Acórdão nº 1557/10.3TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...
, viúva, residente na Rua (...), Coimbra, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra B... , divorciado, gerente comercial, residente em (...), Coimbra, pedindo: “ que seja declarado nulo o contrato de mútuo supra identificado; que o R. seja condenado a restituir-lhe a quantia de € 58.239,04 acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa de 4% ao ano até efectivo e integral pagamento, juros que até esta data se computam em € 14.900,63”.
Alegou para tal, em síntese, que, a pedido do R., à época seu genro, lhe emprestou (mediante depósitos em contas bancárias), em Janeiro de 2006, a quantia de € 60.739,04, para o R. fazer face a dívidas contraídas com o giro comercial dos estabelecimentos que à data explorava, comprometendo-se o mesmo a restituir tal quantia até ao final do ano de 2006; o que – restituição – aconteceu apenas e só no montante de € 2.500,00.
O R. contestou, sustentando, em resumo, que o que existiu foi uma doação da A. ao R. e à sua (da A.) própria filha, no período em que ambos foram casados; não tendo sido combinada qualquer restituição, não sendo, por isso, verdadeira a entrega de € 2.500,00 referida na PI.
Concluiu pois pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Replicou a A., mantendo o essencial do alegado na PI.
Foi proferido despacho saneador – que julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa.
Instruído o processo e realizada a audiência, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que julgou a acção totalmente improcedente e em que absolveu o R. do pedido.
Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, de facto e de direito, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente.
Terminou a sua alegação com uma segunda e idêntica alegação a que chamou “conclusões”[1]; que aqui transcrevemos – pese embora a sua redundância e extensão – tendo em vista facilitar e tornar perceptíveis as respostas que, em sede de apreciação, lhe daremos.
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Face à prova produzida, designadamente, no que concerne à entrega, a pedido do Réu, ora Recorrido, por parte da Autora, aqui Recorrente, da quantia de € 60.739,04, a título de empréstimo, nos moldes melhor discriminada em i. a v. do ponto 1 da matéria assente, deveriam ter sido dados como provados os factos constantes dos -‘ quesitos 1, 3 e 5 a 10 da base instrutória e, em conformidade com estes, como não provado o facto 11 da mesma Base.
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Na verdade, do depoimento das testemunhas, indicadas pela Recorrente, C...e D..., resulta bem patente que os factos dados como não provados, todos correlacionados entre si, deveriam, ao invés, ter sido considerados provados.
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Sendo igualmente que resulta inequívoco da conjugação de toda a prova documental e testemunhal produzida, na qual se incluirá igualmente o depoimento da testemunha indicada pelo próprio Réu, E... – única pessoa, aliás, que se dignou a comparecer em Tribunal, por banda deste.
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Não tendo o Réu constituído mandatário, depois de notificado da renúncia ao mandato anterior, não ter comparecido na Audiência de Discussão e Julgamento, nem tão-pouco se ter feito representar, “mandou”, contudo, testemunha única, seu genro, devidamente documentado e preparado para o depoimento em causa, que, inexplicavelmente, face às regras do processo civil, foi instado pelo próprio Juiz a quo, arvorado em Advogado do Réu, e contra instado pela Mandatária da Autora, como se alcança da transcrição dos depoimentos prestados em Audiência de Discussão e Julgamento.
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O Mmo. Juiz a quo não deu o menor acolhimento aos depoimentos prestados pelas testemunhas que, no seu conjunto – inclusive a testemunha do próprio Réu – fizeram menção, sem margem para dúvidas, à entrega pela Autora, de quantias avultadas ao Réu a pedido deste.
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Na verdade, a própria testemunha E...
, a instâncias do, próprio juiz, e liminarmente, reportou temporalmente a entrega, não ao pagamento dos trespasses (aquisição dos estabelecimentos do Réu, que rondaram os € 80.000,O0) mas sim à formalização de um contrato de franchising com uma sociedade, exclusivamente pertencente ao Réu, alegadamente celebrado em inícios de 2OO6.., 7. Portanto, a própria testemunha do Réu relaciona tais entregas, que não qualifica, como entregas feitas ao seu sogro – aqui Réu – por causa de um contrato que exclusivamente lhe pertencia!!! 8. Conhecendo todos? existência de tal empréstimo, foi bem esclarecedor o depoimento das testemunhas da Autora a instâncias do próprio Mmo. Juiz a quo, no sentido e que a relacão de bens do casal — integralmente espelhada no Acordo de Partilha (junto aos autos como Doc. n.2 9 9 do R.l. do Arresto) —-feita por acordo na altura da formalização do divórcio, que excluía inequivocamente tal passivo como passivo comum do casal, por ser próprio do Réu.
