Acórdão nº 839/12.4T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução26 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A...., com residência profissional no ..., Aveiro, propôs a presente acção contra B...

, residente na rua ..., Aveiro, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 8 000,00 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que no dia 31 de Outubro de 2010, a ré apresentou uma reclamação no ..., acusando a autora, que trabalha como enfermeira no referido hospital, de ameaçar e maltratar a utente C...

(avó da ré); que a ré afirmou na reclamação factos que não eram verdadeiros; que a única explicação que encontra para a reclamação são ciúmes, pois a ré é a actual companheira do ex-namorado da autora; que a ré quis prejudicar o bom-nome da autora; que a autora viu-se humilhada perante colegas e utentes e sofreu grave desgosto e abalo moral; que a reclamação pôs em causa anos de dedicação à enfermagem; que estima em 8 000,00 euros a reparação dos danos não patrimoniais sofridos. A ré contestou, concluindo pela improcedência da acção. Na sua defesa alegou, em síntese, que se limitou a transmitir as queixas, angústias e temores que lhe foram revelados pela sua avó, C..., na impossibilidade de esta o fazer por si, exercendo legitimamente o direito de reclamação, enquanto utente do Serviço Nacional de Saúde. O processo prosseguiu os seus termos e depois de realizada a audiência de discussão e julgamento e de ter sido dada resposta à matéria de facto, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 5 250 [cinco mil duzentos e cinquenta euros], acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até integral e efectivo pagamento.

A ré não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a alteração da sentença.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. Considerou o tribunal “a quo” julgar parcialmente procedente a acção, condenando a recorrente a pagar à recorrida o valor de € 5.250.00 acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até integral e efectivo pagamento, assim como nas custas na proporção do seu decaimento. O tribunal “a quo” andou, no entanto, mal ao decidir dessa forma, incorrendo em erros de julgamento da matéria de facto e erros de julgamento da matéria de direito.

  1. Desde logo deu erradamente como provado o facto n.º 4, para o qual se fundou, entre outros, no depoimento da testemunha J ..., que afirmou ser sincero e coerente. No entanto, esta testemunha, responsável por dar resposta à reclamação feita pela recorrente no livro Amarelo, não só afirma que esta havia escrito na aludida queixa que a recorrida maltratava a utente C... – quando isso não consta da reclamação - como afirma que as queixas da utente não correspondiam à verdade. No entanto, não questionou a referida utente sobre esse mesmo assunto - se ela tinha ou não sido ameaçada -, mesmo avançando que ela o poderia confirmar.

  2. Da mesma forma, a testemunha alega que inexistiam sinais que pudessem motivar uma reclamação por parte da utente, quando ela própria não observou a dita utente no dia em que esta deu entrada – dia 31 de Outubro –, bem como os registos desse mesmo dia foram feitos no serviço de Urgência Geral, que não foram analisados. E quanto aos restantes dias, não sabe precisar se os registos médicos contemplam outras análises que não aquelas que dizem respeito aos problemas cardíacos da utente.

  3. A testemunha – responsável por dar resposta à dita reclamação – avança ainda que a recorrente avançou para a queixa sem dar oportunidade à recorrida de se defender, quando também isso não é verdade, uma vez que a primeira tentou efectivamente falar com a segunda. E isso decorre mesmo do depoimento da testemunha I....

  4. Por fim, prova de que não se pode dar como provado sem mais que do comportamento da enfermeira não se apurou nada de anormal, é o facto de a testemunha J ..., aqui referida, enfermeira chefe, ter feito uma proposta de que as afirmações escritas pela recorrente fossem contextualizadas por esta, sendo que essa mesma proposta não teve qualquer seguimento, tendo mesmo sido arquivado o dito inquérito.

  5. Pelo que tendo em conta tudo isto, verifica-se um erro na apreciação da prova, devendo consequentemente o facto n.º 4 ser dado como não provado, ou pelo menos provado no sentido de que: “na sequência da reclamação apresentada foi feito um inquérito interno no âmbito do qual nada de anormal se apurou na actuação da Senhora Enfermeira A..., aqui autora, ainda que não tenha sido ouvida nem a utente, nem a pessoa que apresentou a queixa em nome da utente em causa, aqui ré”.

  6. Por outro lado, o tribunal “a quo” deu como não provados os artigos 2º, 3º e 4º da contestação, incorrendo, mais uma vez, em erro na apreciação da prova. Com efeito, o tribunal motiva-se desde logo, no raciocínio de que: “Profissionalmente a autora é conhecida por A...e a reclamação foi dirigida à enfermeira A.... De outra banda, não sabendo a paciente ler, não podia ter sido esta a transmitir o nome da enfermeira quer à filha quer à neta. Deste modo, o seu nome só poderia ter sido obtido na recepção ou junto de outros profissionais e, se assim tivesse acontecido, o nome veiculado teria sido A..., que não é o que consta da reclamação”.

