Acórdão nº 81/12.4TBSBG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução12 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório.

    1. O presente recurso tem origem numa acção de divisão de coisa comum que os autores, ora recorridos, instauraram contra os réus recorrentes, com o fim de porem termo à situação de indivisão em que se encontra uma faixa de terreno com 20 metros de comprimento por 4 metros de largura, a qual confronta a norte com a casa de habitação dos autores e a poente com a habitação dos réus.

      Os réus apresentaram contestação sustentando que os autores não podem obter a cessação da compropriedade porque o exercício de tal direito por parte deles constitui uma situação de abuso de direito face ao disposto no artigo 334.º do Código Civil, na medida em que essa faixa de terreno não tem qualquer outra utilidade a não ser proporcionar o acesso aos edifícios ali existentes, designadamente o acesso dos réus à garagem e arrecadações do seu prédio.

      Foi proferida decisão a julgar a contestação improcedente e a ordenar o prosseguimento da acção com vista a obter-se a cessação da compropriedade, por se entender que não ocorria a apontada situação de abuso de direito, fundamentalmente por se considerar que os réus, caso não fiquem a ser donos exclusivos da parcela, sempre poderão exigir a constituição de uma servidão de passagem através dessa faixa.

      Decidiu-se ainda julgar inadmissível a reconvenção deduzida pelos réus recorrentes argumentando-se que a reconvenção «…mais não é do que uma mera consequência da contestação, não existindo um pedido autónomo e cindível da defesa apresentada», e que «…não são susceptíveis de ser decididas em sede reconvencional questões como a divisibilidade do prédio cuja compropriedade de pretende findar, a desnecessidade do exercício de dissolução da compropriedade ou o carácter abusivo desse exercício, as quais serão devidamente tratadas na apreciação do mérito da contestação».

      É de ambas as decisões que vem interposto o presente recurso.

    2. Os réus recorrentes concluíram desta forma: «1 – O pedido reconvencional deduzido pelos RR resulta do facto jurídico que serve de fundamento à acção.

      2 – O pedido reconvencional é autónomo da oposição deduzida na contestação porque os efeitos pretendidos são diversos designadamente porque com a reconvenção os RR pretendem a declaração de existência de abuso de direito pelos AA no recurso à divisão da compropriedade.

      3 – O julgamento do pedido reconvencional não exige especialidades processuais especificas que contrariem a especificidade da acção de divisão, visto que se trata, pura e simplesmente de uma decisão de direito, uma vez que os factos principais em apreço constam de duas decisões judiciais anteriores com certidões das mesmas juntas aos autos.

      4 – Existem assim fundamentos para a admissão do pedido reconvencional no caso dos autos 5 – Tendo havido assim pelo tribunal a quo e nessa parte violação do disposto no artº 274º nºs 1 e 2 a) do C.P.Civil.

      6 – Existem, para além disso nos autos, elementos suficientes para decidir desde já de tal pedido no sentido constante do pedido reconvencional.

      7 – Com efeito o terreno de que foi pedida a divisão referido no artº 1º da P.I. é indivisível atenta a função que desempenha e o fim para que existe.

      8 – O referido terreno por decisões judiciais já transitadas em julgado tem como fim económico e social a passagem e acesso gratuito a prédios urbanos pertença de AA e prédios pertença dos RR., sendo que para um prédio dos RR é o único acesso de veículos para garagens e arrecadações a partir de uma rua pública.

      9 – Não existe qualquer vantagem seja para AA seja para os RR em que o prédio seja objecto de divisão pois da mesma pode resultar injustificadamente a alteração do direito e para pior do que lhes foi reconhecido na acção sumária nº 64/08.9TBSBG 10 – No caso vertente não existe razão para se proceder à divisão do bem em causa, uma vez que tal não é exigido para desbloquear a inércia de qualquer dos comproprietários ou activar qualquer acto ou negócio jurídico que qualquer dos comproprietários necessite de executar sobre o referido bem.

      11 – O recurso pelos AA à acção de divisão excede manifesta e injustificadamente o fim social e económico do direito que os mesmos possuem sobre o prédio referido no artº 1º da P.I.

      12 – A concentração da propriedade do terreno num dos comproprietários dificultará a situação ao comproprietário que não ficar com o terreno pois terá de pagar o direito de passagem de que hoje beneficia gratuitamente.

      13 – Verificam-se assim, no caso, as circunstâncias a que alude o artº 334º do Código Civil, 14 – Sendo completamente injustificado o recurso pelos AA ao direito a findar a compropriedade.

      15 – Excedendo, injustificadamente, o recurso pelos AA ao direito á divisão, os limites impostos pelo fim económico e social do direito em causa.

      Pelo que:

      1. Deve ser revogada a douta decisão recorrida com os fundamentos supra expostos E em consequência B) Admitir-se o pedido reconvencional e Por os autos conterem os elementos bastante para produção da decisão C) Julgar-se procedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR e declarar-se que o recurso pelos AA à presente acção de divisão excede manifesta e injustificadamente o fim social e económico do direito que os mesmos possuem sobre o prédio referido no artº 1º da P.I., D) Condenando-se os AA. a reconhecer as situações referidas supra de 1 a 15 e em custas e procuradoria.

