Acórdão nº 1630/06.2YRCBR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução19 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível): * Recorrente…….

B (…), Lda., melhor identificada nos autos.

Recorrida………U (…), S. A., melhor identificada nos autos.

* I. Relatório.

  1. O presente recurso insere-se num processo cujo objecto consiste na revisão de duas sentenças arbitrais proferidas por um tribunal arbitral inglês (Tribunal Arbitral da GAFTA –The Grain and Feed Trade Association).

    A questão fundamental colocada pelos recorrentes à apreciação do tribunal de 1.ª instância, perante o qual foi solicitada a revisão das duas sentenças arbitrais, consistiu em verificar a validade das cláusulas contratuais que previram o recurso à arbitragem e ao abrigo das quais o tribunal arbitral inglês se julgou competente para proferir decisão sobre os casos que lhe foram postos pela recorrida U (…) S. A. (de seguida designada apenas por U(…)).

    Com efeito, a recorrente B (…), Lda., (doravante designada apenas por B (…)) sustenta que tal cláusula é uma cláusula contratual geral e, como tal, sujeita ao regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

    Como cláusula contratual geral é inválida porque a recorrente B (…)limitou-se a subscrever tal cláusula, sem que tivesse tido efectivo conhecimento do seu teor e alcance, pois não teve qualquer conhecimento acerca da realidade designada por «FOSFA 22» e por «GAFTA 125» mencionadas nessa cláusula, informações só acessíveis através de contacto com as respectivas associações e mediante pagamento.

    No final foi proferida decisão com este teor: «Pelo exposto, mostrando-se verificados os requisitos legais para o efeito, nomeadamente os previstos na aludida Convenção de Nova Iorque de 1958, julgo procedente a pretensão formulada pela requerente, pelo que revejo e confirmo as decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral da GAFTA-The Grain and Feed Trade Association, respectivamente em 14 de Janeiro de 2005 e 22 de Abril de 2005, melhor descritas nos factos provados 1 e 4 e juntas aos presentes autos a fls. 7 a 68, passando as mesmas a ser plenamente eficazes e exequíveis em Portugal».

    Esta decisão baseou-se, no essencial, no entendimento de que a cláusula contratual relativa à resolução do conflito através da arbitragem, no âmbito da GAFTA-The Grain and Feed Trade Association, não era uma cláusula contratual geral, mas sim uma cláusula que resultou da negociação entre ambas as empresas e daí não poder ser afastada do contrato, por aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

  2. A recorrente B (…) recorre, em síntese, porque pretende a alteração da matéria de facto declarada provada, justamente na parte em que o tribunal a quo considerou provado que tal cláusula tinha resultado de negociação entre ambas as empresas, devendo-se concluir, segundo ela, em sentido oposto e, sendo assim, tratando-se de uma cláusula contratual geral da autoria da requerente Unifac e cujo conteúdo não foi explicitado à Requerida, tal cláusula tem de ser afastada do contrato, o que implica a queda do fundamento no qual a Requerente se baseou para recorreu à arbitragem, o que implica, consequentemente, a negação pelo tribunal do reconhecimento pedido.

    Concluiu assim: (…) c) A recorrida U (…) contra-alegou sustentando a manutenção da sentença com fundamento no facto das cláusulas que previram o recurso à arbitragem terem sido negociadas entre as partes, como foi decidido em 1.ª instância.

    E, quanto ao desconhecimento do «Regulamento de Arbitragem», sustentou que a recorrente não tem razão porque a própria Barod, em contrato que celebrou com Hana World Waterbank Corp (doc. 3 junto com a oposição), propôs a utilização de tal regulamento.

    Concluiu pela improcedência do recurso.

    1. Objecto do recurso.

    O reconhecimento de sentenças arbitrais em Portugal encontra-se submetido à disciplina da Convenção sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque, em 10 de Junho de 1958, ratificada pelo Decreto do presidente da República n.º 52/94, de 8 de Maio, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 37/94, publicada no Diário da República, I-Série-A, n.º 156, de 8 de Julho de 1994.

    Tendo em consideração a problemática suscitada nestes autos, releva para os mesmos o disposto na al. a), do n.º 1, do artigo V da Convenção, onde se dispõe «1- Que o reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte contra a qual for invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos a prova:

  3. Da incapacidade das Partes outorgantes da convenção referida no artigo II, nos termos da lei que lhes é aplicável, ou da invalidade da referida convenção ao abrigo da lei a que as Partes a sujeitaram ou, no caso de omissão quanto à lei aplicável, ao abrigo da lei do país em que for proferida a sentença; …».

    As restantes hipóteses de recusa de reconhecimento mencionadas nas alíneas b) a e), do n.º 1 e no n.º 2, do artigo V, da Convenção, não foram invocadas pela requerida B (…).

