Acórdão nº 413/11.2TBNLS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução23 de Abril de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

S… e cônjuge, M…, propuseram, no Tribunal Judicial de Nelas, contra C… e cônjuge, O…, acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, pedindo a condenação dos últimos: a) a reconhecer que: - O prédio rústico sito em … lhes pertence; - O muro de granito com cerca de 1,20m de altura, que separa esse prédio do prédio urbano dos réus, também lhes pertence, e faz parte integrante do seu prédio; b) A removerem os ferros e as chapas metálicas colocadas sobre o muro; c) A pagarem-lhes a indemnização de € 5.500,00.

Fundamentaram estas pretensões no facto de serem proprietários daquele prédio rústico, que adquiriram, por compra, em 10 de Fevereiro de 1988, e por usucapião, prédio que confina, do lado poente, com o prédio urbano dos réus, existindo a separá-los um muro de granito com cerca de 1, 20m de altura, que lhes pertence, por também o terem adquirido por usucapião, de, em acção proposta pelos réus, terem sido absolvidos do pedido de que esse muro pertencia aos últimos, e de, no dia 3 de Dezembro de 2011, os réus terem feito nove furos junto à base dos tubos metálicos já existentes e soldado, a esses tubos, ferros e duas fiadas de travessas metálicas a que afixaram dezanove chapas metálicas, tudo apoiado no muro, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais.

Os réus defenderam-se alegando, designadamente, que o muro não pertence exclusivamente aos autores nem faz parte integrante do prédio destes, que os autores nunca o possuíram nem o repararam, tendo apenas rebocado as juntas das pedras da face do muro virada para o seu prédio, que o muro foi reparado, a única vez que careceu de reparação, a mando da antepossuidora do seu prédio, que a parede nascente da casa de habitação existente no seu prédio se encontra rematada e colada ao muro com cimento, passando, debaixo desse remate, canos daquela casa, com mais de 20 anos, que da parede nascente da casa sai um marco, que se projecta sobre o muro com cerva 0,20 cm, ocupando o espaço aéreo correspondente da largura do muro, que o muro tem 1,00m de altura a contar do solo do seu prédio e 1,38 a contar do solo dos prédio dos autores, sendo por isso um muro de suporte de terras do prédio dos autores, que as pedras irregulares do muro se encontram cravadas nas terras do seu prédio, evitando o seu desmoronamento, que o muro tem a face anterior aparelhada virada para o prédio dos autores e as costas, a parte posterior da pedra aparelhada, mais irregular, virada para o seu prédio, e que em 2005, autores e réus, colocaram, a expensas meias, uma rede de vedação sobre o muro.

Na sequência de convite judicial, os autores ofereceram nova petição inicial, na qual concretizaram a exposição da matéria de facto alegada, tendo os réus apresentado nova contestação, na qual reiteraram o conteúdo da anterior.

Tanto os réus como os autores reclamaram, sem êxito, contra a selecção da matéria de facto inserta na base da prova: os primeiros pedindo a inclusão, na base instrutória, dos factos relativos à ligação material do muro ao seu prédio, à existência de tubos, sobre o remate de cimento, e do marco, à cota e altura do muro, à sua função de suporte de terras do prédio dos autores, ao cravamento das pedras no seu prédio para evitar o desmoronamento das terras desse mesmo prédio, à localização das faces do muro, à reparação deste a mando da antepossuidora do seu prédio e à reparação, por ambas as partes, do seu lado do muro, e, os segundos, a eliminação, daquela base, dos factos nela insertos sob os nºs 1 a 7, 9 a 12 e a inserção, do quesito 1º nos factos assentes.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento - com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente – no terminus da qual se decidiu, sem reclamação, a matéria de facto controvertida.

A sentença final, julgando a acção parcialmente procedente, declarou que os autores são donos e legítimos possuidores do indicado prédio rústico e que o muro de granito que separa a propriedade de AA. e RR. com cerca de 1,20 metros de altura que parte da Rua x... em direcção a norte, numa extensão de 27 metros em linha recta e com 0,30 metros de largura como integrando o prédio referido em A) em conformidade se condenando os RR. a retirarem os ferros e chapas metálicas colocadas sobre o mesmo.

É esta sentença, e subsidiariamente, o despacho que lhes indeferiu a reclamação contra a selecção da matéria facto, que os réus impugnam por via do recurso ordinário de apelação, no qual pedem revogação daquela sentença, ou subsidiariamente, daquele despacho, e a substituição deste por outro que defira aquela reclamação e anule os termos subsequentes.

