Acórdão nº 113799/12.6YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução05 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M… apresentou contra N… requerimento de injunção, pedindo a notificação deste para lhe pagar a quantias de € 7.260,00, acrescida de juros de mora no valor de € 2 535,43, e de € 102,00, relativa à taxa de justiça paga.

Fundamentou o requerimento no facto de, no exercício da sua actividade de realização de projectos de arquitectura, ter realizado, a solicitação do requerido, projectos de arquitectura para alteração de edifício e adaptação para espaço rural, e de o requerido lhe não ter liquidado o preço de € 7.260,00 acordado.

O requerido defendeu-se, na oposição, por excepção peremptória, alegando a prescrição presuntiva, e, por impugnação, afirmando que não solicitou, nem encomendou qualquer projecto de arquitectura ao requerente e que nunca existiu um contrato de prestação de serviços entre ambos.

Oferecido o articulado de resposta, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, no qual foram ouvidas duas testemunhas – J…, pai do requerente, e P…, unida de facto com o requerido – cujos depoimentos foram objecto de registo sonoro.

A sentença final, julgou a acção parcialmente procedente e condenou o Réu a pagar ao A., até ao limite máximo de 7.620 euros (IVA já incluído), o montante devido pela retribuição da execução do acordo apontado em 2 da factualidade apurada, de acordo com os critérios supletivamente prevenidos na lei (artº 1158º, nº 2 do CC) em caso, como o presente, de falta ou não apuramento de ajuste das partes.

É esta sentença que ambas as partes impugnam por recurso ordinário independente de apelação.

O requerente – que pede, no seu recurso, a revogação daquela sentença na parte em que conclui pela condenação ilíquida, sendo a acção julgada procedente e o Réu condenado no pedido – condensou a sua alegação nestas conclusões: … Por sua vez, o requerido – que pede, no seu recurso, a revogação da decisão recorrida - rematou a sua alegação com estas pródigas conclusões: … Nenhuma das partes respondeu ao recurso da outra.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto dos recursos.

    2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes exactos termos: ...

    2.1.2.

    Factos não provados.

    Não se provaram outros factos, designadamente, que no âmbito do acordo referido em 2 da factualidade apurada tenha sido acordado ou estabelecido qualquer concreto preço, designadamente aquele de 7.620 euros.

    2.2. O Sr. Juiz de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1.1. e 2.1.2., esta motivação.

    Fundou o tribunal a sua convicção, desde logo, no documento nº 2 junto pelo A. no início da audiência de julgamento (fls. 30 a 91), sendo a subscrição do requerimento de fl. 30, com o qual foi proposto a licenciamento o projecto retratado ao longo daquele demais documento, confirmado pela testemunha P…, companheira do Réu há já cerca de 15 anos, como esclareceu.

    No depoimento desta testemunha e de J…, pai do A., que confirmaram que o A. foi contactado pelo Réu no âmbito da pretensão deste último (e da sua companheira, a referida P…) de proceder a obras numa sua casa sita em Alcobaça, ‘transformando-a’ num espaço para turismo rural. E que nesse âmbito ou para esse efeito o A. elaborou um projecto, que o Réu entregou na Câmara de Alcobaça.

    Divergiram as testemunhas, essencialmente, quanto ao modo de retribuição (lato sensu) do A., sendo que a testemunha J… referiu ter sido acordado um específico preço (“seis mil e tal euros mais IVA”), ao passo que a testemunha P…, não tendo referenciado que a elaboração daquele projecto tivesse sido gratuita, apontou que a ‘retribuição’ do trabalho executado pelo A. sobreviria com a entrega, a si (A.), da empreitada ou execução das obras de adaptação do edifício, como que se ‘diluindo’ o valor do projecto no montante global da empreitada que seria levada a cabo depois do licenciamento.

    Ora, a dinâmica contratual, tal como descrita pela testemunha P…, não nos mereceu menor crédito (pelo contrário e pelas razões que se exporão) que aquela sustentada pela testemunha J... De facto, embora decorra da normalidade das situações (como se alcança das regras da experiência) que a contratação de alguém para elaborar um determinado projecto de arquitectura ou engenharia civil, pressupõe um prévio consenso acerca do preço a pagar, não há que olvidar, no caso concreto, as especificidades do relacionamento que à data intercedia entre o A., o Réu e o pai do primeiro. Assim, este último, a testemunha J… referiu que acabara de efectuar alguns trabalhos de construção civil para o Réu, e na mesma casa que foi objecto do projecto em apreço, como confirmaram ambas as testemunhas, as quais mais apontaram a existência, à data, de uma grande proximidade entre as partes. De resto, confirmaram ainda as testemunhas que o A., por intermédio de uma sociedade de sua ‘pertença’, efectuou parte das obras de construção civil de uma outra empreitada sita neste concelho de S. Pedro do Sul, promovida pelo Réu e companheira. Ou seja, em suma, e conforme se alcança dos depoimentos das testemunhas, a relação que intercedia entre A. e Réu não era meramente profissional, nem foi ocasional. O que reforça a verosimilhança da dinâmica descrita pela testemunha P…, ou seja, e segundo esta, a ‘vantagem’ que o A. retiraria com a elaboração do projecto não seria o seu ‘directo’ pagamento pelo Réu, mas antes a ‘vantagem’ proveniente do lucro que auferiria com a execução das obras de adaptação cujo licenciamento a elaboração daquele projecto precisamente visava permitir.

