Acórdão nº 1577/11.0TBTMR-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]: I – Relatório 1. A (…), deduziu a presente oposição à execução contra si instaurada pelos exequentes MG (…) e mulher MH (…), pedindo que a mesma seja julgada procedente e consequentemente seja o Oponente absolvido do pedido.

Para o efeito alegou, em síntese, que: «1. A execução intentada pelo senhor (…) e senhora (…), doravante designados por Exequentes, relativa à letra emitida em 2 de Outubro de 2007, subscrita pela G (…), S.A., ora designada por G (…) e avalizada pelos executados (…) ora designados por Avalistas e A (…), ora designado por Oponente, é claramente inadmissível e improcedente, conforme resulta do seguinte: a. Os Exequentes não invocaram nem demonstraram os concretos factos constitutivos da pretensa obrigação de pagamento da quantia aposta na letra exequenda, pelo que o r.e. é inepto, por ininteligibilidade da causa de pedir e do pedido (v. arts. 193.º/1 e 2/a), 288.º/b), 494.º/b), 810.º/3 e 4, 812.º/2, 814.º e 816.º do CPC); b. Os alegados direitos cambiários invocados pelos Exequentes sobre o ora Oponente encontram-se prescritos (v. arts. 70.º, 77.º e 78.º da LULL e arts. 814.º/a), 816.º, 466.º, 493.º e 496.º do CPC); c. Os pretensos direitos dos Exequentes sempre se encontrariam extintos, pois a execução da letra promovida contra os subscritores dependia de acto formal de protesto (v. arts. 32.º, 44.º, 53.º e 77.º da LULL e arts. 816.º, 466.º, 493.º e 496.º do CPC); d. A letra em causa foi preenchida abusivamente pelos Exequentes, pelo que os seus pretensos direitos fundamentam-se em título cambiário falso e são claramente inoponíveis ao ora Oponente (v. arts. 10.º e 77.º da LULL e art. 376.º do C. Civil); e. O título executivo sub judice é assim manifestamente insuficiente, devendo ser liminarmente indeferido o requerimento apresentado (v. arts. 811.º/1/b), 812.º/2/a) e 820.º do CPC), tanto mais que não cabe ao julgador desenvolver qualquer actividade inquisitória e probatória para suprir o incumprimento de ónus das partes (v. arts. 264.º e 814.º/e) do CPC)».

  1. Notificados os Exequentes, contestaram a deduzida oposição, pugnando pela condenação do Oponente como litigante de má fé, e pela improcedência da deduzida oposição.

  2. Designada data para uma tentativa de conciliação que se revelou infrutífera, foi seguidamente proferido despacho saneador-sentença, onde se julgou parcialmente procedente a oposição à execução, declarando extinta a execução por inexistência do título que lhe serve de fundamento quanto ao Oponente A (…).

  3. Inconformados com esta decisão, os exequentes interpuseram o presente recurso de apelação que terminaram com as seguintes conclusões: «1. O título executivo consubstancia uma livrança a qual obedece a todos os requisitos constantes do artigo 75° da LULL; 2. Nomeadamente, no verso da mesma, depois dos dizeres "Por aval ao subscritor" consta a assinatura do oponente, ora recorrido: A (…)- artigo 30° da LULL; 3. Sendo que a livrança é um título à ordem, sujeito a certas formalidades, pelo qual uma pessoa se compromete, para com outra, a pagar-lhe determinada importância, em certa data. É uma promessa de pagamento que a emitente e os outros obrigados devem cumprir - cfr. art. 75° LULL.

  4. A obrigação cambiária nada tem a ver com a validade ou regularidade da obrigação subjacente ou fundamental.

  5. Concretamente o avalista do subscritor não poderá deixar de estar obrigado ao pagamento da livrança com o fundamento de que é nulo por vício de forma o contrato de mútuo que eventualmente tenha estado na base da emissão do título cambiário.

  6. Não obstante a rigorosa formalidade a que as obrigações cartulares estão sujeitas (no sentido de que o título tem de apresentar uma determinada configuração externa para que lhe seja aplicável o muito particular regime jurídico correspondente), não se verifica qualquer exigência de forma específica baseada no seu valor.

  7. A LULL reconhece a validade da letra ou da livrança para obrigações de qualquer valor, afastando, assim, das excepções oponíveis ao portador imediato a nulidade por vício de forma do negócio em causa.

  8. O vício de forma a que alude o artigo 32° II da LULL respeita à própria obrigação cambiária ou, pelo menos, por meio dela tem de se evidenciar.

  9. A designação de "vício de forma", na LULL, não é uma noção técnica a ser definida fora da LULL, nomeadamente pelo direito civil de cada Estado subscritor da Convenção de Genebra. Abrange apenas, e todos os casos em que resulta do próprio título cambiário.

  10. A autonomia do aval deve ser entendida no sentido de que a sua independência o torna imune às vicissitudes da operação que garante, inclusive quando a operação avalizada é nula.

