Acórdão nº 299633/11.7YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelLUIS CRAVO
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra * 1 - RELATÓRIO “A(…), Unipessoal, Ld.ª”, NIPC ..., com sede na Urbanização x... Coimbra, veio propor contra F (…), residente em y..., Ourém, a presente acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária, pedindo seja o Réu condenado no pagamento da quantia global de € 6.130,16 [seis mil, cento e trinta euros e dezasseis cêntimos] acrescida de juros vencidos e nos entretanto vencidos e vincendos.

Alega para tanto e em síntese que no exercício do seu objecto social a pedido do Réu, forneceu equipamentos e prestou a este bens e serviços, o qual os recebeu, e deles não reclamou nem os devolveu, tendo ela Autora emitido as facturas respectivas, sendo todavia certo que o Réu não efectuou o pagamento do montante titulado por tais facturas.

Conclui do por si alegado pela procedência da acção e a consequente condenação do Réu no pagamento da quantia peticionada.

* Regularmente citado, veio o Réu apresentar a sua contestação, através da qual sustenta, em síntese, que efectivamente solicitou à Autora o fornecimento de produtos e a prestação de serviços da sua actividade profissional o que veio a suceder como por esta alegado; todavia, alega que o montante global envolvido era bem superior ao que nos autos surge peticionado, tendo efectuado o pagamento da quantia de € 11.646,00 [onze mil, seiscentos e quarenta e seis cêntimos]; o remanescente do preço inicialmente acordado só não foi pago – o que confessa – pela circunstância de os trabalhos efectuados não o terem sido de forma correcta, subsistindo defeitos que cumpre eliminar, bem como foram aplicados em obra produtos distintos daqueles inicialmente acordados; do por si alegado sustenta ser lícito recusar o pagamento em falta [recusar a sua prestação] até que sejam a final eliminados os defeitos por si invocados, termos em que concluiu, assim, pela improcedência da acção.

De referir que o Réu deduziu ainda pedido reconvencional, indeferido pelo despacho prolatado a fls. 37, oportunamente transitado em julgado.

* Findos os articulados foi designada data para realização da audiência de julgamento, mantendo-se válida e regular a instância.

A audiência de julgamento teve lugar com observância do legal formalismo, como aliás se alcança da respectiva acta.

* Na sentença, considerou-se, em suma, que em relação ao contrato de empreitada em causa na situação vertente, que o fornecimento e montagem teve oportunamente lugar, no final do qual foram emitidas pela Autora, entre outras, as facturas ajuizadas e que se é certo que o Réu havia entretanto reclamado junto da Autora a existência de defeitos nos produtos e trabalhos efectuados, sucedia que face ao concreto factualismo apurado, não lhe assistia razão para que recusasse a sua contraprestação à Autora, na medida em que fora aquele a determinar a efectivação dos trabalhos que agora reclama, termos em que se concluiu por afirmar a total improcedência da tese sustentada pelo Réu, face ao que se julgou a acção procedente, por provada, com a condenação do Réu a pagar a quantia de € 6.028,16, acrescida de juros moratórios à taxa legal até integral e efectivo pagamento.

* Inconformado, apresentou o Réu recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finaliza com as seguintes conclusões: 1. É ilegal a decisão recorrida, mormente quanto à demonstração dos factos constantes dos pontos 8, 10, 11, 12 e 13, que assenta em prova obtida através de meio não admitido.

  1. Efectivamente, o Tribunal a quo teve como “rainha das provas” o depoimento de parte da A., que serviu para “provar” todos os factos que lhe são favoráveis, designadamente os constantes dos pontos 8, 10, 11, 12 e 13.

  2. O uso do depoimento de parte que não tenha por objectivo o reconhecimento e qualquer facto desfavorável ou cujo ónus da prova recaia sobre a parte contrária traduz-se num uso indevido desse meio de prova, por falta de correspondência funcional e teleológica entre o meio processual e o objecto do meio de prova fixado na lei.

  3. Da audiência de discussão e julgamento, e a propósito, demonstrado ficou apenas que “as máquinas de aspiração aplicadas não são da marca “Sachs” acordada entre Autora e Ré”.

  4. Nos autos, não está demonstrada a gama das máquinas fornecidas, e muito menos por comparação com as contratadas. Sobre as “características”, “qualidade” ou “potência” das mesmas, nada se provou.

  5. É nula a decisão do Tribunal a quo, que decide contra os factos provados e sem qualquer base de sustentação real, como evidencia a fundamentação: “No que concerne à aplicação de máquinas de marca distinta da acordada efectivamente assim sucedeu mas que dai não derivou prejuízo algum para o Réu posto que as máquinas aplicadas têm características idênticas às “Sachs” contratadas seja no que concerne à sua qualidade seja à potência que disponibilizam”.