    Sendo assim, as questões de facto e de direito a resolver no presente recurso são apenas as que se prendem com as hipóteses de recusa do reconhecimento e execução da sentença arbitral previstas na Convenção e, de entre estas, as invocadas pela parte interessada, que, como se disse, respeitam apenas à mencionada alínea a), concretamente à invalidade da cláusula contratual onde se previu o recurso à arbitragem, por ofensa, segundo ela, das disposições legais da lei portuguesa sobre cláusulas contratuais gerais.

    É sob este pano de fundo que as questões colocadas nas 74 conclusões do recurso têm de ser unificadas, isto é, repete-se, apenas está em causa a apreciação da matéria relativa à recusa de reconhecimento das duas sentenças, por se verificar uma situação de «…invalidade da referida convenção ao abrigo da lei a que as Partes a sujeitaram…», extravasando do âmbito do reconhecimento questões que não digam respeito à cláusula de arbitragem, como é o caso do alegado comportamento doloso da Requerente, no sentido de fazer crer à recorrente que emitiria uma garantia bancária que assegurasse os fornecimentos da mercadoria, o que não fez, tendo em vista provocar um incumprimento da recorrente.

    Estas questões nada têm a ver com a validade ou invalidade da cláusula arbitral, sendo, alias, cronologicamente posteriores ao primeiro contrato celebrado.

    Vejamos então.

  4. A primeira questão é de incidência processual e respeita à produção da prova.

    A recorrente alega que requereu a inquirição das testemunhas (…) diligência que não foi admitida, por se ter considerado, em 1.ª instância, que a audição das mesmas não era necessária ao apuramento da materialidade necessária ao julgamento da causa.

    A recorrente sustenta que o direito à prova se encontra consagrado constitucionalmente no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, como componente do princípio geral do acesso ao direito e aos tribunais, que a todos é assegurado, para defesa dos seus direitos e interesses, legalmente protegidos.

    Por conseguinte, ao não admitir o depoimento das referidas testemunhas, no apontado contexto, a sentença recorrida incorporou o vício de inconstitucionalidade evidenciado com a recusa da produção da sobredita prova, tendo assim violado o preceituado no referido artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

  5. Em segundo lugar, colocam-se as questões relativas à impugnação da matéria de facto.

    São as seguintes: I - A recorrente pretende a alteração dos factos considerados «provados» sob o n.º 13, para a resposta «não provados».

    Sustenta ainda que a resposta à matéria do facto declarado «provado», sob o n.º 15, não deve ser restritiva.

    E, por fim, pretende que os factos declarados «não provados» na sentença, sob os números 1, 2, 3 e 4, sejam declarados «provados».

    Quanto aos factos do n.º 13 da matéria provada e 1 a 4 da matéria não provada, sustenta que devem ser considerados provados estes factos:

  6. O texto dos contratos referidos em 7. e 10. …[textos datados de 01.09.2003 e de 02.01.2004 redigidos em língua inglesa, nos termos dos quais a B (…) vendia à U (…), respetivamente 100.000 e 25.000 toneladas métricas de grão de soja amarelo brasileiro, ao preço de USD 240,00 por tonelada métrica] … foi proposto pela requerente à requerida.

  7. Dos referidos textos contratuais consta uma última cláusula, nos seguintes termos: CONTRACT All other terms and conditions, not in contradiction with the above, as per FOSFA 22, with arbitration in London as per GAFTA 125 rules.

    Ou, nos termos da tradução certificada, junta à douta petição: CONTRATO Todos os outros termos e condições que não estejam contraditórios ao acima estipulado, serão de acordo com FOSFA 22, com arbitragem em Londres, nos termos do Regulamento 125 da GAFTA.

  8. Estas cláusulas, que remetem para a FOSFA 22 e para a GAFTA 125, não foram objecto de qualquer negociação entre as partes, tendo a requerida se limitado a subscrevê-las.

  9. A U (…) não comunicou à B (…) o teor dos formulários ou dos textos para os quais as referidas cláusulas remetiam, ou sequer lhes deu qualquer explicação sobre os mesmos.

  10. Aquando da celebração dos acordos, a B (…) desconhecia o teor quer da GAFTA 125, quer da FOSFA 22.

  11. Quer a FOSFA 22, quer a GAFTA 125 são instrumentos privados de difícil acesso, sendo necessário para o efeito, contactar as respectivas associações e adquirir, precedendo factura pro forma, os textos respectivos.

    II - Quanto aos factos considerados provados sob o n.º 15, entende que deve alterar-se a circunstância de tempo «Nas datas em que foram proferidas as referidas sentenças arbitrais…» para …. «Ao tempo da celebração dos acordos e nas datas em que foram proferidas as sentenças arbitrais referidas, a U (…)c era membro da GAFTA, sendo que a B (…) não o era, nem nunca o foi».

    III – A recorrente pretende ainda que os factos a seguir referidos, que diz ter alegado...

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