Acórdão nº 1339/11.5TBTMR.A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Novembro de 2013
Magistrado Responsável | CARVALHO MARTINS |
Data da Resolução | 05 de Novembro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, interveniente acidental nos autos à margem referenciados, na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), notificado do despacho de fls. de 27 de Maio de 2013 e com o mesmo não se conformando, veio dele interpor recurso de apelação com efeito suspensivo para o Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos e para os efeitos dos artigos 691º, n° 2 alínea d) e 692° n° 3 alínea e), ambos do CPC, alegando e concluindo que 1.
Vem o presente recurso interposto do douto despacho supra referenciado que decide pela manutenção da prestação de alimentos a assegurar pelo FGADM nos autos em apreço, que salvo o devido respeito, não pode o ora recorrente concordar com a douta decisão recorrida.
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O FGADM considera que não se encontra preenchido o pressuposto legal essencial e exigido subjacente à atribuição da prestação de alimentos impossibilidade coerciva do devedor 3.
Com efeito, nos termos do preceituado no art.1.° da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro e no art. 3.° do DL n.° 164/99 de 11 de Maio (com a redacção introduzida, respectivamente, pela Lei n.° 66-B/2012 de 31 de Dezembro e pela Lei nº 64/2012 de 20 de Dezembro), os pressupostos para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores residentes no território nacional são os seguintes: - Que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos; - A impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art. 189° da OTM; - Que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS; 4.
No que à situação em causa releva, não consta do douto despacho recorrido a verificação de um dos requisitos cumulativos que a Lei n.° 75/98 de 19 de Novembro (com a redacção introduzida pela Lei n.° 66-B/20]2 de 31 de Dezembro) em conjugação com o DL 164199 de 13 de Maio (com a redacção introduzida, pela Lei n.° 64/2012 de 20 de Dezembro), exige para que as prestações de alimentos possam ser atribuídas nos termos que preconiza.
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Quanto à impossibilidade coerciva do progenitor obrigado à prestação, prevista nos termos e para os efeitos do art. 189° OTM, nada é mencionado.
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A verdade é que, acentua a douta decisão que cite-se “nos autos a fls. 57, já consta uma decisão de incumprírnento que condenou o requerido e progenitor da menor B (…), nascida em 0.10.2008, chamado por sua vez de P (…) a pagar a título de alimentos a quantia em atraso de 125 € (até ao mês de Março de 2012), porque se, provou o não pagamento por este o valor devido a titulo de alimentos à sua filha”.
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Contudo o simples facto daquele reconhecimento da existência do incumprimento não determina que exista uma impossibilidade coerciva, delimitando-se apenas o incumprimento do devedor nada mais.
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O simples facto de ser declarado o incumprimento do devedor, do mesmo não advém inequivocamente a impossibilidade coerciva.
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A verdade é que o incumprimento da prestação por si só não é suficiente para que o FGADM assuma a prestação em regime de sub-rogação.
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Exige a Lei, e bem, que do incumprimento seja declarada igualmente a impossibilidade coerciva prevista nos termos e para os efeitos do art. 189° da OTM.
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Admitir o contrário, face ao que anteriormente foi referido, seria iludir o espírito da Lei, abrindo a porta à desresponsabilização dos obrigados a prestar alimentos, por saberem, a priori, que o Estado supriria as suas faltas.
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A douta decisão com o respeito que possa merecer, não menciona o facto, de estar previsto o requisito legalmente exigido para que o FGADM assuma a prestação, certo é que desconhece o IGFSS, IP, se o progenitor/devedor se encontra a trabalhar, ou até mesmo a cumprir algumas das prestações.
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Afirmação esta subjacente, no facto de na douta decisão se referenciar “quantia em atraso” no valor de €125,00. No entanto o valor da prestação alimentícia fixada é de E 80,00, como poderá o pai estar em divida no montante de €125,00? 14 Terá o devedor efectuado o pagamento de algumas prestações? Ou por mera hipótese terá sido fixado um valor superior ao FGADM, diferente do fixado ao progenitor/devedor? 15.
Com a devida vénia, da leitura da douta decisão o interprete/ destinatário não poderá deter dúvidas na interpretação. Sendo por essa razão lícito ao FGADM deduzir que certamente o valor da prestação fixado é superior ao do devedor originário.
