Acórdão nº 264/09.4TMSNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Março de 2013
Magistrado Responsável | FERNANDO MONTEIRO |
Data da Resolução | 12 de Março de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: “O (…), LDA.”, com sede em ..., Sintra, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra “CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO (…), LEIRIA”, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 19.037,08, a título de sanção contratual por rescisão do contrato, denominado “Contrato K ... manutenção OM”, assinado pelo réu, então representado pelo construtor do edifício, com referência a Janeiro de 2005 até Outubro de 2022.
Alegou a autora, em síntese, que em 30.05.2001, o réu assinou, então representado pelo construtor do edifício, o Sr. (…), com a autora, o contrato de conservação, denominado “contrato K ... manutenção OM”. Nos termos de tal contrato, por vinte anos, renováveis por iguais períodos, a autora obrigava-se a conservar os dois elevadores instalados no edifico do réu, mediante o pagamento mensal de 48.000$00, ou seja, € 239,42. Mais alega que a autora foi prestando os serviços sem que o réu alguma vez questionasse a sua intervenção regular na instalação, até dado momento (02.08.2005) em que a autora recebeu do construtor instruções para começar a facturar directamente ao condomínio. A autora assim começou a fazer, tendo o réu reagido, informando desconhecer a existência do contrato. A autora considerou o contrato rescindido com referência a Janeiro de 2005 e facturou a sanção contratual até ao final do mesmo, a qual se mostra por pagar.
O réu contestou, afirmando que nunca celebrou, nem assinou ou se vinculou por qualquer forma perante a autora. Em 2001, o Sr. (…) já estava enfermo, acamado, não falava, nem escrevia ou assinava. Diz que o negócio em causa, ainda que celebrado, nunca o teria sido por quem representasse o réu, pelo que ele é ineficaz em relação a este. Mais refere que o empreiteiro não declarou, por qualquer forma, aos condóminos ou aos administradores a existência de qualquer contrato ou vinculação com a autora. Contesta, subsidiariamente, que o alegado contrato consubstancia um contrato de adesão, impendendo sobre o contraente que recorre às cláusulas contratuais gerais, o dever de comunicar na íntegra o teor e o alcance das referidas clausulas, o que, no casu, não aconteceu. A cláusula contratual que suporta o pedido deve ser excluída, por não haver sido comunicada nos termos do art.º 5.º do DL 446/85 de 25 de Outubro e aquela encerra uma verdadeira cláusula penal, a qual deve considerar-se desproporcionada e exagerada.
Realizado o julgamento, considerando o contrato ineficaz para com o réu, foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente e absolvido este do pedido.
* Inconformada, a autora recorre e apresenta as seguintes conclusões: 1. A Autora discorda, em absoluto com a douta decisão recorrida, pois apesar de ter provado tudo o que se propunha provar, uma deficiente aplicação do Regime da Propriedade Horizontal e a desconsideração de que as despesas com as partes comuns de um dado imóvel em Regime de Propriedade Horizontal constituem uma típica obrigação “propter rem”, levaram, mesmo assim, a um desfecho que lhe é desfavorável; 2. Em síntese, a questão a apreciar por este Tribunal é absolutamente jurídica: sim ou não, um contrato celebrado pelo construtor de um dado imóvel, enquanto administrador provisório, vincula o condomínio após a constituição formal deste? 3. Para a Autora e para o Supremo Tribunal de Justiça (em Acórdão que adiante transcreveremos parcialmente) a resposta é sim.
4. Os factos com interesse para a decisão do “Thema Decidendum” são os constantes do Capítulo C) destas Alegações e sumariam-se, como segue: - Um dado construtor, em data anterior a Maio de 2001, construiu o Edifício dos Autos, nele instalando, “ab initio”, dois elevadores; - Para a conservação desses elevadores e antes de constituir a Propriedade Horizontal, contratou com a Autora a conservação desses elevadores, na sua qualidade de Administrador Provisório do Edifício (art. 1435º A do CC), previamente cumprindo a Autora o dever de informação que sobre si impendia; - No exercício do seu objecto social, e a partir de 01.11.2001, a Autora começou a conservar um desses elevadores, facturando essa conservação e recebendo a respectiva contrapartida da conservação, o que aconteceu até 02.08.2005; - Apenas em 08.08.2002 é constituída a Propriedade Horizontal no Edifício dos Autos; - A partir de 2002, o Edifício foi sendo habitado, através da progressiva alienação das suas fracções pelo construtor, e utilizando os Srs. Condóminos o elevador, no qual a Autora aparecia devidamente identificada, como a sua entidade conservadora, e sem que o R. questionasse essa intervenção regular ao longo dos anos; - Em 30.05.2005, os órgãos do R. começaram a funcionar; - Em 05.07.2005, o R. pediu à A. a ligação do elevador nº 2; - Em 02.08.2005, o construtor solicitou à A. que passasse a facturar ao R., directamente, os seus serviços; - Em 30.11.2005, o R. pôs termo ao Contrato dos Autos; - Ora, não havendo justa causa para pôr termo ao Contrato dos Autos antes do seu termo, a Autora não tinha como se opor e facturou a sanção contratual dada a estes Autos, que o R. não pagou, apesar de devidamente interpelado para tal, nem sequer quis negociar a celebração de um novo contrato (Factos Assentes sob os nºs 24, 25 e 26); 6. Se quando o Contrato dos Autos foi assinado (30.05.2001) não existia a Propriedade Horizontal (esta só surge em 08.08.2002) ou órgãos de administração a funcionar (estes só surgem em 30.05.2005), o construtor não podia vincular um Condomínio ao tempo inexistente, e daí ter actuado como Administrador Provisório, nos termos e para os efeitos do art. 1435º A do CC; 7. Este artigo do Código Civil, enxertado na dinâmica do Instituto da Propriedade Horizontal com a reforma, visou, exactamente, colmatar as situações de “vazio” existentes entre a construção de um dado Edifício (a constituir no futuro em Propriedade Horizontal, e que começa a ter situações obrigacionais em benefício dos Condomínios em perspectiva), e o momento em que formalmente os Condomínios são constituídos; 8. A Autora aceitou celebrar um Contrato – o dos Autos - com o construtor: – o construtor apresentou-se como “Administrador Provisório” (para tanto, sendo ele o construtor, sendo esse o Edifício, sendo esses os elevadores, tanto bastava para aceitar celebrar o Contrato, nada tendo essa atitude de “temerário”); - o construtor – e daí a palavra “provisório” - representava assim o Condomínio a constituir e em benefício do qual celebrou o Contrato com a Autora, não havendo maneira de provar que se “representa” quem formalmente ainda não está constituído; 9. Assim, haverá que concluir exactamente o contrário: É eficaz o contrato de conservação de elevadores em imóvel sujeito ao regime de Propriedade Horizontal, que foi outorgado em representação do Condomínio, antes de se constituir a Propriedade Horizontal e, obviamente, antes da eleição da Administração do Condomínio; 10. A corroborar este entendimento, bastará ler – por todos e como atrás prometido – o Acórdão, proferido no Recurso de Revista, do Processo 4955/07.6TVLSB.21.S1, da 1ª Secção, do Supremo Tribunal da Justiça, do qual se transcrevem as suas conclusões, como segue: “IV — Podem, assim, extrair-se as seguintes conclusões: 1ª - A obrigação de pagamento das despesas com partes comuns de um imóvel em regime de propriedade horizontal constitui uma típica obrigação propter rem.
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- Revestem a natureza de não ambulatórias as obrigações reais decorrentes de despesas com a conservação dos elevadores, se bem que aqui não releve a distinção entre as ambulatórias e as não ambulatórias, porquanto não se está perante qualquer situação de alienação de fracção.
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- Assim, tendo os contratos para a prestação de serviços relacionados com a conservação dos elevadores sido celebrados pela sociedade construtora/vendedora antes da constituição da propriedade horizontal e da venda das fracções, na qualidade de “Administradora Provisória do Edifício”, é o condomínio, que, entretanto, se constituiu, responsável pelo pagamento das dívidas resultantes dessa conservação, pois para ele, como representante dos condóminos — que beneficiaram da realização desses serviços — se transmitiram as obrigações decorrentes desses contratos.” 11. Esta solução, é, aliás, conforme com o valor supremo da Justiça, que informa de raiz o nosso ordenamento jurídico, permitindo tutelar a boa fé na celebração e na execução dos negócios, afastando, assim, injustificados, oportunistas, inaceitáveis e incompreensíveis enriquecimentos patrimoniais por parte do R., a entidade, que, afinal, usufruiu, em benefício próprio e exclusivo, serviços que bem sabia só poderem ser onerosos (e que em algumas situações – e sempre que necessário – fez questão de exigir em sede de resposta a avarias), para, na altura de assumir responsabilidades, procurar, tranquila e paulatinamente, eximir-se com base numa argumentação formal e artificial, ao pagamento do respectivo custo; 12. Mostram-se assim violadas, genericamente, as regras da Propriedade Horizontal, constantes do Código Civil, mormente o art. 1435ºA, com as legais consequências.
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