Acórdão nº 91/2002.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução24 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados: M (…)e marido, C (…) residentes em França, intentaram em 12/06/2002 contra A (…) e marido, CA (…), residentes na Meda, a presente acção pedindo: que se declare que a) o lote de terreno identificado no art. 5 da petição inicial é propriedade comum e em partes iguais dos autores e réus e, b), a ineficácia da escritura de justificação notarial celebrada pelos réus em 28/06/1989 quanto à produção de efeitos e definição de direitos; a condenação dos réus c) a destruírem a parte nascente da casa de modo a recuarem 2 m para poente; e d) o anexo que construíram na parte traseira da casa e em consequência a reporem o terreno no estado em que se achava antes; e que se decrete e) a ineficácia de qualquer registo do prédio justificado.

Alegam, para tanto, em síntese, que por morte da mãe da autora e da ré, um prédio urbano ficou para o pai de ambas; este, em 1971, dividiu-o em 6 partes que deu verbalmente aos filhos; em 1974, depois da morte do pai, todos os seus herdeiros acordaram que o lote de terreno identificado no art. 5 da pi (= lote 5), com uma área total de 370 m2, ficasse em comum para a autora e para a ré; por volta de 1984/1985, os réus ergueram uma construção na parte da frente desse lote, com o conhecimento e autorização dos autores; autores e réus combinaram uma linha divisória no lote 5; a partir de 1989 os réus iniciaram diligências para registar o “seu” terreno, que incluíram uma carta para os autores, dizendo que ajudariam depois os autores a registar o deles na parte traseira e pedindo-lhes uma procuração para o efeito, o que os autores outorgaram; a construção dos réus terminou com a parede nascente 2 m para lá da linha divisória combinada; em 28/06/1989, os réus outorgaram uma escritura de justificação notarial em que se afirmaram donos exclusivos de um terreno que englobava o lote 5 e o lote de 150 m2 que tinha cabido ao irmão (…); acrescentam que nunca os autores e os réus dividiram e demarcaram o lote 5 em termos de qualquer deles poder afirmar uma posse exclusiva sobre parte determinada; desde 1974 que o prédio sempre foi possuído como terreno comum por autores e réus, à vista de todos, sem interrupção alguma e sem oposição de terceiros e na convicção de serem seus donos em comum e partes iguais; invocam, por tudo isto, que autores e réus adquiriram, por usucapião, a compropriedade do lote 5; em 1998 os réus, com oposição dos autores, muraram o terreno (lote 5 mais lote do irmão) e disseram que o terreno era todo dos réus, tendo feito um anexo na parte traseira do terreno.

Os réus contestaram, misturando impugnação com excepções, que não identificam, dizendo, em síntese, que o lote 5, atribuído em comum para autora e ré [e que admitem ter sido possuído em comum por ambas desde 1974, como donas em comum e partes iguais], ficou somente com uma área de 305 m2 depois da abertura da rua e que daqui… resultou a divisão desse lote em duas parcelas, ficando uma, de 150 m2, para os autores e outra, de 155 m2, para os réus, esta a acrescer à parcela cedida pelo irmão (JC)...; esta parcela do irmão tinha 176 m2 em vez dos 150 m2 que constam da declaração de venda, venda esta que, apesar de ter a data de 17/12/1990, tinha sido acordada logo após a partilha por morte da mãe [partilha que ocorreu em 1964 – data em que a ré tinha 10 anos…]; a escritura de justificação [do terreno com 520 m2 = lote 5 + lote do irmão J (…) + 39 m2 cedidos pela CM] foi outorgada para resolver a questão do registo, com o acordo com os autores e estando os réus legitimados pela procuração dos autores [apesar de acima terem dito que os autores logo em 1989 procuraram anular a escritura…], mas os réus continuam dispostos a fazer o necessário para que a parte sobrante do lote dos autores seja registada em nome dos autores; a casa dos réus não foi para além da linha divisória acordada com os autores [mas mais à frente – para o pedido reconvencional - admitem que sim]; a parte dos réus ainda tem mais 39 m2 cedidos pela CM da Meda aquando do alinhamento da rua [o que dá 370 m2…]; os réus apenas muraram a sua parte do lote, tendo colocado uma rede provisória no restante terreno para evitar a passagem de pessoas e animais; o anexo foi construído na parte que tinha sido o lote do irmão J (…). E reconvencionam o direito a adquirir, ao abrigo do art. 1343º do CC, a parte do terreno que dizem ser dos autores ocupada com a sua casa, pagando os réus aos autores o preço de mercado que tal parte tenha. Concluem pela improcedência da acção.

Os autores replicaram, impugnando os factos alegados como excepção (entre o mais explicando que a procuração a que aludiram nunca tinha sido enviada aos réus, por receio de virem a ser prejudicados) e base da reconvenção.

Depois do julgamento foi proferida sentença julgando acção e reconvenção não provadas e improcedentes e absolvendo os réus e os autores dos pedidos.

