Acórdão nº 1167/10.5TBACB-E.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelJOSÉ AVELINO GONÇALVES
Data da Resolução05 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A Massa Insolvente de A…, Lda. demanda J…, peticionando, em síntese, a redução equitativa do preço contratado ao valor real do imóvel objecto do contrato promessa com o mesmo celebrado e a condenação do réu a restituir à autora o valor recebido em excesso; ou, subsidiariamente, a resolução do referido contrato promessa, com a consequente restituição de todo o prestado.

    Louva o seu pedido na celebração com o réu de um contrato promessa de compra e venda de um bem imóvel, pelo valor de € 1.546.274,00, tendo a autora procedido já ao pagamento da quantia de € 1.004.314,80, a título de sinal e princípio de pagamento, encontrando-se em dívida o pagamento da quantia de € 541.959,20, acrescida de juros de mora vencidos.

    Pretendia a autora, com a celebração do referido negócio a rentabilização do seu investimento da forma mais lucrativa possível, prevendo o início da construção no terreno em causa de apartamentos de diversas tipologias, logo após a outorga da escritura pública de compra e venda. Tais apartamentos seriam colocados à venda, junto da população - alvo do Reino Unido e Irlanda, pelo valor médio de € 200.000,00 cada T1, e € 300.000,00 cada T2.

    Previa a autora obter, com o referido negócio, um rendimento global de € 2.500.000,00.

    O ano de 2006 corria de forma bastante favorável para o turismo algarvio, permitindo consolidar os resultados do ano de 2005 e obter bons resultados em 2007.

    Ainda que não lograsse a edificação do empreendimento projectado, sempre a autora conservaria a possibilidade de recuperar o valor despendido com a sua aquisição, através da alienação do mesmo a terceiro, por montante igual ou mesmo superior ao valor aquisitivo.

    Ao prometer comprar o imóvel em causa pelo preço convencionado, estava a autora convicta de que aquele preço correspondia ao valor justo do imóvel, por referência ao seu valor de mercado, tendo sido com base nesse pressuposto que projectou e planificou todo o seu investimento, assumindo todos os riscos inerentes a um negócio de valor tão avultado.

    O réu tinha pleno conhecimento das intenções da autora e, bem assim, das suas expectativas ao celebrar o referido contrato promessa.

    Sucede que em meados do ano de 2007 deflagrou uma crise no sistema imobiliário e financeiro norte-americano que rapidamente se propagou por todo o mundo, que originou uma redução drástica das importações, o que determinou a redução de investimentos estrangeiros e a diminuição do volume de negócios nas bolsas de valores de todo o mundo.

    Como é sabido, Portugal não tem sido imune à referida crise, pois que a mesma originou um abrandamento gradual da economia e a imposição de novas restrições à concessão de crédito à habitação.

    Tal crise teve forte impacto na economia portuguesa, em especial, nas empresas do ramo imobiliário, entre as quais, a ora autora.

    Atenta a sua dificuldade de financiamento, os Bancos portugueses restringiram o acesso ao crédito, o que determinou a redução do poder de compra e o incremento das dificuldades sentidas no meio empresarial.

    Tal redução da capacidade de consumo teve impacto negativo ao nível do turismo algarvio, com redução das taxas de ocupação e consequente diminuição do volume de negócios, face ao decréscimo da procura.

    A redução da procura face à oferta imobiliária existente, associada aos restantes factores próprios da crise do sector, veio determinar a estagnação e subsequente descida de preços dos imóveis disponíveis no mercado.

    Em função de toda esta conjuntura económica, a partir de Maio de 2008 a autora, à semelhança da generalidade das empresas de construção civil, deparou-se com sérias dificuldades financeiras, em virtude de não dispor de capacidade para fazer face ao seu crescente endividamento – o que veio inclusive a determinar a sua apresentação à insolvência em Junho de 2010.

    Se tivesse previsto, ou pelo menos suspeitado, da possibilidade de ocorrência de uma tal quebra ao nível do mercado imobiliário, jamais teria a autora assumido o compromisso que assumiu, no contrato promessa em causa nos autos.

    Considera assim a autora que se alteraram, de forma anormal, as circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar, pelo que tem a autora direito à redução do preço contratado à quantia de € 400.000,00 (correspondente ao valor de mercado actual do imóvel em causa) ou, caso assim se não entenda, à resolução do contrato promessa celebrado com o réu.

    Contestou o réu a acção proposta, invocando, em síntese: A excepção de incompetência territorial, por considerar ser competente o Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, onde o mesmo reside e onde foi celebrado o contrato em causa nos autos, julgada improcedente.

