Acórdão nº 321/2002.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução06 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

O réu, C…, apelou da sentença da Sra. Juíza de Círculo de Castelo Branco que, julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário pelo valor, contra ele proposta por A…, na qual foi provocada a intervenção principal do cônjuge do primeiro, M…, julgou o contrato promessa objecto destes autos incumprido por culpa exclusiva do réu e condenou o réu a entregar ao autor a quantia de € 9 975,96, acrescidos de juros desde 25.02.2002 até 30.04.03, ambos inclusive, à taxa de 7% e desde 01.05.2003, inclusive, até efectivo pagamento, à taxa de 4%.

O recorrente, que pede no recurso a revogação da decisão impugnada e a sua absolvição do pedido, condensou os fundamentos da impugnação nas conclusões seguintes: … 2.

Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

… 3.

Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das alegações, as questões concretas controversas que o acórdão deve resolver são as de saber se aquela decisão se encontra ferida com o valor negativo da nulidade e se o tribunal de que provém o recurso incorreu, na decisão da questão de facto, por equívoco na valoração ou apreciação da prova, num error in iudicando.

A resolução destes problemas vincula, naturalmente, ao exame das causas de nulidade da sentença representadas pela omissão de pronúncia e pela contradição intrínseca e dos parâmetros dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância, e à reponderação do julgamento correspondente.

É justamente essa a finalidade das considerações subsequentes.

3.2.

Nulidade da sentença impugnada.

Como é comum, o recorrente imputa à sentença o vício grave da nulidade. De todas as causas possíveis de nulidade, assaca-lhe estas: a contradição intrínseca e a omissão de pronúncia (artº 668 nº 1 c) e d) do CPC).

Este valor negativo da decisão recorrida resulta, no ver do recorrente, de não ter sido pedida, pelo autor, ou declarada, pelo tribunal, a resolução do contrato promessa objecto da acção - ainda que tal questão tenha sido abordada na fundamentação - sendo certo, na sua perspectiva, que o pagamento do sinal em dobro pressupõe que seja pedida e declarada a resolução daquele contrato.

O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras[2]. O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artº 668 nº 1 d), 1ª parte).

A decisão é também nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão (artº 669 nº 1 c) do CPC)[3]. Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial.

Na espécie do recurso, o autor pediu que o contrato promessa concluído entre si e o réu fosse declarado incumprido por culpa exclusiva do último e que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 14 963,00, correspondente à parte do sinal ainda em dívida.

A sentença impugnada concluiu pelo incumprimento do contrato promessa por culpa exclusiva do réu e condenou-o a entregar ao autor a quantia de € 9 975,96, acrescida de juros.

Se, como nota recorrente não foi pedida a resolução do contrato e se a sentença apelada não declarou essa resolução, então, em boa lógica, segue-se que um vício de que decerto aquele acto decisório não padece é, seguramente, o da omissão de pronúncia, dado que um tal defeito supõe, necessariamente, que o tribunal tenha deixado de se pronunciar ou de resolver qualquer questão que as partes tenha submetido à sua apreciação. Ora, como, segundo o recorrente, ele mesma, não foi pedida a resolução do contrato é claro que, ao não declarar essa resolução, a sentença não incorreu em omissão de pronúncia. Na lógica da argumentação da recorrente, se tivesse declarado essa resolução, é que a sentença seria realmente nula – mas pela causa inversa: o excesso de pronúncia, dado que em tal caso teria conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento e condenado mesmo num pedido não formulado (artºs 661 nº 1 e 668 nº 1 d), 2ª parte, do CPC).

A sentença impugnada foi terminante em concluir que o contrato promessa em torno do qual gravita o litígio, foi incumprido por exclusiva do recorrente e, em face disso, proferiu essa exacta declaração e condenou aquele no pagamento de parte do sinal não restituído.

Nestas condições, não há qualquer colisão entre a decisão entre os fundamentos em que se apoia, dado que os fundamentos invocados pelo decisor da 1ª instância não conduzem, logicamente, a uma decisão de improcedência daquele pedido, mas à decisão de procedência nela expressa. Não se verifica, portanto, na construção da sentença qualquer vício lógico que comprometa, irremediavelmente, a sua coerência interna.

É claro que a sentença impugnada pode ter-se equivocado, designadamente por erro na subsunção dos factos apurados na norma que julgou aplicável ao caso concreto, mas esse equívoco resolve-se nitidamente num error in iudicando e não num error in procedendo, como é, caracteristicamente, aquele que está na base da causa de nulidade substancial da sentença impugnada discutida.

O recorrente sustenta que a restituição em dobro do sinal passado no contexto de um contrato promessa de compra e venda supõe a declaração de resolução desse mesmo contrato e que, em consequência dessa resolução, seja ordenada aquela restituição. De resto, é também esse o pensamento da sentença impugnada dado que, na fundamentação de direito, se deteve no exame dos pressupostos da resolução do contrato promessa tendo, perante o sinal inequívoco da recusa do réu em contratar com o A., declarado operante a resolução contratual.

Nos termos gerais, o incumprimento definitivo de uma obrigação ocorre quando, objectivamente, o credor perca o interesse na prestação e quando o devedor não cumpra num prazo razoavelmente fixado pelo credor – a chamada interpelação admonitória (artº 808 do Código Civil).

Porém, deve notar-se que o incumprimento definitivo surge não apenas quando por força da não realização ou do atraso na prestação o credor perca o interesse objectivo nela ou quando, havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor – mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito[4] ou adopta uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento. Quando tal ocorra, não se torna necessário que o credor lhe assine um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo: a declaração do devedor é suficiente, por exemplo, no caso em que, sem fundamento, resolve o contrato[5], ou afirma de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação[6].

O incumprimento definitivo traduz uma desistência, por parte do direito, de manter vivo o dever de prestar principal, na expectativa de que o devedor o cumpra. Em qualquer dos casos, a incumprimento definitivo provoca a extinção do dever de prestar principal, com consequências várias.

Face à situação patológica da prestação causada pelo devedor com a violação da obrigação correspondente, a ordem jurídica comina-lhe sanções que podem ser reconstitutivas – v.g. a resolução do contrato ou a execução específica das obrigações que dele emergem – ou compensatórias, como por exemplo, a indemnização por danos patrimoniais e, de harmonia com a doutrina que se tem por exacta, não patrimoniais.

Assim, a extinção da prestação principal leva desde logo à sua substituição pelo dever de indemnizar (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil).

Tratando-se de obrigações recíprocas, o incumprimento definitivo de uma delas confere à parte fiel a faculdade de resolver o contrato (artº 801 nº 2 do Código Civil). Faculta a essa parte a resolução do contrato – mas não lha impõe.

Como melhor se procurará mostrar, do contrato promessa emergem, tipicamente, prestações de facto jurídico positivo.

Trata-se, caracteristicamente, de direitos de crédito. Podem, por isso, ser violados por quaisquer perturbações provocadas pelo devedor, em especial, através do incumprimento.

Verificado esse incumprindo, a ordem jurídica comina ao infractor, desde logo, uma sanção compensatória – a indemnização do dano decorrente desse incumprimento, embora o objecto dessa indemnização seja, no contexto do contrato promessa, sujeita a uma delimitação específica.

Toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor a título de antecipação do preço presume-se ter o carácter de sinal (artº 441 do Código Civil).

Se quem constituir...

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