  11. O documento - livrança - dado à execução é título executivo enquadrável no disposto no artigo 46°, al. c) do CPC, o qual goza das características da incorporação, literalidade, autonomia e abstracção (artigos 1°, n° 2. 14°. 16°, 17°, 20°, 21°.38°. 39º. 40°. 50°.51° e 77° da LULL).

  12. Entendeu o douto tribunal a quo que o contrato de mútuo, constante dos autos, estaria ferido de nulidade, concluindo que a nulidade da relação subjacente geraria a nulidade da relação cartular e, consequentemente a livrança dada à execução seria inexequível.

  13. Não concordamos com tal decisão porquanto é nosso entendimento que a obrigação do avalista é materialmente autónoma (cfr. art. 32º, aI. 2, da LULL) e sempre se manterá a sua obrigação, não obstante a obrigação garantida ser, eventualmente, nula.

  14. Ao decidir da forma descrita, a Meritíssima Juiz a quo olvidou em absoluto o especial regime das Letras e Livranças.

  15. No âmbito do qual, no que ao caso sub judice concerne, o avalista, não obstante a eventual nulidade do contrato de mútuo, continua a ser responsável pelo pagamento da livrança, não podendo, com fundamento na nulidade do mútuo, ser "libertado" da obrigação cambiaria.

  16. Realmente, com observância das normas constantes nos artigos 1.º n° 2. 14°, 16°, 17°, 20°, 21°. 32°, 38º. 39°. 40°, 50°. 51°, todos da LULL, aplicáveis por força do seu artigo 77°, a decisão deveria ser no sentido de julgar improcedente a oposição com as consequências legais».

  17. Pelo Recorrido foram apresentadas contra-alegações que rematou nos seguintes termos: «I. O Recurso foi interposto pelos Recorrentes, (…) da sentença proferida pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, que julgou parcialmente procedente a oposição à execução, declarando extinta a execução, por inexistência do título que lhe serve de fundamento quanto ao aqui Recorrido.

    1. Dispõe a cláusula segunda do referido contrato de mútuo que “Este contrato de empréstimo é representado por uma Livrança no valor de trinta mil euros, aceite pela segunda outorgante e avalizada pelos seus sócios-gerentes.”.

    2. Ora, foi entendimento vertido na douta sentença que considerou que estando o contrato de mútuo ferido de nulidade por vício de forma, se deveria considerar, consequentemente, a nulidade da relação jurídica subjacente gera a nulidade da obrigação cartular, o que leva à inexequibilidade da livrança avalizada pelo Recorrido, tendo presente que o aval é um negócio cambiário porque próprio dos títulos de crédito cambiários, que tem como características principais, a literalidade, a autonomia, a incorporação e a abstracção.

    3. Conforme é entendimento do Professor Doutor Pedro Pais de Vasconcelos o negócio cartular tem “subjacente um negócio que o explica, que o justifica, que lhe constitui a causa. Esse negócio designa-se subjacente.” in Direito Comercial – Títulos de Crédito, Reimpressão, AAFDL, Lisboa, 1997, 33, sendo o aval como garantia que é, prestada pelo avalista, não deixa também de constituir uma atribuição patrimonial. E o avalista se avaliza, é porque se comprometeu isso com o avalizado, ou mesmo com o beneficiário do aval.

    4. A função que, em concreto o negócio cambiário como atribuição patrimonial desempenha em relação ao negócio subjacente, está fixa na convenção executiva.

      Esta é uma convenção entre os intervenientes do acto cambiário, paralela a este, e que se pode integrar no próprio negócio subjacente ou constituir um acordo posterior, no qual é acordada a função a desempenhar pelo negócio cartular em relação ao subjacente, sendo que a convenção executiva é vinculativa, quer formalmente integre uma cláusula do negócio subjacente, quer formalize como estipulação acessória posterior, e tem eficácia obrigacional e a sua violação faz incorrer aquele que a não cumprir em responsabilidade civil contratual.

    5. Ora, “Quando entre dois intervenientes num título existe uma relação subjacente diz-se que a relação é imediata; quando não estão ligadas por uma relação subjacente, diz-se que a sua relação é mediata. As relações imediatas no título, designadamente a letra, são as relações existentes entre obrigados cambiários que se encontrem ligados por uma relação subjacente e uma convenção executiva. As relações mediatas são as que suscitem entre obrigados cambiários que se não encontrem ligados por qualquer relação subjacente ou convenção executiva. Nas relações mediatas não existe, pois qualquer relação subjacente ou convenção executiva.” in Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial – Títulos de Crédito, Reimpressão, AAFDL, Lisboa, 1997, 55.

    6. Aqui chegados cumpre saber se no aval prestado pelo Recorrido existe uma relação subjacente e imediata com os Recorrentes, sendo que a resposta a esta questão é decisiva para balizar o espaço de defesa dos avalistas, considerando o disposto no artigo 32.º da LULL, alegado pelos Recorridos como inaplicável.

    7. Se não existir relação imediata entre o avalista e o beneficiário da obrigação cambiária garantida por aval, a obrigação de honrar o aval mantem-se mesmo que a obrigação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT