Acórdão nº 585/10.3TBCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelVIRGÍLIO MATEUS
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NESTA RELAÇÃO O SEGUINTE: I – Relatório: A Caixa Geral de Depósitos intentou acção executiva contra C (…) e F (…), para pagamento da quantia de €99 700,00, proveniente de contrato de abertura de crédito em conta corrente, acrescendo a essa quantia juros computados em € 91.608,77, vencidos desde 26.5.2004. Principal devedora é C(…), Lda, de que os executados são fiadores solidários.

Por apenso, os executados deduziram oposição, colocando em causa os juros peticionados e alegando: não há título executivo; o requerimento executivo é inepto, já que nele não se esclarece a taxa de juro aplicada; os juros deixam de vencer-se desde a prolação da sentença declaratória da falência do principal obrigado, C (…), Lda., por força do artigo 151º do CPEREF; os juros só podem ser contabilizados a partir de 26 de Maio de 2004, pois o devedor só incorreu em mora a partir dessa altura; os juros vencidos até 15 de Maio de 2005 já se encontram prescritos.

A exequente veio contestar a oposição apresentada, invocando, em síntese, que a responsabilidade do fiador, decorrente da própria lei, abrange os prejuízos resultantes da mora, que o limite da obrigação assumida pelo fiador não prejudica a obrigação de pagamento de juros de mora, desde que relativos ao valor daquele limite, que as taxas de juros remuneratórios constam do preçário da Caixa Geral de Depósitos que está afixado em todos os balcões e que foi acordado pelas partes, que a taxa de juro aplicada consta do documento junto com o requerimento executivo, que os valores descriminados no requerimento executivo estão correctos e que a prescrição dos juros foi interrompida pela notificação do oponente-marido no âmbito da reclamação de créditos, que correu termos no 3.º Juízo Cível de Coimbra, com o n.º 2579/04.9TJCBR.

Após os articulados, foi proferido saneador – sentença, que julgou improcedente a arguição de ineptidão do requerimento executivo e, conhecendo do mérito da causa, considerou não serem devidos juros desde a data da sentença que decretara a falência da C (..) Lda (15.7.2005) e verificada a prescrição dos juros contados até 15 de Maio de 2005, sem que tenha ocorrido a interrupção da prescrição. A sentença concluiu decidindo julgar a oposição totalmente procedente e reduzir a quantia exequenda para o montante de € 100.355,97.

Inconformada, a Caixa Geral de Depósitos recorreu, concluindo a sua alegação: 1. Em 26/02/1997, a CGD celebrou com a sociedade comercial C (…)Lda. um contrato de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de € 99.759,58 (esc. 20.000.000,00).

  1. Nos termos desse contrato, ficou estabelecido que, em caso de mora, «a Caixa poderá cobrar sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios, que em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa para operações activas da mesma natureza (actualmente 15,125%), acrescida de uma sobretaxa até 4%.».

  2. Conforme decorre da cláusula 26 do contrato, «Para garantia do integral e tempestivo cumprimento de todas as obrigações assumidas no presente contrato pelo 1.º contratante, os 2.ºs contratantes, constituem-se por este acto fiadores solidários e principais pagadores de tudo quanto à Caixa venha a ser devido em capital, juros, incluindo juros capitalizados, comissões e demais encargos até integral e efectivo pagamento, dando desde já o seu acordo a eventuais alterações de taxas de juro, prazos e moratórias.

    ».

  3. Esse acordo sofreu alterações em 23/08/1998 e em 21/02/2000, subscritas, para além do mais, por um representante da exequente e pelos executados/oponentes.

  4. Na alteração de 23/08/1998, foi estipulado que o capital em dívida venceria juros a uma taxa correspondente à “LISBOR” a 3 meses com arredondamento para o 1/8 superior, acrescida de 2,5%, donde resultava, à data da alteração contratual, a aplicação da taxa de juro nominal de 6,875% ao ano.

  5. Na alteração de 21/02/2000 o prazo contratual de 06 meses passou a ser de 30 meses automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos.

  6. No 3.º Juízo Cível de Coimbra correu termos os autos de falência da sociedade C (…), Lda., com o n.º de processo 2579/04.9TJCBR, tendo esta sido decretada por sentença datada de 15/07/2005, transitada em julgado em 17/03/2008.

  7. Por apenso, correu termos autos de reclamação de créditos, com o n.º 2579/04.9TJCBR-A, em que foi reclamada a C (…), Lda. e reclamante, para além do mais, a Caixa Geral de Depósitos, a qual reclamou o quantitativo de € 859.168,47, respeitante, para além do mais, ao contrato de abertura de crédito em conta corrente que serve de título executivo nos autos principais de execução.

