamente a associações públicas (doc.3) e a bens eclesiásticos.

Sendo a 1ª A. uma associação privada, tal acto é nulo, por fundamentado em norma que não lhe é aplicável e porque as associações privadas só têm as limitações à sua autonomia constantes do Código de Direito Canónico, nos termos do art. 11 ° da Concordata.

Não tendo os 2 primeiros RR., quer individualmente o segundo, quer no exercício de autoridade eclesiástica como representante do primeiro, poder ou atribuição para a prática do acto em causa, o que configura o que tradicionalmente se designava por acto inexistente.

Contudo, apesar da sua nulidade ou inexistência, tal acto foi utilizado para a prática de actos jurídicos, nomeadamente para a constituição de mandatários, revogação de procurações e desistência ou confissão de acções em que a A. é A. ou R., designadamente: Acção declarativa ordinária que correu pela Vara de Competência Mista de Coimbra, sob o nº 2153/06.TBCBR, da 2ª Secção, em que a ora A. obteve ganho de causa relativamente ao reconhecimento da aquisição da propriedade sobre um prédio urbano, por usucapião, por sentença da data em que foi exarado o "decreto" diocesano - apresentando-se o 4° R. para desistir da acção, por termo (doc. 4), e, outra acção em que a ora A. é R., que corre pelo Tribunal da Comarca de Ponta Delgada, sob o n° 635/07.0TBPDL, do 2° Juízo, em que o mesmo 4° R. declarou confessar em nome da ora A., bem sabendo não ter poderes para o efeito (doc. 5), e, bem assim, para a instauração de providência cautelar contra a ora 2a A., um seu mandatário e uma Fundação constituída pelas AA. visando dar continuidade Fundação do Divino Coração de Jesus (doc. 6).

Actos com os quais os RR., bem sabendo serem ilícitos, por não terem, nenhum deles, competência ou atribuição para o efeito, visavam prejudicar patrimonialmente a ora 1a A., causando-lhe a perda da propriedade de 3 prédios urbanos, um sito em Coimbra e 2 em Ponta Delgada, prédios cuja propriedade era discutida nos processos referidos, em benefício exclusivo mas ilícito e ilegítimo da Diocese de Angra do Heroísmo.

Aliás, é a Diocese de Angra e o respectivo Bispo quem verdadeiramente age, pela mão dos RR.. Com efeito, Não é por acaso, nem por respeitar directamente a bens imóveis, que a providência cautelar referida em 19° foi instaurada em Ponta Delgada - estando em causa comportamentos de abstenção a regra geral quanto à competência determinaria que fosse instaurada no domicílio da maioria dos RR., na Comarca de Ourém, nem é por acaso que o 4° R., residente nos Açores e sem ligação à diocese de Leiria - mas com reconhecidas ligações à Diocese de Angra, que o indicou como testemunha nos processos que, em representação do Seminário Pio XII, mantém contra a 1ª A. – foi designado «comissário adjunto» e verdadeiro agente para a prática dos diversos actos referidos: foi quem se apresentou a desistir e/ou a confessar nas referidas acções, quem revogou procurações, quem outorgou mandato para a providência cautelar... e o mais que ainda se desconhece mas se suspeita legitimamente! Ainda que a ora A. venha a conseguir impugnar com sucesso todos os actos ilícitos praticados pelos RR., tal obriga a despesas avultadas com taxas de justiça, honorários, despesas com deslocações, pedido de certidões, paralisação de actos de administração dos bens da 1ª A. e mais prejuízos decorrentes da actuação ilícita dos RR., cujo valor e liquidação só poderão ser apurados em liquidação de sentença.

Actos que os RR. puderam praticar aproveitando-se do desconhecimento do Direito Canónico por parte de diversas entidades, nomeadamente do Cartório Notarial onde procederam à «revogação» de procuração emitida pela 1ª A., criando a convicção de que se trataria de uma associação pública, e que se trataria de bens eclesiásticos ou, pelo menos, criando a convicção de que a administração dos bens das associações privadas é susceptível de tutela substitutiva - isto é., que o Bispo pode, em substituição da Superiora livremente eleita, praticar actos relativos ao património da associação.

Actos que os RR. praticaram dolosamente, bem sabendo que não têm poderes ou atribuições para se intrometerem na autonomia administrativa da associação, Pia União, e com a intenção de lhe causarem prejuízo, directamente a ela Pia União e indirectamente à Fundação que ela valida e livremente constituiu, em benefício exclusivo ou predominante da Diocese de Angra do Heroísmo.

Sendo certo que a Diocese, na pessoa do anterior Bispo, …, tinha pleno conhecimento de todos os actos agora postos em causa, como resulta do documento de 18 de Outubro de 2005, que se junta como Doc. nº 7, pelo qual o referido Bispo faz saber que a Pia União é representada pela 2ª A. e que esta tem plenos poderes para agir em nome e representação daquela, nomeadamente para constituir uma Fundação para dar continuidade da sua acção social.

E como bem sabe o actual Bispo, o 2° R., porque tal lhe foi transmitido por carta de 3 de Outubro de 2006 (doc. 8), à qual respondeu através de cartão pessoal manuscrito de 31 do mesmo mês (doc. 9).

Pelo que, mesmo que o 2° R. pudesse substituir-se à...

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