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Ora, numa Relação de Bens em que o passivo do casal é imenso, e que o Réu quase integralmente assumiu, se fosse igualmente comum a dívida em causa, certamente não teria deixado de constar da mencionada Relação de Bens plasmada no dito Acordo de Partilha.
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Ou seja, o Réu assumiu exclusivamente a responsabilidade da quase totalidade do passivo, justamente porque tal passivo era exclusivamente seu, apesar de formalmente constar do mesmo a sua mulher C...
, por ser à data consigo casada (veja-se o artigo 302 da contestação do Réu).
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E tudo isto porque, salvo o devido respeito, logo no início do julgamento e durante a audição da primeira testemunha, o Mmo. Juiz a quo teceu e expôs as suas próprias conjecturas sobre o caso dos autos, sem qualquer suporte testemunhal ou documental, fez a instância, substituiu-se (mal) ao putativo mandatário que o Réu nem se dignou constituir, criou um cenário e decidiu à luz da conjectura que o próprio ideou, ao arrepio de tudo quanto foi dito pelas testemunhas ouvidas nos autos e da conjugação dos respetivos depoimentos com a demais prova documental constante dos mesmos.
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Por fim, concluiu – de um cheque que não viu e que não consta do processo – e ao invés do que foi mencionado pela testemunha arrolada pelo Réu, E..., cujo depoimento não foi desvalorizado, mas, que foi tido em conta numa percepção totalmente enviesada — porque contrária à que se pode extrair do foi, efectivamente, dito — que tal cheque não tinha a ver com o Réu mas sim com o seu sócio, tendo sido por ele emitido, «caindo assim por terra a tese da Autora», conforme se lê na sentença recorrida.
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Olvidando que a mesma testemunha, corroborando o depoimento das restantes, falou de dois negócios, num total de € 80.000,00, na aquisição dos estabelecimentos, feita em 2004 e cujo pagamento foi convencionado ao longo do tempo entre o Réu/Adquirente e o anterior proprietário.
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E que em Outubro de 2005, porque os anteriores tinham sido devolvidos, houve substituição de cheques destinados ao seu pagamento, onde figurava também a assinatura do aqui Réu, sogro da testemunha.
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Não pode o Mm. Juiz a quo fundar a sua convicção num documento que não consta dos autos e que ninguém viu, assente apenas num depoimento extenso, com manifesta dificuldade em situar temporalmente alguns factos, como foi o produzido pela testemunha indicada pelo Réu.
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E, pelo contrário, não ter em menor conta tudo quanto de tal depoimento coincidia com os depoimentos das testemunhas da Autora.
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Erradamente, o Mmo Juiz a quo criou todo um enquadramento, alegadamente baseado nas “regras da experiência comum”, exclusivamente segundo a visão do próprio, à luz do qual decidiu, e onde infundadamente imputa às filhas da Auora “desvio de fundos” para o Réu. Com base em quê?. E qual seria o interesse da D..., outra filha da Autora, neste propósito? Que benefício colheria? Só se vislumbra prejuízo.
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Esquecendo que as mesmas regras da experiência comum e do normal acontecer também explicam que no seio familiar não se formalizem contratos, ainda que de valores consideráveis; 19. que uma pessoa de posses – como é o caso da Autora, com diversas aplicações, em diversos produtos – tivesse de ir disponibilizando rapidamente a quantia integal, em dias sucessivos; 20. que a Autora era, e é, a avó dos filhos do Réu e que isso justificava a simplificação do processo; 21. que a sua filha Teresa, como bancária que é, por sua banda, simplificasse também as operações; 22. que o facto de se dedicar à exploração de estabelecimentos nocturnos não é pecado, nem catastrófico; 23. e que nem sempre um genro é encarado como um mal necessário numa família!!! 24. As imprecisões constantes da matéria de facto são mais que muitas.
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Por outro lado, afirma erradamente que o casal vivia em casa da ora Autora: A testemunha C...era o próprio elemento do casal e foi bem explícita quando disse que o casal vivia em sua casa, cuja morada consta dos autos (Rua (...), Coimbra). Quem disse viver com a Autora foi a testemunha D..., cunhada do Réu; 26. Não valorou devidamente o depoimento da...
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