Acórdão nº 930/11.4T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelVIRGÍLIO MATEUS
Data da Resolução05 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NESTA RELAÇÃO O SEGUINTE: I – Relatório: M (…) e J (…), ambos residentes em Válega, instauraram a presente acção ordinária contra CENTRO (…), registado como pessoa colectiva de utilidade pública, com sede (...) Avanca, pedindo: -- Que sejam declarados anulados os actos notariais consubstanciados no testamento e na procuração referidos na petição inicial; -- Que sejam declarados pertencentes à herança deixada por A (…) todos os bens, incluindo os valores depositados no Banco Comercial Português, na Caixa Geral de Depósitos e na Companhia de Seguros Ocidental; -- Que o Réu seja condenado a restituir à mesma herança de que os Autores são os únicos titulares todos os valores de que se tenha apropriado, por meio dos referidos instrumentos notariais; -- Quando assim não for decidido, deve o legado feito ao Réu ser reduzido para a quantia de 31.333,33 € e o Réu condenado a restituir o que, além da quota disponível do testador, se tenha apropriado também por meio dos citados instrumentos notariais.

Para tais efeitos alegam os autores, em síntese, que são os únicos herdeiros de (…), falecido em 17.05.2009, o qual poucos dias antes de falecer outorgou testamento, mediante o qual declarou que deixava ao réu os valores que se encontrassem em seu nome em qualquer conta aberta no Banco Comercial Português, S. A., e bem assim os valores referentes à apólice n.º (...) da Companhia de Seguros Ocidental, e outorgou procuração ao Padre (…), enquanto Presidente da Direcção do Centro réu, em que deu poderes para movimentar qualquer conta bancária dele mandante, a débito ou a crédito, aberta no Banco Comercial Português, S. A., ou na Caixa Geral de Depósitos, S. A., podendo, além dos mais, ordenar a transferência total ou parcial dos respectivos saldos, sendo que, no momento da outorga dos referidos actos notariais, o seu pai se encontrava incapacitado para entender o que lhe era dito e para manifestar a sua vontade, do que os legais representantes do Centro Réu sabiam, pelo que tais actos notariais são inválidos; à data da morte, o pai dos Autores tinha no Banco Comercial Português depositada quantia que excedia 95.000,00€, ignorando-se quanto existiria na referida apólice da Companhia de Seguros Ocidental e na Caixa Geral de Depósitos; o Réu fez suas todas essas quantias depositadas; além dos valores depositados, o testador e pai dos Autores deixou um pequeno prédio rústico, na freguesia de Válega, cujo valor venal não excede 500,00 €, pelo que sempre o legado seria inoficioso.

* Citada, a ré apresentou contestação na qual, em resumo, começou por excepcionar a caducidade do direito de redução das alegadas liberalidades inoficiosas, impugnando, de seguida, a essencialidade dos factos em que os autores fundamentam os seus pedidos, concluindo que deve a acção ser julgada improcedente.

* Replicaram os autores, pugnando pela improcedência da excepção.

* O despacho saneador relegou para a sentença final a apreciação da excepção da caducidade e condensou a matéria de facto, assente e controvertida, tendo havido reclamação que improcedeu.

Realizou-se a audiência de julgamento, que culminou nas respostas à base instrutória, sem reclamação.

A 1ª instância, além de na fundamentação ter julgado improcedente a excepção de caducidade suscitada pelo réu, concluiu a sentença com este dispositivo: «decide-se julgar a acção parcialmente procedente, por provada, e consequentemente: a) – Absolver o réu do pedido formulado, a título principal, de anulação dos actos notariais de testamento e procuração juntos por cópia aos autos; b) – Declarar reduzido o legado efectuado pelo dito testamento, por inoficiosidade do mesmo, à quantia de 32.136,28 €, devendo o réu restituir aos autores a quantia de 64.272,57 € (sessenta e quatro mil, duzentos e setenta e dois mil euros e cinquenta e sete cêntimos)».

Inconformado, o réu recorre de apelação, concluindo a sua alegação: 1.º - Concordamos e aceitamos a interpretação da douta sentença no sentido que o seguro em causa não integraria o acervo hereditário do Sr. (…), caso fosse entendido que se operara apenas uma substituição do beneficiário. Discordamos que o testamento em causa apenas consubstancia uma disposição de última vontade quanto ao destino dos bens por morte do seu titular.

  1. - Tendo a seguradora efectuado o pagamento do montante do seguro por entender que foi operada uma substituição do beneficiário com o testamento, não podia o tribunal vir proferir uma decisão que contradiz tal, tanto mais que um dos intervenientes, a seguradora, não é parte. Assim, o montante do seguro não faz parte da herança.