    A excepção de prescrição do direito à resolução, por decurso dos prazos previstos na lei para o efeito e, impugnando a generalidade dos factos alegados pela autora, que considera não consubstanciarem uma alteração anormal das circunstâncias.

    Deduziu pedido reconvencional, no qual peticiona o reconhecimento de que a autora é a única e exclusiva responsável pelo não cumprimento do contrato celebrado, com a consequente perda do sinal pago, ou, em alternativa, a execução específica do contrato celebrado, que a 1.ª instância não admitiu.

    Mais requereu a condenação da autora como litigante de má-fé, uma vez que o Administrador de Insolvência da autora não recusou nem exigiu ainda o cumprimento do contrato promessa celebrado entre as partes, vindo alegar um fundamento desajustado da realidade factual e negocial que esteve na base do negócio celebrado.

    A 1.ª instância decidiu assim: “Por tudo quanto fica exposto, decide este Tribunal julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, ABSOLVER o réu de todos os pedidos formulados.

    Mais se decide julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação da autora como litigante de má fé, e, em consequência, ABSOLVER a autora do pedido formulado.

    …”.

    A autora, MASSA INSOLVENTE DE A…, LDA, inconformada com o assim decidido interpôs o Competente RECURSO DE APELAÇÃO, assim concluindo: … 2. Do objecto do recurso.

    Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente cumpre apreciar as seguintes questões: I. O Tribunal proferiu decisão surpresa? II.A autora tem direito a reduzir equitativamente o contrato promessa celebrado com o réu, ou, caso assim se não entenda, à resolução de tal negócio, nos termos peticionados? A 1.ª instância fixou assim a matéria de facto: … I – Da decisão surpresa.

    Por considerar estar o processo pronto a decidir, nos termos do art.º 510º, nº 1, al. b) do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, a 1.ª instância conheceu, de imediato, do mérito da causa, dispensando a realização de audiência preliminar ao abrigo do art.º 508º-B/1/b do mesmo diploma.

    Diz a apelante que tal procedimento configura uma clara e evidente nulidade processual, violando a decisão recorrida o disposto no nº 3 do art.º 3º do diploma em apreço.

    Que ao prescindir de tal convocação, privou o Tribunal a quo as partes de cooperarem e comparticiparem na audiência preparatória, num debate fáctico-jurídico esclarecedor, com vista à prolação de uma decisão judicial reflectida e ponderada.

    Não foi, pois, assegurado o contraditório, deparando-se as partes, aquando da notificação do despacho saneador-sentença, com uma decisão surpresa, em clara violação do art. 3º, nº 3 já mencionado.

    Omitiu-se, assim, um acto imposto por Lei e, como tal, obrigatório que, obviamente, influiu na decisão da causa (vista a ausência de cooperação das partes sobre o aspecto fáctico-jurídico da causa - art.º 201º, nº 1), omissão determinante da nulidade ora invocada e que deve, nesta sede, ser conhecida.

    Salvo o devido respeito, a apelante carece de razão.

    Como sabemos, findos os articulados e concluídas as diligências tendentes ao suprimento das excepções dilatórias, deve ser convocada uma audiência preparatória que faculte às partes a discussão de facto e de direito, sempre que o juiz tencione conhecer, de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa.

    Tal obrigatoriedade só não se verificará nos casos em que a matéria aduzida revista manifesta simplicidade.

    Escreveu assim a 1.ª instância: “Não urge actuar o contraditório, nem a causa reveste complexidade que fundamente a necessidade de realizar audiência preliminar, pelo que dispenso a sua realização, ao abrigo do que dispõe o artigo 508º-B, nº 1, alínea b) do CPC.

    Cumpre proferir despacho saneador para os efeitos previstos no artigo 510º, nº 1, alínea b) do CPC”.

    Dispõe o art.º 510º, nº 1, al. b) que, findos os articulados, o juiz profere despacho saneador destinado a “conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”.

    A redacção deste artigo resulta das alterações introduzidas pela reforma de 1995-1996, mas como já referia o Prof. Castro Mendes, no seu Direito Processual Civil, Vol. II, pág. 638, a questão de mérito nunca pode ser unicamente de direito, pelo que pode conhecer-se do mérito da causa “sempre que os factos necessários para a resolução do litígio estejam já provados no processo, não carecendo por isso de ulterior instrução e actividade probatória”.

    Tal sucederá quando toda a matéria de facto se encontra provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento, quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental que já se mostre feita ou quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos.

    Quanto a esta última hipótese, escreve o Conselheiro Abrantes Geraldes - Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. II, 4ª ed. rev. e act., pág. 132 - que “se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afectada com a prova dos factos...

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