Acórdão nº 431/09.0TBSRE-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução21 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

F… deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que, no Tribunal Judicial da Comarca de Soure, contra ele e J…, foi promovida por A…, Lda., pedindo a sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, a sua absolvição do pedido.

Alegou, como fundamento da oposição, que interveio, com J…, no contrato de trespasse dado à execução, celebrado com a exequente, na qualidade de legal representante da sociedade comercial a constituir, como meros garantes da obrigação desta de pagamento do preço, sociedade que, sob a firma P…, Lda., veio a ser constituída e registada, e de que são sócios e gerentes, de esta sociedade não ter sido citada como executada, pelo são partes ilegítimas, dado que são meros fiadores não tendo renunciado ao benefício da excussão prévia, que não existe título executivo por terem, em nome daquela sociedade, resolvido o contrato de trespasse, que o alvará do estabelecimento trespassado, emitido pela Câmara Municipal de … não contempla nem permite o exercício das actividades de comércio de pneus e óleos e sua substituição, calibragem, alinhamento de direcções e lavagem de viaturas, não pretendendo aquela Câmara viabilizar a utilização do estabelecimento para tais finalidades, e que se soubessem que o estabelecimento não tinha licença nem era licenciável, para comércio de pneus e oficina de automóveis, nunca tinham celebrado o contrato, o que exequente bem sabia por lhe ter sido transmitido durante as negociações.

A excepção dilatória da ilegitimidade do executado foi julgada improcedente no despacho saneador e esta Relação, em recurso que foi dele interposto, julgou improcedente o fundamento da oposição representado pela inexistência de título executivo.

A sentença final da oposição julgou-a improcedente.

É esta sentença e a decisão contida no despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade ad causam dos executados, que o opoente F… impugna no recurso, no qual pede a sua revogação e a sua substituição acórdão que julgue a oposição procedente.

O recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões: ...

Não foi oferecida resposta.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    2.1. Foram insertos na base instrutória, entre outros, os enunciados de facto seguintes: 3.º) De acordo com a Câmara Municipal de …, o estabelecimento mencionado em A) só pode ser utilizado para garagem, isto é, aparcamento de automóveis? 4.º) Devido ao pé direito ser inferior a 3 metros, as casas de banho não terem condições de salubridade e não constituir um prédio autónomo das demais utilizações, designadamente para stand de automóveis? 5.º) Se soubessem dos factos mencionados em 3.º e 4.º, os executados não teriam celebrado o negócio mencionado em A)? 11.º) Os executados quiseram alargar o âmbito da sua actividade para “oficina de automóveis”, o que tem exigências acrescidas à actividade mencionada em C)? 12.º) E outorgaram novo contrato de arrendamento com o senhorio? 2.2. O Tribunal da audiência decidiu os pontos de facto referidos em 2.1. nestes termos: Artigo 3.º - Provado. Artigo 4.º - Provado. Artigo 5.º - Não provado. Artigo 10.º - Provado. Artigo 11.º - Provado. Artigo 12.º - Provado.

    2.3. A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.2., esta motivação: ...

    2.4. O Tribunal de que provém o recurso julgou provada, no seu conjunto, a factualidade seguinte: ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O âmbito objectivo do recurso é delimitado, desde logo, pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão ou decisões impugnadas, que for desfavorável ao recorrente (artº 684 nº 2, 2ª parte do CPC). A restrição objectiva do âmbito do recurso pode, no entanto, ainda ser feita pelo proprio recorrente, tanto no requerimento de interposição do recurso, como nas conclusões da alegação (artº 684 nº 2, 1ª parte, e 684 nº 3 do CPC).

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo das decisões impugnadas e das alegações do recorrente, as questões concretas controversas que esta Relação é chamada a resolver são as de saber se: a) A sentença final da oposição impugnada se encontra ferida com o valor negativo da nulidade; b) O recorrente é ou não dotado de legitimidade ad causam para a execução; c) O título que serve de fundamento à execução é ou não extrinsecamente exequível.

    Diversamente das duas primeiras questões, a última traz implicada ou tem subjacente um problema de facto.

