Acórdão nº 793/07.4TBAND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução21 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A… e cônjuge, N…, apelaram da sentença da sentença da Sra. Juíza de Direito do Juízo de Grande Instância Cível da Anadia, Comarca do Baixo Vouga, que julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário pelo valor, que intentaram contra L…, SA, condenou esta: - a pagar ao Autor N… a quantia de € 8.000,00, a título de danos não patrimoniais, deduzida das quantias já recebidas da Ré, acrescida de juros à taxa legal anual de 4% (ou da que sucessivamente se encontrar em vigor) contados desde a presente data até integral pagamento.

- a pagar à Autora A… a quantia de € 17.040,00, a título de danos patrimoniais e a quantia de € 21.000,00 a título de danos não patrimoniais, deduzida das quantias já recebidas da Ré, acrescidas de juros à taxa legal anual de 4% (ou da que sucessivamente se encontrar em vigor) contados desde a citação sobre a quantia de € 17.040,00, e contados desde a presente data sobre a quantia de € 21.000,00, até integral pagamento.

- a pagar as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, referentes a danos futuros sofridos pela Autora A… decorrentes do acidente em causa nestes autos.

Os recorrentes pedem, no recurso, a revogação desta sentença e a sua substituição por outra que julgue totalmente procedente, por integralmente provado, o pedido dos Autores aqui Apelantes, Para inculcar o mal fundado da decisão impugnada, os apelantes condensarem a sua alegação nestas conclusões: … A recorrida concluiu, na resposta, pela improcedência do recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    2.1. Foram insertos na base instrutória, entre outros, os enunciados de facto seguintes: 41º A Autora também deixou de poder fazer panos de renda para fora, como fazia antes do acidente, actividade de onde obtinha um rendimento médio mensal de cerca de € 150,00? 42º A Autora dantes tomava conta de crianças, agora já não o pode fazer, pois cansa-se muito rapidamente – actividade que lhe rendia, em jeito de gratificação ou compensação a quantia média de cerca de € 100, pelo período de 11 meses por ano? 2.2. Os enunciados de facto referidos em 2.1. obtiveram, do decisor de facto da 1ª instância, as respostas seguintes.

    41º: Provado que a A. deixou de poder fazer panos de renda “para fora” como fazia antes do acidente; 42º: Provado que a A. dantes tomava conta de crianças e agora já não o pode fazer pois cansa-se muito rapidamente.

    2.3. O Tribunal da audiência, adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.2., esta motivação: Os factos referidos em 41.º e 42.º resultam do depoimento da testemunha …, filho da Autora, que confirmou que a mãe desenvolvia aquelas actividades, sendo a incapacidade de as manter coerentes com as sequelas descritas no relatório médico-legal junto aos autos, não se tendo apurado qual o rendimento que a Autora auferia com essas actividades, desconhecendo-se a regularidade e produtividade resultante das mesmas.

    2.4. O Tribunal de que provém o recurso julgou provada, no seu conjunto, a factualidade seguinte: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O âmbito objectivo do recurso é delimitado, desde logo, pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao recorrente (artº 684 nº 2, 2ª parte do CPC). A restrição objectiva do âmbito do recurso pode, no entanto, ainda ser feita pelo próprio recorrente, tanto no requerimento de interposição do recurso, como nas conclusões da alegação (artº 684 nº 2, 1ª parte, e 684 nº 3 do CPC).

    Os recorrentes pediram, na instância recorrida, com fundamento numa responsabilidade delitual, a condenação da apelada no dever de os indemnizar do dano patrimonial e não patrimonial que suportaram em consequência de facto civilmente ilícito e culposo, inteiramente imputável ao condutor do veículo automóvel …LZ, cujo risco decorrente, da sua circulação, foi contratualmente transferido para a apelada.

    Os recorrentes desdobraram o quantum da obrigação de indemnização que julgam ser devida a cada um deles, nas parcelas seguintes: - Relativamente ao recorrente, N… - € 18.270,00, por perda da capacidade de ganho, resultante da incapacidade permanente de 5% de que ficou afectado; € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais; - No tocante à recorrente, A…, 27.959,00, por perda da capacidade de ganho, até à proposição da acção; € 8.250,00 por perda da capacidade de ganho com a actividade de confecção e venda de panos de renda; € 5.500,00, a título da perda da capacidade de ganho com a actividade de guarda de crianças; € 52.277,03, a título de perda de capacidade de ganho futura, consequente à incapacidade permanente de 5% de que ficou afectada; € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais; € 6.000,00, a título de dano estético.