    De resto, e para além do que assim se justifica quanto à não menor consideração do depoimento da testemunha P…, da análise do documento nº 3 junto pelo A. (fls. 93 a 96), consistente na sentença proferida no âmbito do processo aludido no requerimento de injunção, emerge um dado que em nada abona o crédito da testemunha J... De facto, ao passo que nestes autos de S. Pedro do Sul, sendo demandante o seu filho, aquele J… não teve dúvidas em apontar que o pedido de elaboração do projecto foi efectuado pelo Réu ao A. pessoalmente, já naqueles, em que era demandante a sociedade ‘pertença’ do seu filho, aqui A., apontava que a elaboração do projecto em causa tinha sido feita pelo seu dito filho, mas que este actuara em nome daquela sociedade. Ou seja, e salvo o devido respeito, não pode este exercício testemunhal à la carte deixar de ocasionar algumas dúvidas quanto à bondade do afirmado pela testemunha cujo depoimento agora se analisa.

    Dai, perante o exposto, e em face das dúvidas, não nos tenha convencido o estabelecimento de qualquer acordo quanto a um específico preço como remuneração do projecto elaborado pelo A.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito objectivo dos recursos.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação de ambas as partes, a questão concreta controversa consiste em saber se o réu deve ser condenado no pedido líquido formulado pelo autor ou, inversamente, se o demandado deve ser absolvido, in totum, desse mesmo pedido.

    Como de decorre das conclusões com os recorrentes remataram a respectiva alegação, o primeiro motivo de descontentamento, tanto de um como de outro, relativamente à decisão impugnada radica no julgamento da matéria de facto que nela se contém.

    Ambos os recorrentes assacam à decisão da questão de facto um error in iudicando. Mas é diversa, num e noutro caso, a natureza desse erro. Segundo o réu, esse erro de julgamento radica num erro na apreciação da prova, por equívoco na valoração aferição da prova – pessoal – produzida; de harmonia com a alegação do autor, aquele erro assenta, antes, num erro sobre o objecto da prova, traduzido na errónea inclusão do facto na prova, i.e., na errada consideração de que esse facto se mostrava controvertido, e, portanto, carecido de prova.

    Como importa, antes de mais, fixar os factos materiais relevantes para o julgamento da causa – aos quais será ulteriormente aplicado o direito – está indicado que conhecimento do objecto de ambos os recursos se abra com a apreciação da impugnação dirigida contra a decisão da questão de facto.

    3.2.

    Impugnação da decisão da matéria de facto.

    3.2.1.

    Recurso do autor.

    Um primeiro caso em que a Relação pode ser chamada a actuar os seus poderes de controlo relativamente à decisão da matéria de facto, respeita, não ao erro na apreciação da prova – mas ao erro sobre objecto dessa prova.

    A inclusão de um facto no objecto da prova e, portanto, a consideração de que esse facto necessita de prova, pode estar viciada por erro respeitante, designadamente à admissão por acordo. O vício decorre, nesta hipótese, de se exigir a prova de um facto que dela está dispensado.

    Segundo o autor seria esse justamente o caso no tocante ao facto relativo ao valor da remuneração que julga ser-lhe devida: no seu ver, dado que o réu, em momento algum, impugnou o valor peticionado, terá de considerar-se como provado, por admissão por acordo, aquele valor.

    Mas é patente que o autor não tem razão.

    Na contestação, o réu pode defender-se por impugnação, directa, ou de facto, e indirecta ou de direito, ou ainda qualificada ou per positionem. A impugnação directa ou de facto consiste na contradição pelo réu dos articulados na petição ou no requerimento inicial (artº 487 nº 1 e 2, 1ª parte, do CPC de 1961 e 571 nº 1 e 2, 2ª parte, do NCPC).

    A impugnação directa deve abranger os factos principais articulados pelo autor na petição inicial; se isso não suceder, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (artº 490 nºs 1 e 2 do CPC, do...

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