Os recorrentes remataram a sua alegação com estas conclusões: … Na resposta, os apelados, depois de observarem, designadamente, que os recorrentes, por não terem reclamado contra as respostas à matéria de facto, se conformaram com elas, tendo-se também conformado, por o não terem impugnado, com o despacho de indeferimento da reclamação que deduziram contra a selecção da matéria de facto, concluíram, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    O litígio das partes, na acção e no recurso, gravita em torno deste problema: a titularidade pelos recorridos do direito real de propriedade sobre o muro que, na zona de confinância, separa o seu prédio rústico do prédio urbano dos apelantes.

    Trata-se, aliás, de questão que já foi objecto de acção anterior, que correu entre as mesmas partes, na qual se julgou improcedente, por sentença passada em julgado, o pedido, formulado pelos apelantes - ora réus e então autores – de declaração de que eram eles os titulares, por o haverem adquirido por usucapião, do direito real de propriedade sobre esse mesmo muro.

    Tendo os apelantes pedido, na acção anterior, contra os apelados a declaração de que são proprietários do muro e perdido, por virtude do caso julgado material que se formou sobre a sentença correspondente, ficou assente que os apelantes não são proprietários daquele bem. Mas por força dos limites a que o caso julgado está submetido, esta proposição só é indiscutível enquanto se baseia na mesma causa de pedir invocada anteriormente pelos apelantes; nada obsta, portanto, a que os recorrentes, fundados noutra causa petendi, voltem a afirmar-se, mesmo contra os apelados, proprietários daquele muro (artºs 498 nº 1, 671 e 677 do CPC)[1].

    Na espécie do recurso, os apelantes não alegaram, porém, que são eles os titulares do direito real de propriedade sobre o muro – nem muito menos deduziram tal pedido – tendo-se limitado a negar a titularidade pelos apelantes desse mesmo direito, admitindo, quando muito, que uns e outros são comproprietários dele.

    Os recorridos, apesar de no registo predial se encontrar inscrito, a seu favor, um facto aquisitivo do direito real de propriedade sobre o prédio que aquele muro delimita, alegaram como causa petendi do pedido de reconhecimento de direito da mesma espécie sobre o muro objecto da discórdia, a usucapião.

    E bem se compreende uma tal estratégia processual.

    O registo tem por finalidade conspícua dar publicidade às situações jurídicas prediais, através da inscrição dos factos que lhes tenham dado origem. Face à fé pública de que é dotado, o registo permite presumir que o direito pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o define (artº 7 do Código de Registo Predial).

    Todavia, este fundamental efeito substantivo presuntivo do registo, por virtude da impossibilidade de assegurar a fidedignidade da descrição, não se estende aos elementos indentificadores do prédio, como por exemplo, as áreas, confrontações e composição. De resto, a base da nossa ordem jurídica imobiliária não é o registo – mas a usucapião[2]: a situação registral nada pode contra a usucapião e a esta – que constitui a ultima ratio na solução de conflitos entre adquirentes de direitos reais - é de todo indiferente àquela.

    E isto é exacto ainda que exista assente na lei, no tocante ao bem litigado, uma presunção de comunhão, rectius, de compropriedade.

    Assim, relativamente a muros divisórios, dada, de um aspecto, a dificuldade de fazer a prova da comunhão e, de outro, a probabilidade da sua existência, em face da homogeneidade de interesses dos proprietários confinantes, a lei presume, meramente iuris tantum, que pertencem em comum aos proprietários cujos prédios divide (artº 1371 nºs 1 e 2 do Código Civil).

    Mas no caso do recurso não há sequer que lidar com uma tal presunção. É que ela só se mostra estabelecida quando o muro divida ou separe prédios da mesma natureza ou afins: na ausência da identidade ou de afinidade dos prédios falta o pensamento que está na base da presunção - a comunhão de interesses dos proprietários confinantes[3].

    No caso, de harmonia com a decisão da matéria de facto, que neste ponto não é objecto de impugnação, como o muro que constitui o nó górdio do dissídio separa ou estrema um prédio rústico – o dos apelados – e um prédio urbano – o dos apelantes, a presunção não funciona[4].

    E não funcionando uma tal presunção, também se não coloca o problema dos sinais que, do mesmo passo, excluem essa presunção e funcionam como presunção de propriedade exclusiva do muro a favor de um dos proprietários confinantes (artº 1371 nº 3 a) c) e 4 do Código Civil). É que estas últimas presunções – como a presunção de compropriedade – só funcionam quanto a muros que dividam prédios da mesma espécie ou afins, o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT