Acórdão nº 377/09.2T2ETR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

T (…) instaurou contra M (…) ação declarativa, de condenação, que acabou por ser classificada como de processo ordinário.

Pediu: a) declarar-se que o autor é proprietário do imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial; b) condenar-se a ré a reconhecer o referido direito de propriedade e a restituir, de imediato, o imóvel, livre e desembaraçado; c) declarar-se extinto, por decurso do prazo, o contrato de cessão de exploração comercial; d) declarar-se extinto, desde Agosto de 2008, o contrato de comodato relativo ao 1º andar do imóvel; e) condenar-se a ré a restituir ao autor o estabelecimento comercial e o 1º andar; f) condenar-se a ré a pagar ao autor a indemnização pela ocupação indevida no montante de €13.170,16, acrescida de €291,51 por cada mês que decorra desde Julho de 2009 até à restituição efetiva.

Para tanto alegou: Que adquiriu por escritura pública e inscreveu no registo a seu favor um imóvel no qual funcionava já à data um estabelecimento comercial.

Que, em 07.06.2002, celebrou com a ré um contrato de cessão de exploração do estabelecimento, pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável desde que autor e ré acordassem por escrito novo valor da cessão.

Que a ré deixou de pagar o valor da cessão e não diligenciou por acordar novo valor para a mesma afim de o contrato se renovar, pelo que este caducou em 6 de Junho de 2004.

Na mesma ocasião o autor autorizou também a ré a habitar no 1.º andar do imóvel por mero favor e gratuitamente, comprometendo-se ela a entregar essa parte do imóvel no prazo de 30 dias a contar da solicitação do autor.

Que escreveu à ré a intimá-la a pagar o valor de 199,51 euros pela cessão do estabelecimento e o valor de 100,00 euros renda pelo 1.º andar ocupado, sob pena de dever entregar o 1º andar no prazo de 30 dias.

A ré não procedeu aos pagamentos que lhe foram solicitados nem entregou o estabelecimento ou o 1º andar.

Contestou a ré.

Pediu a improcedência da ação.

E, no caso de ser dado provimento ao pedido formulado na segunda metade da alínea b) do petitório, deduziu reconvenção, pedindo: a) que o autor seja condenado a pagar-lhe o montante de €10.249,92; b) seja declarado e reconhecido o direito de retenção da ré sobre o imóvel c) e seja diferida a entrega do mesmo pelo tempo necessário para que a ré encontre outro local para a instalação do seu estabelecimento ou para a obtenção de colocação compatível com a sua formação e estado social.” Invocou: Que por trespasse celebrado no dia 27.10.2005, o autor transmitiu para a ré o estabelecimento comercial, incluindo todos os utensílios, veículos e produtos existentes no mesmo, bem como as licenças, alvarás e outros elementos compreendidos na universalidade que o mesmo representa.

Assim, ex vi do trespasse, ter-se-á extinguido,por confusão entre o titular do estabelecimento e o cessionário, o contrato de cessão de exploração que formalmente existiu entre o autor e a ré.

Que realizou obras e benfeitorias no imóvel e no estabelecimento comercial, nas quais despendeu o montante global de € 10.249,92.

Que o pedido de restituição do estabelecimento constitui um abuso de direito porque foi o autor, pai da ré, quem a convenceu a adquirir o estabelecimento, aplicar nele todas as suas economias, convencendo-a que essa situação não seria transitória.

  1. Prosseguiu o processo os seus legais termos tendo, a final, sido prolatada sentença que: 1º- Declarou que o autor é proprietário do imóvel constituído por casa de rés-dochão e 1.º andar, para habitação e comércio, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº (...)/19861113 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da (...) sob o artigo (...); 2º- Condenou a ré a reconhecer esse direito de propriedade e a restituir, de imediato, ao autor apenas o 1.º andar desse imóvel, livre e desembaraçado; 3º- Declarou extintos os contratos celebrados entre as partes de cessão de exploração do estabelecimento comercial e de comodato do 1º andar do imóvel.

    4º- No mais absolveu a ré do pedido.

    5º- Julgou não provado e improcedente o pedido reconvencional dele absolvendo o autor.

  2. Inconformada recorreu a ré.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª – Agir de boa fé – tanto no contexto do artº. 334º, como no do artº. 762º nº. 2 – é «agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, a não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar» (Ac. STJ. de 10/12/1991: BMJ., 412º - 460, retomado pelo Ac. STJ. de 21/09/1993: CJ./ STJ., 1993, 3º - 2; Ac. STJ. de 28/10/1997: BMJ., 470º - 597).

    1. – O prédio dos Autos, como melhor resulta da certidão do registo junta a fls. , constitui uma realidade predial una, que não está loteado, e não dispõe de andares nem divisões, susceptíveis de utilização independente, como decorre do facto de o primeiro andar não se encontrar isolado do rés-do-chão comercial, já que existe ligação directa entre as duas zonas, e não existe qualquer cozinha ou instalações sanitárias no primeiro andar, que depende, para o efeito, e para poder ser utilizável, de aceder às instalações sanitárias e da cozinha existentes no estabelecimento comercial.

    2. - Trata-se de um único prédio urbano destinado a habitação e comércio e insusceptível de utilização separada, sendo facto assente e indiscutível que ali se encontra instalado o estabelecimento comercial que, como resultou provado na sentença revidenda, é pertença da Ré, ora Recorrente … Sendo que o próprio contador de água e luz é comum a todo o imóvel, o que desde logo demonstra a sua inseparabilidade, ou seja, a parte habitacional e a de comércio complementam-se como uma unidade urbana … Não podendo aqueles ser utilizados separadamente, nem serem alienados (se fosse o caso) como unidades independentes.

    3. – Considerando aquela unidade predial, e que resulta provada a matéria das als. (N), (O), (P), (Q) e (R) da Sentença de fls. , que as obras realizadas pela Ré no imóvel não podem ser consideradas separadamente do todo unitário que constitui o imóvel, pois ao beneficiar a parte afecta a estabelecimento comercial, valorizou todo o imóvel, é óbvio que a utilização e fruição separada do imóvel (1º andar e rés do chão) é impensável e vai contra todas as regras da experiência, da boa fé e do normal acontecer, até pelas intenções subjacentes ao negócio e à comparticipação da Ré, nos termos dos factos provados (N), (O), (P), (Q) e (R).

    4. – Como decorre dos Autos e da leitura dos articulados oferecidos pelas partes, a matéria constante da Reconvenção, como se disse em requerimento de 08/10/2010 (Refª.: 5469685) compreende factos disponíveis que se deverão ter como assentes por acordo, uma vez que não foi deduzida pelo Autor Réplica que os pusesse em crise, designadamente os factos dos artºs. 69º, 70º, 77º, 78º, 79º, 80º, 81º, 83º, 84º e 85º daquela peça processual (Reconvenção).

    5. - A propósito do requerimento de 08/10/2010 (Refª.: 5469685) que, aliás, constituía uma reclamação contra a selecção da matéria de facto, pretendendo-se que a mesma fosse tida por assente e levada aos factos provados, o Tribunal, em despacho de 26/11/2010 (Refª.: 9679598), pronunciou-se nos seguintes termos … «… O Autor não replicou à matéria objecto da reclamação, a qual constava da contestação da Ré, pelo que tal matéria poderá sempre ser aproveitada se for tida por necessária, sem necessidade de anulação de actos do processo, pelo que mesmo em função de um critério, digamos, de oportunidade, entendemos manter o nosso critério» - Sic 7ª - Sendo óbvio que, face à matéria discutida...

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