  6. Tendo sido contratada uma máquina de determinada marca, o fornecimento de uma máquina de outra marca não satisfaz. Não cumpre. É que, se alguém contrata a compra de um Mercedes, a entrega de um BMW não cumpre.

  7. O Tribunal a quo extravasa abundantemente os factos provados nos autos, presumindo, assumindo e conjecturando uma realidade que nada tem que ver com a que está sub judice, fazendo errada apreciação da matéria de facto.

  8. O facto provado em 10. é incompreensível. Não pretendesse o Réu “a colocação em funcionamento do sistema de aspiração central”, e não teria contratado com a Autora a prestação desse serviço. É inadmissível que essa legítima e contratualmente estipulada pretensão do Réu justifique, para o Tribunal a quo, um procedimento defeituoso da Autora, que laborou em violação do que sabe “dever ser” à luz das regras próprias da actividade que exerce, colocando um fio eléctrico no interior de um tubo.

  9. Não existe prova validamente produzida que demonstre o facto 10., assente em “testemunho” de parte. Porém, ainda que tivesse sido provada a matéria ali vertida, tal não afastaria a responsabilidade da Autora que violou as leges artis da actividade que exerce.

  10. Os contratos devem ser escrupulosamente cumpridos, “ponto por ponto”, conforme decorre do princípio pacta sunt servanda, entre nós consagrado no artigo 406.º do Código Civil, que define a inviolabilidade dos contratos.

  11. O contrato celebrado entre as partes e em discussão nos autos, à semelhança dos demais contratos, está sujeito aos princípios gerais que presidem ao cumprimento das obrigações que postulam o seu cumprimento pontual, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos previstos por lei.

  12. A A. não cumpriu o contrato nos termos a que se obrigou, designadamente porque não forneceu as máquinas de aspiração contratadas.

  13. Assim, não tendo a A. cumprido a prestação que lhe cabia, tem o Réu a faculdade de recusar a sua prestação, nos termos previstos no art. 428.º do Código Civil.

  14. Ao decidir em sentido contrário ao postulado nos supra citados preceitos normativos, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da lei.

    ---- Termos em que, concedendo provimento ao recurso, Vossas Excelências farão Justiça.

    * Apresentou a Autora as suas contra-alegações a fls. 95, nas quais formula as seguintes conclusões : 1.

    O n.º 2 do art. 552.º CPC obsta a que o depoimento de parte recaia sobre factos não discriminados no requerimento probatório, mas não impede que sobre tais factos sejam prestados esclarecimentos que transcendam o texto do articulado.

  15. O princípio da livre apreciação da prova, no âmbito do qual actuou o tribunal a quo ao qualificar um depoimento como “extremamente útil” e outro como “conveniente”, não ser poder subvertido para conveniência do Recorrente.

  16. Encontra-se actualmente ultrapassada a concepção de que o depoimento de parte se destina exclusivamente à obtenção da confissão, podendo o julgador apreciar livremente o depoimento de parte não confessório.

  17. Cumpre lembrar que para a formação da convicção do tribunal a quo contribuíram o depoimento de parte, prestado pelo representante legal da Recorrida, e os depoimentos das testemunhas, carecendo de fundamento a alegação do Recorrente de que a sua condenação se baseou num meio de prova não permitido.

  18. A convicção do tribunal a quo de que a instalação de máquinas de aspiração de marca diversa da inicialmente acordada, isto é, da “Sachs”, não causou prejuízo ao Recorrente baseou-se na prova produzida durante a audiência de discussão e julgamento.

  19. Tanto o legal representante da Recorrida, como as testemunhas por estas apresentadas, se pronunciaram acerca da qualidade e potência das máquinas de aspiração aplicadas, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos da nulidade previsto na alínea d) do art. 668.º CPC.

  20. Não aceita a Recorrida que, resultando a desconformidade entre os trabalhos executados e os termos do contrato das modificações exigidas e dos entraves levantados pelo Recorrente, lhe seja assacada qualquer responsabilidade.

  21. Atentos os factos provados nos pontos 8, 10, 11 e 13 da douta sentença, ficou claro que a Recorrida agiu em conformidade com as regras próprias da actividade.

  22. Seguindo a linha de pensamento do Recorrente, deveria a Recorrida, para cumprir pontualmente o contrato, ter ignorado as directivas que lhe foram dadas, retirado os móveis e a betonilha colocando, respectivamente, na cozinha e numa das casas de banho. Esta interpretação transcende os deveres do empreiteiro, resultem estes da lei, do princípio geral da boa fé ou das leges artis.

  23. O princípio da boa fé contratual gera obrigações para ambos os contraentes, não sendo lícito ao Recorrente invocar que a prestação, efectuada segundo as suas indicações, é defeituosa apenas porque não quer pagar o preço.

    ---- Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, com base em todo o supra alegado, confirmando-se a douta Decisão a quo, assim se fazendo JUSTIÇA.

    * De referir que quanto à arguição de nulidade da...

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