    A sentença impugnada desamparou largamente a pretensão indemnizatória de cada um dos recorrentes, tendo-se limitado a condenar a apelada a pagar: - Ao recorrente, N… a quantia de € 8.000,00, a título de danos não patrimoniais, deduzida da quantias já recebidas da apelada; - À recorrente, A…, as quantias de € 17.040,00, a título de danos patrimoniais, e de € 21.000,00, a título de danos não patrimoniais – no qual se compreende a de € 6.000,00 pelo dano estético - deduzida das quantias já recebidas da apelada, e as que se vierem a liquidar em execução de sentença referente a danos futuros.

    Os recorrentes concordam com a sentença impugnada no tocante à indemnização arbitrada à recorrente pelo dano estético e à condenação genérica da apelada relativamente ao dano patrimonial futuro que aquela suportará, cuja liquidação se relegou para momento ulterior. Mas já se mostram hostis quanto a tudo o mais que nela se decidiu: a recusa da reparação do dano patrimonial alegado pelo recorrente, N…, o quantum da compensação arbitrada pelo dano não patrimonial suportado por ambos os recorrentes, a rejeição da reparação do dano não patrimonial sofrido pela recorrente com a perda de rendimento com as actividades de confecção de panos de renda e de guarda de crianças e o desconto, na compensação fixada por danos não patrimoniais, das quantias que a recorrida lhes adiantou.

    Quanto a este último ponto, o primeiro aspecto que fere a atenção é a contradição intrínseca da decisão da matéria de facto do tribunal da 1ª instância, dado que julgou provado, do mesmo passo, que por causa do acidente a recorrente não recebeu quaisquer prestações sociais compensatórias ou substitutivas, da parte do Estado, ou provisória que fosse, da parte da Seguradora aqui Ré (ponto 51 dos fundamentos de facto da sentença impugnada) e que em virtude do acidente dos autos, a Ré já liquidou à Autora mulher a quantia global de € 2.135,61 (ponto 96 daqueles fundamentos).

    A contradição deve ser removida, através da prevalência deste último facto - cuja veracidade foi estabelecida por acordo das partes no início da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 23 de Maio de 2012 - declarando-se não provado, na parte correspondente, o ponto de facto inserto na base instrutória sob o nº 37 e a que corresponde, nos fundamentos de facto da sentença impugnada, o nº 51.

    De resto, os recorrentes na sua alegação limitam a sua discordância ao dano em que foi feita a imputação das quantias já recebidas da recorrida: no seu ver, tais quantias não devem ser descontadas na compensação fixada pelo dano não patrimonial. Razão: as quantias já recebidas respeitam a danos meramente patrimoniais, e a sua imputação na indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais, confunde as duas esferas do dano.

    Seja qual for a bondade da impugnação no tocante aos demais pontos, quanto a este não é preciso gastar muitas palavras para mostrar que é inteiramente improcedente.

    Em primeiro lugar, ao contrário do que a alegação dos recorrentes claramente pressupõe, não decorre da decisão matéria de facto apurada que as quantias adiantadas pela recorrida tenham sido consignadas a um dano patrimonial reparável.

    Depois, a obrigação de indemnização a que a recorrida se encontra vinculada, ainda que os danos sejam distintos, por ser diversa a sua natureza, é una.

    Assim, ainda que os danos revistam uma natureza diferenciada – como por exemplo, a decorrente da fundamental dicotomia entre dano patrimonial e não patrimonial – e, por isso, o cálculo da respectiva indemnização obedeça a parâmetros distintos, os recorrentes não ficam investidos em vários direitos de crédito – tantos quantas as parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano – mas num único direito de crédito. É justamente isto que explica, v.g., que os limites da condenação, ditados pelo princípio da disponibilidade objectiva, se entendem referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano (artº 661 nº 1 do CPC)[1], e que a proibição da reformatio in mellius – que é um simples consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, que vincula a que esse tribunal não pode conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto – não seja violada pela circunstância de o tribunal de recurso confirmar a procedência do quantitativo total do pedido do autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas. Se, por exemplo, o autor pede uma determinada indemnização para pagamento dos vários prejuízos decorrentes de um acidente de viação, o tribunal de recurso pode considerar a acção totalmente procedente, ainda que faça uma diferente avaliação de cada um desses prejuízos. Identicamente, o tribunal ad quem pode julgar o recurso procedente, quantificando diferentemente os diversos danos que devem ser reparados ou compensados.

    Os recorrentes são titulares – cada um deles – de um direito de crédito, a que corresponde, do lado...

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