  8. Em sentença de verificação e graduação de créditos, proferida nesses autos em 13/12/2007, foi julgado verificado o referido crédito da Caixa Geral de Depósitos.

  9. Interposto recurso da sentença de verificação e graduação de créditos, foi a mesma anulada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06/07/2010 e proferida nova sentença de verificação e graduação de créditos, a qual foi notificada ao credor C (…) (ora recorrido), na pessoa do seu mandatário, a 08/07/2010.

  10. Ora, com base no n.º 2 do art. 151.º do CPEREF (aplicável ex vi art. 12.º, n.º 1 do DL 53/2004, de 18 Março) que dispõe «Na data da sentença de declaração de falência cessa a contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido….», concluiu o douto Tribunal a quo que, se para o obrigado principal (C (…), Lda.) os juros deixaram de ser contabilizados a partir de 15/07/2005, então para os fiadores, ora recorridos, também o devem ser.

  11. Porém, nos termos do artigo 63.º CPEREF «As providências de recuperação a que se refere o artigo anterior não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os co-obrigados ou os terceiros garantes da obrigação» (sublinhado nosso).

  12. Ora, a ratio legis deste normativo é a protecção dos interesses dos credores.

  13. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, se justifica a aplicação analógica como concretização deste princípio basilar da protecção do credor, que abrange os processos de recuperação, do mesmo modo que os de falência.

  14. Acresce que o art. 151.º do CPEREF determina que a contagem de juros cessa, para todas as obrigações do falido, na data da sentença de declaração de falência, nada dispondo quanto aos co-obrigados.

  15. Desta forma, somos de parecer que a sentença de declaração de falência do obrigado principal não determina a cessação da contagem de juros quanto aos co-obrigados uma vez que, se a intenção do legislador no CPEREF fosse liberar os coobrigados, existiria norma expressa, o que não acontece.

  16. Inexistindo, forçoso é concluir que se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema – o de protecção dos credores - a norma seria contrária à pretensão dos ora recorridos.

  17. Tanto mais que, actualmente, o CIRE, não contempla sequer a cessação da contagem de juros com a sentença declaratória de insolvência do obrigado principal, ninguém pondo em causa que inexiste cessação quanto aos co-obrigados.

  18. Pelo exposto, e salvo o devido respeito por melhor opinião, mal andou o douto tribunal a quo ao decidir que os juros da dívida não poderão ser exigidos aos fiadores, ora recorridos, a partir de 15/07/2005, data da sentença de declaração de falência da sociedade C (…), Lda.

  19. Por outro lado, entendeu o douto Tribunal recorrido que os juros contabilizados até 15/05/2005 se encontram prescritos.

  20. Ora, do valor dos juros peticionados pela ora recorrente no requerimento executivo, no montante total de € 91.608,77, € 2.828,30 correspondem a juros remuneratórios e € 88.780,47 a juros de mora.

  21. Por a dívida de juros ser autónoma da dívida de capital (a qual corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado), cada uma dessas dívidas, até certo ponto independentes, encontram-se sujeitas à sua prescrição própria – neste sentido, cf. Acórdão STJ de 18.11.2004, in www.dgsi.pt.

  22. Deste modo, «a dívida de juros não é uma dívida a prestações, mas antes uma dívida que, periodicamente (ou dia a dia) renasce: no termo de cada período (ou dia) vence-se uma nova dívida ou obrigação» - cfr. F. Correia das Neves, Manual dos Juros, 3.ª Edição, Coimbra, 1989.

  23. E assim, também a prescrição se conta dia a dia, a qual, tratando-se de uma prescrição extintiva, está sujeita às regras da suspensão e interrupção dos artigos 318.º ss CC.

  24. Nos termos do art. 323.º, n.º 1 e 4 CC «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence…» e que «é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido».

  25. Ora, a reclamação de créditos apresentada pela exequente, ora recorrente, no processo de falência da sociedade C (…), Lda. deu entrada no tribunal em 09/08/2005.

  26. Dessa reclamação foi o ora recorrido (sócio gerente da sociedade) notificado, tendo nesse momento, conhecido a intenção da credora CGD de exercer os seus direitos.

  27. Pelo que, com tal notificação, foi interrompida a prescrição, não se encontrando, pois, prescritos os juros vencidos até 15 de Maio de 2005.

  28. Considerando, porém, a possibilidade de os opoentes/recorridos, sócios da sociedade...

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