      Ou assim não sendo entendido e porque os autos contém os elementos necessários á decisão E) Julgar-se procedente a oposição deduzida pelos RR com os fundamentos referidos supra de 7º a 15º da conclusão, F) Absolvendo-se os RR do pedido com todas as consequências legais».

    3. Os autores contra-alegaram pugnando pela manutenção da sentença.

      Alegam, em resumo, que o pedido reconvencional não é admissível porque «Com tais pedidos eles visam que se declare a indivisibilidade do terreno, indivisibilidade que já estava alegada e justificada na petição inicial da presente acção de divisão de coisa comum; que se declare que o terreno tem como fim a passagem e acesso a prédios urbanos pertencentes a AA. e aos RR., o que também já estava mencionado na petição inicial, e que os AA. sejam condenados a tal reconhecer. Ora, não se pode condenar o autor a reconhecer o que expressamente já aceitou e reconheceu na petição inicial, pelo que tais pedidos de declaração e consequente condenação dos autores a reconhecê-la não consubstanciam pedidos reconvencionais.

      Mais pedem nela os réus que se declare que não há vantagem para as partes que o prédio seja dividido, que não existe razão para proceder à divisão pedida pelos autores, e que estes, ao intentarem a presente acção, excederam manifesta e injustificadamente o fim social e económico do direito que eles possuem no prédio, condenando-se os AA. a tal reconhecerem.

      Estes pedidos são, como se infere da decisão impugnada, mera consequência da defesa que os recorrentes efectuaram na contestação e que, sendo procedentes, motivariam a improcedência da acção e absolvição dos RR., e nunca qualquer condenação dos autores» E quanto ao alegado abuso de direito entendem que o mesmo não se verifica.

      Com efeito, «…o temor dos RR., no caso de deixarem de ser comproprietários do imóvel, de que o direito de passagem para os prédios urbanos de que são proprietários possa ser embaraçado, ou mesmo impedido pela pedida divisão de coisa comum, não tem o mínimo fundamento. Concretizada a divisão, a sentença que vier a ser proferida no final desta acção não colide com o fim a que o terreno se destina, nem prejudica o decidido na sobredita sentença».

      Por isso, o direito de pedir a divisão é um direito potestativo cujo exercício só pode ser impedido enquanto vigorar a convenção em que se determinou que a coisa se conserve indivisa. Decorrido o período de tempo fixado na convenção, se ele não for renovado, qualquer comproprietário pode exigir a divisão.

      No caso dos autos as partes nunca convencionaram a indivisibilidade do terreno, nem os RR. o aludiram na contestação.

      Por isso, o simples exercício de direito potestativo de pedir a divisão ao abrigo do artigo 1412.º do Cód. Civil não pode exceder o fim social e económico mesmo direito, fim esse que é o de obter a divisão, terminar com a compropriedade… Não há, portanto, abuso de direito

      .

    4. Objecto do recurso.

      As questões que o presente recurso coloca são as seguintes: Em primeiro lugar, cumpre verificar se a reconvenção é admissível; em segundo lugar, se o pedido feito na petição inicial configura uma situação de abuso de direito face ao disposto no artigo 334.º do Código Civil.

  2. Fundamentação.

    A – Matéria de facto provada.

    Muito embora a decisão sob recurso não contenha matéria de facto provada, cumpre, de acordo com a estrutura própria das decisões, indicar tal matéria, o que se passa a fazer, estando a mesma provada documentalmente.

    1 – Os autores e os réus são comproprietários de uma faixa de terreno situada a sul dos prédios (dos ora autores) descritos sob os artigos urbanos x ....º e y ....º da matriz urbana da freguesia da Malcata, e entre os prédios dos réus a poente e a Rua ... a nascente, com o comprimento de cerca de 20 metros e largura de cerca de 4 metros, por o haverem adquirido por usucapião conforme sentença proferida na acção sumária que correu termos no Tribunal judicial da comarca de Sabugal sob o n.º 64/08.9TBSBG.

    2 – Do dispositivo do processo n.º 64/08.9TBSBG, já transitado em julgado, consta o seguinte: A faixa de terreno situada a sul dos prédios descritos sob os artigos x ....º e y ....º da matriz urbana da freguesia de Malcata, entre os prédios dos réus a poente e a Rua ... a nascente, com o comprimento de 20 metros e largura de cerca de 4 metros é espaço comum destinado a rua, passagem e acesso para os prédios urbanos descritos na matriz urbana da freguesia de Malcata sob os artigos x ..., y ..., w ... e z ....

    Por tal espaço existe o único acesso para veículos tractores e lenhas para as garagens e arrecadações dos réus existentes no prédio descrito sob o artigo z...

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