Os autores interpuseram recurso desta sentença – para seja revogada e substituída por outra que julgue procedentes os pedidos formulados sob a), b) e e) -, terminando as suas alegações com conclusões que, em síntese, se traduzem no seguinte: i) Os factos constantes de Q) – admitidos por acordo (arts. 22 da contestação e 37 a 39 da petição) - são suficientes para decidir que o lote 5 pertence, por ter sido adquirido por usucapião, aos autores e aos réus, em compropriedade; ii) A área deste lote 5 deve ser a que foi dada como provada (pela perícia; e esta área é maior do que a que foi alegada); iii) Os factos constantes de Q) não deviam ter sido juntos aos factos constantes de P), como o fez a sentença, por a matéria das duas alíneas nada terem a ver uma com a outra; iv) Da resposta aos quesitos não decorre que a propriedade do lote 5 não seja dos autores e dos réus, até porque das testemunhas ouvidas, todas dos réus, nada de útil resultou, como o reconhece a própria fundamentação da decisão da matéria de facto; de resto, estavam já assentes factos relacionados com a posse, pelo que não havia quesitos sobre a mesma; v) Face à admissão, pelos réus, de que o lote 5 era comum, o que eles vieram dizer sobre a escritura de justificação – arts. 19 e 20 da contestação e factos assentes sobre I) a M) – permite concluir que o que foi dito nessa escritura não corresponde à verdade, pelo que o pedido correspondente à escritura não pode deixar de ser considerado procedente (isto mesmo considerando que as declara-ções da escritura visam o lote 5 (compropriedade entre autores e réus) e o talhão adjacente que os mesmos réus vieram mais tarde a comprar ao irmão J (…)); vi) Ao desconsiderar os factos sob Q), a sentença pôs em causa os valores da segurança e da coerência jurídica da actividade jurisdicional, a favor de uma autêntica álea processual (e substan-tiva), violando diversos comandos processuais, como sejam, os arts. 513º (relativamente à prova dos factos controvertidos e dos necessitados dela); 653º/2 (relativamente à declaração dos que se consideram provados); e 659º (acatamento dos factos admitidos por acordo), em suma, que vinculam à observância da ‘matéria assente’ e investigação dos quesitos da ‘base instrutória’, impedin-do a reapreciação daquela, ocorrência que, traduzindo uma adesão a um entendimento sem base processual, indicia erro de julga-mento; vii) Ao considerar que a prova testemunhal não tinha valor e que só lhe restava, ‘com segurança’, atender à matéria assente e depois decidindo contra o que resultava dos factos assentes, a sentença cometeu a nulidade prevista no art. 668/1c) do CPC; viii) A conclusão da sentença de que se produziu prova oposta sobre a propriedade do prédio em causa está errada.

Os réus não contra-alegaram.

* Questões que importa solucionar: se os factos provados são sufici-entes para dar procedência ao pedido a) (usucapião da compropriedade) e nesse caso se a área do lote 5 deve ser a que foi apurada no decurso do processo; se o que consta dos factos provados devia levar à procedência do pedido b) (ineficácia da escritura); se a sentença desconsiderou factos assentes e se com isso violou as normas processuais invocadas pelos recorrentes; se existe contradição entre os fundamentos da sentença e a sua decisão, ou seja, uma das nulidades do art. 668 do CPC.

* Factos provados [os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob nºs. vêm da resposta aos quesitos]: A) A autora e a ré são filhas de F (…) B) No tribunal judicial da Meda correu termos uns autos de inventário obrigatório, tendo o cabeça de casal F (…)declarado no respectivo auto de declarações de cabeça de casal "que a inventariada se chamava L (…), era sua esposa e faleceu no dia 11/12/1963.” C) Nesse inventário foi adjudicado a F (…) o imóvel relacionado sob a verba n° 8 descrito como sendo "uma casa térrea, sita no Q..., limite da freguesia de Meda, confrontando do nascente com ..., do poente com Dr. ..., do norte com caminho e do sul com ...".

D) Por volta de 1971, F (…) dividiu o prédio referido em C) e seu logradouro em seis talhões, que deu verbalmente aos filhos.

E) À autora ficou a caber um talhão que se verificou situar num local onde passaria uma rua projectada pela Câmara.

F) Nos primeiros meses de 1974 - e para acerto de partilhas - todos os herdeiros acordaram que o lote do canto, na confluência da Rua do (P)...com a Rua (X)..., que confronta a nascente com Rua n° (Y)..., a norte com Rua do (P)..., a poente com Rua (X)... e a sul com lote do (JC)..., ficava, em comum, para a autora e para a ré.

G) Os anos passaram sem que autores e réus dessem destino ao terreno.

H) Até que, em determinada altura, em parte desse terreno comum, os réus ergueram uma construção, em blocos, de 4 paredes e placa (a que os réus chamavam garagem) com conhecimento e autorização dos autores.

I) Em Janeiro de 1989, a ré escreveu pelo seu punho uma carta que enviou para os autores em França, cujo teor é o seguinte: [...] que pois deves estranhar esta minha carta mas era para te pedir...

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