  7. No entanto, com este raciocínio, o tribunal assenta o seu juízo lógico dedutivo em factos que não estão assentes em lado nenhum, uma vez que não é alegado qual o nome profissional da autora, não sendo o mesmo dado como provado ou não provado. E tal método de raciocínio dedutivo – de fixar factos desconhecidos a partir de factos desconhecidos – não é permitido no nosso sistema legal, sendo contrário ao disposto no artigo 349º do Código Civil. Pelo que esta argumentação não pode fundar a decisão da matéria de facto dos artigos 2º, 3º e 4º da contestação, devendo esta ser alterada e dada como provada, tanto mais tendo em conta o depoimento de parte da ré onde esta afirma que se limitou a dar voz às queixas da avó.

  8. O tribunal “a quo” funda também o seu raciocínio no seguinte argumento: “Acresce, ainda, que a autora teve muito pouco contacto com a utente e não é razoável acreditar que, a ter acontecido uma situação de ameaças e maus tratos (…) a utente só tenha reportado esta à sua filha no dia 31 de Outubro de 2010 e não o tenha referido em momento anterior, designadamente a alguém do lar, onde esta se encontra. É de igual modo, estranho que a referida situação não tenha causado qualquer alteração digna de registo no processo da paciente”. E também aqui parte de factos desconhecidos para afirmar factos desconhecidos, uma vez que não constam dos factos provados nem não provados, nem foi referido por ninguém aquando da produção de prova se a utente reportou ou não qualquer ameaça a alguém do lar onde se encontra. Pelo que este juízo de que ela o fez é meramente arbitrário e viola os mais básicos princípios de direito civil.

  9. Acresce que a referida fundamentação aludida na conclusão n.º 9 refere-se a “maus-tratos”, quando a ré não o referiu na sua reclamação. E da mesma forma não é feita uma análise se os registos da paciente se debruçam sobre a sua situação clínica cardíaca ou sobre a sua situação psicológica ou emocional.

  10. É ainda fundamentado para dar como não provados os artigos 2º, 3º, e 4º da contestação a argumentação de que “não é credível que a testemunha E... não fizesse, de imediato, a correspondência da enfermeira visada com a sua ex-namorada”. Ora esse juízo contraria as regras de experiência comum uma vez que da produção da prova resulta que a testemunha E...terminara o seu relacionamento com a recorrida há cerca de dois, três anos; na altura do relacionamento, a recorrida não trabalhava ali; pelo que tendo a testemunha um novo relacionamento estável, não tendo contactos com a sua ex-namorada há mais de dois anos, não se percebe porque haveria de fazer um imediato juízo de correspondência com a sua ex-namorada e a autora quando alguém refere o nome enfermeira e o nome A.... Tanto mais que – e partindo como faz o Tribunal “a quo” – de factos desconhecidos para factos desconhecidos – ninguém sabe se a testemunha tratava a Autora pelo seu nome próprio ou por um outro qualquer.

  11. E assim sendo é evidente que incorreu o tribunal “a quo” em erro na apreciação da prova pelo que, consequentemente, têm de ser alteradas as respostas dadas aos artigos 2º, 3º e 4º da contestação, sendo estes considerados provados.

  12. O artigo n.º 27º da contestação, segundo o qual “Aceita-se expressamente que, à data dos factos narrados na reclamação apresentada pela Ré, esta não conhecesse a Autora”, foi dado como não provado, quando na petição inicial, no artigo 7º havia sido alegado pela Autora: “Embora a Autora e a Ré não se conheçam”. E o que acontece é que se verifica um meio de prova plena, nomeadamente prova por confissão e acordo, cuja força probatória foi desprezada pelo tribunal “a quo” ao ter sido dado como não provado o artigo 27 da contestação, pelo que, nos termos do artigo 712.º n.º 1 al. b) do C.P.C deve ser dado como provado: “À data dos factos narrados na reclamação apresentada pela Ré, esta não conhecia a Autora”.

  13. Sem prescindir, no que ainda a este artigo 27º da contestação diz respeito, mesmo que não se entenda que estão violados os mais básicos princípios relativos à prova plena, deve ser valorado o depoimento da ré quando afirma claramente que não conhecia a autora à data dos factos. E consequentemente serem também alterados os artigos 2º, 3º e 4º da contestação uma vez que se a ré não conhecia a autora, improcede a argumentação de que esta agiu motivada devido à sua relação com a testemunha E...e não devido às queixas da sua avó.

  14. Mal andou o tribunal “a quo” ao dar como não provados os artigos 35º e 36º da contestação. Desde logo porque as únicas pessoas que poderiam saber da referida queixa eram a utente C..., a...

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