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No entanto, indubitável é que a letra da lei aponta no sentido de que o FGADM apenas garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados e somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado para esta.
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Até porque a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM, autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal, não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação 18.
A este propósito cumpre esclarecer que a responsabilidade do FGADM é, residual, uma vez que a satisfação do pagamento das prestações alimentícias incumbe em primeira mão aos pais e só quando tal é inviável é que intervém o Estado, assumindo tal pagamento e desde que preenchidos os requisitos cumulativos exigidos por Lei.
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Admitir o contrário, face ao que anteriormente foi referido, seria iludir o espírito da Lei, abrindo a porta à desresponsabilização dos obrigados a prestar alimentos, por saberem, a priori que o Estado supriria as suas faltas. Essa, não foi, certamente, a intenção do legislador.
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Na verdade, não só seria incomportável para o Estado colmatar carências pretéritas dos menores, como seria inadequado substituir o obrigado originário a alimentos, no seu inalienável dever de prover ao sustento é educação daqueles.
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Esta prestação é autónoma relativamente à do obrigado a alimentos, e, para a sua fixação, é necessária a verificação do incumprimento e da impossibilidade da sua satisfação por este último.
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Parece ter sido intenção do legislador acudir a uma situação de necessidade do menor, necessidade presente, decorrente do incumprimento do obrigado principal. Evitar que se repitam situações, que podem ser irremediáveis, de o menor não ter alimentos. Fazer com que, verificado o incumprimento do principal obrigado, o menor tenha assegurado o seu sustento.
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O momento da verificação da impossibilidade de o progenitor satisfazer a obrigação a que estava vinculado é assim, o da decisão judicial que julgue procedente o incidente de fixação da obrigação do Estado em substituição do devedor originário.
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O legislador não sentiu necessidade de as incluir na garantia prestada. Pelas mesmas razões, que não sentiu necessidade de garantir a totalidade da prestação a que o requerido esta obrigado. A diferença — se houver — entre a prestação a cargo do requerido e o valor da prestação a cargo do FGADM também terá de continuar a ser exigida do primeiro.
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Temos, necessariamente, de concluir que a entidade subrogada, quando procede ao pagamento da prestação de alimentos, o faz no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia, e, assim sendo, o Fundo deve substituir-se ao devedor originário apenas desde a notificação da decisão que determina a sub-rogação.
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Sobre esta mesma matéria decidiu recentemente, e bem, Tribunal da Relação de Coimbra — Proc. 3819/04 — 2ª secção cível acórdão de 19/02/2013; assim corno Tribunal da Relação do Porto Proc. 30/09— 5ª secçâo acórdão de 25/02/2013.
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Com efeito, a intervenção do FGADM reveste natureza subsidiária, visto que é a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada, que a legitima.
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Depois de pagar, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos, sendo-lhe, pois, licito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor), incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas.
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Tal significa que o FGADM é apenas um substituto do devedor dos alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para o mesmo.
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A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.
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Se o terceiro pagou mais do que era devido pelo devedor, no excesso não opera a sub-rogação e portanto o direito ao reembolso.
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Acresce que se a prestação social pudesse ser fixada em valor superior não se justificaria racionalmente que a lei a fizesse depender do incumprimento pelo obrigado, antes deveria depender apenas e tão só as necessidades actuais do menor.
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Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e ainda por cima sem que o credor a tenha de restituir como “indevida” no sentido do art. 10º do Decreto-lei, 164/99 8com a redacção introduzida respectivamente, pela Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro e pela Lei nº 64/2012 de 20 de Dezembro).
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Pelo que não tem, qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada ao progenitor pai ora devedor, logo o FGADM apenas se deverá considerar obrigado a assumir essa mesma prestação em substituição do progenitor em incumprimento.
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Ao que não se entende o decidido pelo Tribunal “a quo”, com o devido respeito que possa merecer.
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É que a não verificação da existência de um dos requisitos (in casu a impossibilidade coerciva) determina o não preenchimento de todos os pressupostos necessários para que o Estado, por intermédio do FGADM assegure e suporte as prestações de alimentos devidas aos...
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