Acórdão nº 1223/10.0TBTMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório F (…) e L (…) intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (...), CRL”, pedindo: 1) Que seja decretada a divisão do prédio actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº .../041018 ...em dois prédios distintos, correspondentes aos dois prédios que existiam antes da sua unificação e transformação em prédio misto, a saber: - Um prédio urbano composto de casa de habitação com a área de 63m3 e logradouro com a área de 57m2 a confinar do norte e nascente com prédio rústico do próprio, sul com (...) e Poente com o caminho, inscrito na matriz sob o artigo (...) da freguesia de...; - E um prédio composto de Barracão de rés-do-chão destinado a arrecadação com a área de 400m2, e terra de horta, oliveiras, figueiras e cultura arvense com a área de 8.040m2, a confinar do norte com (...), Sul (...), nascente (...) e Poente com a estrada, inscrito na matriz sob os artigos (X...) urbano e (y...) Secção P, rústico.

2) Que seja declarado como definitivamente resolvido o contrato-promessa celebrado entre os AA. e a (…) em 9 de Agosto de 2000, com fundamento em incumprimento definitivo do mesmo por culpa da promitente-vendedora e da perda do interesse dos AA. no referido contrato; 3) Que seja declarado que, por consequência, os AA. são detentores de um crédito sobre a (…) e actualmente sobre a respectiva herança, de montante não inferior a 159.615,32€.

4) Que seja declarado que os AA. gozam do direito de retenção sobre o prédio urbano constituído por casa de habitação e logradouro, melhor identificado no artigo 75º. desta petição, pelo crédito de 159.615,32€ referido na alínea anterior, e a Ré condenada a reconhecer tal direito.

Como fundamento da sua pretensão, alegam os autores em síntese: por força de uma procuração irrevogável emitida a seu favor por (…), esta concedeu-lhes poderes para vender pelo preço e condições que entendessem dois prédios, um urbano e um rústico, sitos em Tomar; com base nos poderes conferidos na aludida procuração, celebraram um contrato-promessa de compra e venda, em que intervieram como promitentes-compradores, tendo pago a (…) a totalidade do preço de 21.400,00€ acordado, e tendo tomado posse dos prédios; tais prédios foram posteriormente unificados num prédio único – o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (W...), tendo (…) constituído uma hipoteca a favor da Ré sobre o referido prédio; verifica-se o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda por parte (…); concluem os autores pela existência de um direito de crédito e de garantia (direito de retenção) desse crédito; finalmente, invocam a qualidade de herdeiros testamentários da mandante (…), tal como foi reconhecido por sentença proferida no proc. nº. 1330/2006TBTNV.

A Ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção, invocando o caso julgado e a falta de legitimidade passiva para a presente acção, e por impugnação, alegando que a pretensão formulada pelos Autores foi apreciada na acção que correu termos no 2º. Juízo do Tribunal da Comarca de Tomar, no Processo nº.1288/06.9TBTMR, proposta pelos Autores contra a Ré.

Juntou certidão da sentença proferida, bem como dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e do Supremo Tribunal de Justiça, com a respectiva nota de trânsito.

Os Autores apresentaram réplica, tomando posição quanto às excepções invocadas.

A M.ª juíza proferiu sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a Ré parte ilegítima quanto aos pedidos formulados sob as alíneas A), B) e C) e julgo verificado o caso julgado relativamente ao pedido formulado sob a alínea D) e, em consequência, absolvo a Ré da instância.» Não se conformando com a decisão, os autores interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações, onde formulam as seguintes conclusões: 1ª- Contrariamente ao afirmado na sentença recorrida, não foi ainda definitivamente apreciada e julgada improcedente a questão do incumprimento definitivo do contratopromessa de compra e venda em que se sustenta a pretensão dos autores de reconhecimento do direito de retenção.

  1. - Na acção anterior a pretensão dos Autores foi sempre recusada por todas as instâncias com fundamentos diversos, mas em face do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça têm de considerar-se prejudicados os motivos da improcedência em que se fundavam das decisões da 1ª e da instâncias.

  2. - Efectivamente o STJ não confirmou o acórdão da Relação, antes se limitando a manter a recusa de reconhecimento do direito de retenção com o fundamento da divergência do objecto sobre o qual deveria recair: o prédio urbano, artigo (W...); e não o prédio misto, composto pelos artigos (... urbano, (X...) urbano e (y...) rústico.

  3. - Toda a argumentação e análise feita pelo STJ com base na qual concluiu que o direito de retenção tinha que ser recusado por não se mostrar autonomizado o prédio urbano, só faz sentido na medida em que o referido tribunal dava como adquirida no processo, ou pelo menos viável, a existência dos demais pressupostos do direito de retenção.

  4. - Efectivamente no acórdão de 14-07-2009 e após transcrever as alegações dos recorrentes, o STJ elencou os requisitos do direito de retenção e nenhum outro obstáculo invocou ao seu reconhecimento no caso em apreço senão o facto de não se mostrar autonomizado o prédio urbano que havia sido objecto da promessa.

  5. - E quando os AA. defenderam que pelo menos lhes fosse reconhecido o direito de retenção sobre a parte urbana do prédio (21ª conclusão), o STJ consignou expressamente que essa pretensão não constituía uma redução do pedido, daqui se concluindo imediatamente que tal pedido nunca antes foi formulado e apreciado em acção anterior a esta.

  6. - Na decisão do STJ que julgou indispensável a autonomização do prédio urbano para que pudesse proceder a pretensão dos autores está contida implicitamente a decisão favorável das outras questões que tinham sido suscitadas ou no mínimo a viabilidade da procedência de tais questões.

  7. - Concluindo-se assim que o pedido de reconhecimento do direito de retenção nunca antes foi formulado nem apreciado em relação ao prédio urbano quer originariamente nem por redução do pedido, conforme referiu o STJ.

  8. - Não é o mesmo o prédio sobre o qual é agora invocado o direito de retenção e aquele relativamente ao qual tal direito foi negado na acção anterior e prova disso é o facto de o STJ ter recusado o reconhecimento do direito de retenção por ele ter sido pedido relativamente a um dos prédios e não a outro.

  9. - A decisão da 1ª instância agora recorrida, ela sim, é que viola o caso julgado formado na acção anterior, segundo a qual o prédio urbano e o prédio misto são realidades jurídicas totalmente diversas uma da outra.

  10. - Além disso a decisão ao afirmar que está agora precludida a possibilidade de invocação da divisão do prédio que supostamente constituiria um novo pressuposto material ou facto constitutivo que não foi utilizado na acção anterior, negando seguimento a esta acção com tal fundamento mais não faz do negar aos apelantes o direito a um processo equitativo, em violação frontal e directa do disposto no artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  11. - Efectivamente o Tribunal deu seguimento ao processo anterior como se nada obstasse à procedência do pedido de reconhecimento do direito de retenção sobre o prédio misto, apesar de estar obrigado a observar uma norma processual que o obrigava a dar oportunidade às partes de corrigir as eventuais deficiências que podiam comprometer a realização do direito dos AA; 13ª- Vindo o STJ a adoptar uma interpretação legal contrária àquela que o mesmo tribunal tinha adoptado num caso análogo anterior, em que fora reconhecido o direito de retenção sobre determinado andar de um prédio não constituído em propriedade horizontal, ou seja, sobre uma parte não autónoma de um prédio.

  12. - A sentença constitui caso julgado “nos precisos limites e termos em que julga”, e a absolvição do pedido na acção positiva faz caso julgado apenas relativo, pelo que o âmbito do caso julgado é delimitado pelo motivo determinante da...

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