    O executado alegou, na oposição, que resolveram o contrato de trespasse dado à execução – dado que foi celebrado no pressuposto de que o estabelecimento podia ser utilizado para oficina de automóveis e comércio de automóveis e que caso soubessem que não tinha licença para essa finalidade não o teriam celebrado – com fundamento no seu incumprimento pela exequente. Todavia, a sentença final da oposição, com fundamento em que os executados souberam que o estabelecimento apenas podia ser utilizado para garagem e stand, antes da assinatura o escrito que documenta aquele contrato, teve por ineficaz, por falta de fundamento legal, a declaração de resolução dos executados, mantendo-se intacto o contrato de trespasse firmado entre as partes.

    Mas esta conclusão – diz o apelante – apenas se explica pelo error in iudicando, por erro na valoração da prova, em que incorreu o decisor de facto da 1ª instância.

    Maneira que a resolução dos problemas apontados exige a ponderação, ainda que leve, da causa de nulidade da sentença representada pela contradição intrínseca, dos critérios de aferição da legitimidade plural na acção executiva, da condição desta acção em que resolve a exequibilidade extrínseca do título executivo e dos parâmetros de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

    3.2.

    Nulidade substancial da sentença (final) impugnada.

    Como é comum, o recorrente imputa à sentença o vício grave da nulidade substancial.

    De todas as causas possíveis de nulidade, assaca-lhe esta: a contradição intrínseca (artº 668 nº 1 c) do CPC).

    A decisão é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão (artº 669 nº 1 c) do CPC)[1]. Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial.

    A coerência ou justificação interna da decisão reporta-se à sua coerência com as respectivas premissas de facto e de direito, dado que a decisão não pode ser logicamente válida se não for coerente com aquelas premissas.

    De harmonia com a alegação do recorrente o valor negativo apontado, decorreria da contradição entre os fundamentos de facto expostos na sentença impugnada com os nºs 3, 4 e 5: no seu ver, é contraditório dar-se como provado, por um lado, que o estabelecimento se destinava ao comércio de pneus e de óleos e à sua substituição, e que a exequente comunicou aos executados que o estabelecimento dispunha de alvará para o exercício dessas actividades, e, por outro, que aqueles sabiam que o estabelecimento dispunha de alvará apenas para garagem e aparcamento de automóveis.

    Portanto, a colisão acusada verifica-se, não entre os fundamentos e a decisão – mas entre os fundamentos com que a decisão impugnada se mostra motivada e entre uma mesma espécie de fundamentos: os fundamentos de facto. Realmente, a contradição de que o recorrente extrai a conclusão da nulidade substancial da sentença recorrida, respeita unicamente os factos relevantes para a decisão julgados provados pelo tribunal na fase da audiência (artº 653 nº 2 do CPC).

    Todavia, a colisão entre os motivos da decisão, sejam eles de direito ou de facto, não constitui causa de nulidade substancial da sentença: a nulidade por contradição intrínseca só ocorre quando a colisão se verificar entre os fundamentos e à parte decisória ou dispositiva (artº 668 nº 1 d) do CPC).

    O quadro dos valores negativos da sentença está nitidamente pensado para um sistema de cisão entre a decisão da matéria e aquela sentença (artºs 653 nº 2, 658 e 659 nºs 1 a 3 do CPC).

    Num contexto de um sistema de césure entre o julgamento da matéria de facto e a sentença, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório[2].

    Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: aquela decisão é impugnável por meio de reclamação, acto contínuo à sua publicação, e não é autonomamente recorrível, i.e., apenas pode ser impugnada no recurso que for interposto da sentença final, podendo, neste caso o controlo sobre o julgamento da matéria de facto ser feito pela Relação, nos termos gerais (artºs 653 nº 4, 2ª parte, e 712 do CPC).

    Portanto, qualquer vício – v.g. a contradição - que afecte a decisão da matéria de facto não constitui realmente causa de nulidade da sentença.

    Assim, embora este poder cassatório seja puramente subsidiário, a Relação pode anular e mandar repetir, mesmo oficiosamente, o julgamento da matéria de facto, quando repute contraditória a decisão sobre determinados pontos de facto (artº 712 nº 4 do CPC).

    Portanto, a contradição entre os fundamentos de facto não constitui causa de nulidade da sentença – dando apenas lugar à actuação pela Relação dos seus poderes – de resto, subsidiários – de...

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