Acórdão nº 238/10.2TBTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução02 de Julho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M… e cônjuge, S…, L… e P… interpuseram recurso ordinário de apelação da sentença da Sra. Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Tondela que, julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, que propuseram contra C… e cônjuge, O…, e a Assembleia de Compartes dos Baldios de P…, condenou os últimos a reconhecerem que o prédio identificado no ponto 1) da factualidade provada é propriedade da herança ilíquida e indivisa de E…, que o prédio identificado no ponto 4) da factualidade provada é propriedade da autora M… e os prédios identificados nos pontos 2) e 3) são propriedade do autor P…, e absolveu-os dos demais pedidos formulados.

Os recorrentes - que pedem no recurso, a revogação desta sentença e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente - remataram a sua alegação com estas conclusões: … Na resposta ao recurso, os apelados – depois de observarem que a maior parte das alegações se resumem à transcrição dos depoimentos das testemunhas e que a discussão é praticamente inexistente – concluíram, naturalmente, pela improcedência dele.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Os autores pediram, contra os réus, a declaração de que da herança indivisa aberta por óbito de E… – de que as autoras … são únicas herdeiras - faz parte um prédio rústico, de que a autora … é proprietária de uma casa de habitação e de que o autor … é proprietário de um prédio rústico e de um prédio urbano, que de todos estes prédios faz parte integrante, como propriedade comum, destinado a acesso a eles, uma faixa de terreno, e a condenação dos demandados a tapar um portal e não mais transitarem por aquela faixa de terreno.

    Os autores alegaram, como causa petendi, destes pedidos, este facto aquisitivo: uma posse e uma posse – ainda que não titulada e de má fé - boa para usucapião. De harmonia com a sua alegação, exercem sobre aqueles prédios e esta faixa de terreno, há mais de 20 anos, uma posse em tudo boa para usucapião.

    Os réus defenderam-se alegando a falsidade dos factos relativos à posse da faixa de terreno, invocados pelos autores, e que tal faixa faz parte do baldio de P...

    A sentença final da causa condenou os demandados no reconhecimento de que herança aberta por óbito de E… e a autora M… e P… são proprietários dos prédios indicados – ponto que os réus não controverteram - mas desamparou as demais pretensões dos recorrentes, maxime, a de reconhecimento de que desses prédios faz parte integrante a aludida faixa de terreno.

    A sentença impugnada adiantou, como fundamento da improcedência deste pedido, esta duas razões: não se ter demonstrado que a posse dos autores sobre a faixa de terreno fosse exclusiva e sem oposição de quem quer que fosse; não ter resultado provado qualquer factualidade que permitisse concluir que os autores ou seus antepossuidores desde à décadas já ali praticassem actos de posse sobre a aludida faixa de terreno que lhes permitisse invocar aquando da entrada em vigor do DL 39/76, a usucapião.

    Os recorrentes alegam, porém, que uma tal decisão de improcedência se deve ao error in iudicando, por erro na apreciação da prova, em que incorreu o decisor de facto da 1ª instância.

    O recurso tem, portanto, por objecto, a decisão da matéria de facto. A este objecto fundamental acresce um outro: a incompreensibilidade, nalgumas passagens, dos depoimentos das testemunhas …, que, segundo os recorrentes, os impede de exercer cabalmente o direito de transcrever as passagens que, no seu entender, infirmam o que nos referidos pontos de facto foi dado como assente.

    Mas este problema deve, desde já, ser afastado do universo das nossas preocupações.

    É verdade – como a reprodução do registo sonoro torna patente - que nalguns passos, os depoimentos daquelas testemunhas são ininteligíveis.

    Todavia - e o contrário do que, a dado momento, os recorrentes pretendem inculcar na sua alegação – não se trata de um defeito ou de um vício da gravação, mas de ininteligibilidade das declarações, elas mesmas, das testemunhas: o que sucede é que não se percebem as palavras ditas pelas testemunhas, não se entende que vocábulos é que as testemunhas pronunciaram, o que é que disseram. Isto é, sobretudo, evidente no tocante ao depoimento da testemunha …, o que levou mesmo o Sr. Advogado a interpelar a Sra. Juíza de Direito para pedir à testemunha para falar como mais calma e a pedir à testemunha para falar um bocadinho mais devagar para a Sra. Dra. Juiz e o meu colega perceberem porque também aquilo que o senhor está a falar está a ser gravado e se fala muito depressa não entendemos nada e mesmo que a testemunha falasse alto como o ministro das finanças, parece que está sempre a dormir.