  2. - Ao abranger com esta decisão um acto de outra entidade estaríamos perante um litisconsórcio necessário passivo - cuja preterição consubstancia ilegitimidade, constituindo excepção dilatória, de conhecimento oficioso e determinante de absolvição da instância, nos termos dos artigos 28.°-2, 288.°, n.° 1, al. d), 493.°, n.° 2, 494.°, al. e) e 495.º do CPC.

  3. - Não tendo o montante do seguro integrado o acervo hereditário, não pode a sentença reduzir um pretenso legado constituído por esse valor.

  4. - Mesmo que se entendesse estarmos perante um legado tal seria um legado remuneratório como resulta do teor do testamento. Sendo um legado remuneratório é considerado uma dívida da herança e assim não pode ser reduzido – artigo 2278.º do CC.

  5. - Nunca se poderia nesta acção decidir pela inoficiosidade do legado pois que para tal tem de se apurar o conteúdo e valor total da herança e dívidas, o que só é possível em processo de inventário.

  6. - Dos autos não constam sequer elementos para se poder fixar o activo e passivo da herança, sendo que é indubitável, face às posições das partes e documentos juntos aos autos que pelo menos um depósito na CGD no valor de 10.433,58€ na CGD fazia parte da herança, pelo que a redução do legado sempre teria de contabilizar também este activo.

  7. - Os factos alegados em 5.º a 16.º e 19.º a 27.º da nossa contestação são essenciais para a boa decisão da causa, pelo que, e tendo reclamado do saneador pela sua não inclusão, devem os mesmos ser aditados à b.i. e ser produzida prova sobre eles., sendo que a alínea D) dos factos teria de ser levada à B.I.

  8. - O acordado entre o falecido (…) e o recorrente está na disponibilidade das partes, sendo legal a sua actuação – artigos 405.º e 406.º do CC, pelo que não podia agora o tribunal emitir uma decisão que na prática anula tal contrato.

  9. - Seria um abuso de direito reconhecer o invocado direito dos autores em ver reduzido o dito legado quando tiveram uma actuação vergonhosa para com o seu pai – artigo 334.º do CC. Nestes termos deve o recurso ser julgado procedente e assim ser a acção julgada improcedente.

Os AA contra-alegaram, concluindo: 1- Embora no modesto entendimento dos Autores a douta sentença faça errada qualificação jurídica da relação que existiu quanto à quantia que veio a ser objecto do legado, entre o Autor da herança e a Seguradora Ocidental, a douta sentença, na parte recorrida, escolheu, interpretou e aplicou acertadamente as pertinentes regras de direito aos factos provados.

2- Por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso e mantida a douta sentença recorrida.

II- Delimitação do objecto do recurso e fixação das questões a solucionar: 1. O objecto do recurso é constituído apenas pelas decisões que foram questionadas através das conclusões da alegação do recurso (artigo 684º/2 e 3 do CPC). Note-se que, para o efeito do disposto no artigo 684º, nºs 2 e 3, do CPC, a sentença recorrida contém “decisões distintas”, que não se resumem às duas alíneas da parte dispositiva, mas os apelantes restringiram, na parte conclusiva da sua alegação, o objecto do recurso. Sobre o conceito equivalente de “partes distintas” na decisão (art. 685º do CPC/39) ou de “decisões distintas” na parte dispositiva (art. 684º/2 do CPC actual), vale ainda a lição de J. A. dos Reis, CPC Anotado, V, 304 ss.

Elas correspondem ao dever, imposto no artigo 660º do CPC, de resolver todas as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal: «a solução de cada uma das questões constitui uma parte distinta da decisão» (J. A. dos Reis, ibidem, pág. 305).

Alberto dos Reis dava um exemplo. Propôs-se acção de investigação de paternidade com estes fundamentos: a) Na sedução com promessa de casamento; b) Na posse de estado. A sentença julgou a acção totalmente improcedente, ou julgou-a procedente quanto um dos fundamentos e improcedente quanto ao outro. «A decisão contém, nestes casos, dois capítulos ou duas partes distintas, porque resolve duas questões, perfeitamente independentes, postas pelo autor» (p. 305).

Nesse exemplo, embora o autor se proponha um único efeito jurídico (o reconhecimento da paternidade de R. sobre A.), ele põe ao tribunal duas questões ou pretensões distintas, tudo se passando como se o autor houvesse formulado dois pedidos distintos (declaração da paternidade baseada na posse de estado e declaração da paternidade baseada na sedução – cf. pág. 306)...

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