    O defeito ou vício da ininteligibilidade não é do registo sonoro – que é inteiramente escorreito – mas do depoimento. Não se coloca, portanto, a questão da nulidade por gravação defeituosa – que, de harmonia com a solução que se tem preferível, e que parece ser aquela que tende a prevalecer no Supremo, pode ser invocada na própria alegação do recurso e constituir objecto dele[1]: a gravação é perceptível e fiel, reproduzindo com exactidão os depoimentos e mesmo os passos deles que são ininteligíveis.

    O que estava indicado, em face da ininteligibilidade das declarações das testemunhas, era instá-las a que as repetissem de forma compreensível, de modo a tornar claro que palavras é que as testemunhas disseram, que frases é que os depoente pronunciaram.

    Evidentemente – no rigor dos princípios – pressupondo a lei, pela natureza das coisas, que as testemunhas prestem declarações inteligíveis ou perceptíveis, caso o não façam, omite-se formalidade essencial que a lei prescreve, falta que é manifestamente relevante, visto que pode influir no exame ou na decisão da matéria de facto. Trata-se, porém, de uma simples nulidade inominada ou secundária que, portanto, só pode ser apreciada mediante reclamação da parte e que, caso a parte esteja presente no momento em que foi cometida, deve ser arguida no acto (artºs 202, 2ª parte, 203 e 205 nº 1, 1ª parte, do CPC).

    Ora, no caso a referida nulidade ter-se-ia por cometida na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 15 de Outubro de 2012, na qual foram prestados os depoimentos daquelas testemunhas, em que os recorrentes estiveram presentes. Como só a arguiram na sua alegação de recurso – oferecida por via electrónica no dia 30 de Janeiro de 2013 – é claro que o fizeram depois da extinção, por caducidade, do direito de reclamar contra ela, que, por isso, se considera sanada (artº 145 nºs 1 a 3 do CPC).

    De resto, os apontados depoimentos, na parte em que são inteligíveis, permitem, com suficiência, apreender – para além da razão de ciência – o seu sentido e o seu nítido seu desfavor para o ponto de vista que, acerca da realidade dos factos controvertidos, é sustentado pelos recorrentes.

    Quando o recorrente impugna a decisão da matéria de facto deve especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os pontos concretos que considera incorrectamente julgados e quais os meios de prova, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impõem uma decisão diversa sobre esses pontos (artº 685-B nº 1 a) e b) do CPC).

    Neste último caso, quando os meios de prova invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados, e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ainda ao recorrente, sem prejuízo de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição, proceder, sob pena de rejeição do recurso, à indicação das passagens da gravação em que se fundamenta (artº 685-B nº 2); quando a gravação não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe às partes proceder à respectiva transcrição (artº 685-B nº 4 do CPC).

    Tem-se, por certo, que os recorrentes satisfizeram qualquer destes ónus.

    Constitui uma ocorrência vulgar a impugnação da decisão da matéria de facto através da simples indicação da prova que, no ver do recorrente, conduz a convicção distinta da formada pelo decisor do tribunal a quo.

    Não parece, todavia, que, materialmente, o pontual cumprimento do ónus de impugnação da decisão da questão-de-facto se deva considerar satisfeito com a simples indicação da prova que, no ver do recorrente, justifica decisão diversa da encontrada, pelo tribunal da 1ª instância, para o ponto de facto que o apelante reputa mal julgado.

    O recorrente que impugne a decisão da matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente um tal erro. Na realidade, não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor da 1ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração.

    Este especial encargo de argumentação, a cargo do recorrente deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor; caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo[2].

    Mas não foi esta a atitude dos recorrentes, que se limitaram...

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