Acórdão nº 352/07.1 TBACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I- Relatório No 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, a A..., Lda., depois denominada B..., SA, com sede na Rua ..., Coimbra, veio instaurar contra Banco , C... SA, com sede na ... Lisboa, e D...

, viúva, residente na ..., Turquel, a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, pedindo a final a condenação solidária das demandadas no pagamento da quantia de € 11 453,47 (onze mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida dos juros vincendos até integral pagamento, computados à taxa legal.

Em fundamento alegou, em síntese útil, que no exercício da sua actividade de comercialização de veículos novos e usados da marca Volvo, BM e outras, e ainda de compra e venda de máquinas para obras públicas e construção, vendeu à sociedade E...

, Lda., um equipamento usado da marca Caterpiller, ao qual se reporta a factura emitida em 31 de Janeiro de 2005, no valor de € 21 420,00.

Nos termos da proposta de venda n.º 1004, de 27/1/2005, foi estabelecido que o preço seria regularizado mediante a entrega de quatro cheques, cada um no valor de € 5 355,00. No cumprimento do assim acordado, o sócio gerente da sociedade compradora, Sr.

F...

, entregou ao colaborador da demandante quatro cheques sacados pela compradora que, na presença deste, foram assinados pela esposa daquele, a ré D..., neles tendo sido apostas datas futuras (28/2/2005, 28/3/2005, 28/4/2005 e 28/5/2005). No que se reporta aos dois primeiros cheques, apresentados a pagamento nas datas neles apostas, obtiveram boa cobrança, sendo que os restantes, apresentados também a pagamento nas datas que neles haviam sido apostas como sendo as dos vencimentos, foram devolvidos pelo banco sacado, o aqui primeiro réu, por motivo de extravio, ao que se sabe, em conformidade com documento escrito apresentado no balcão da J... pela segunda ré. Não obstante o declarado, sabia a demandada D...que os cheques em causa haviam sido entregues à autora no âmbito das relações comerciais que esta estabelecera com a sociedade E..., Lda., sendo assim a sua legítima possuidora.

Ao subscrever o documento declarando o extravio dos títulos sabia a segunda ré que as declarações que em tal documento firmava não correspondiam à verdade, ciente que a sua descrita conduta impedia o pagamento das quantias neles inscritas. Também o demandado Banco C... actuou ilicitamente, ao devolver os mencionados cheques sem se ter certificado da existência de justa causa para a sua devolução, comportamento que manteve mesmo depois de ter tomado conhecimento que a declaração da segunda ré não correspondia à verdade.

Mau grado todas as diligências encetadas pela aqui autora tendentes ao recebimento das quantias inscritas nos cheques, mantém-se delas privada até ao presente, sendo certo que a dita sociedade E..., Lda. veio a ser declarada insolvente.

Porque estamos perante condutas ilícitas das demandadas, integrando até a conduta da primeira ré o ilícito criminal previsto no art.º 256.º, n.º 1, al. a) do CP, são as mesmas solidariamente responsáveis pelos prejuízos sofridos pela autora, consubstanciados no valor correspondente à soma das quantias inscritas nos cheques, acrescido dos juros de mora vencidos desde as datas neles apostas como sendo as dos respectivos vencimentos, e cujo ressarcimento aqui reclama.

* Regularmente citadas as RR, contestou apenas o C..., SA nos termos da peça que consta de fls. 50 a 54 dos autos, na qual impugnou ter tido conhecimento da falsidade da declaração que lhe foi apresentada pela gerência da sociedade sacadora dos cheques, sendo certo que não lhe competia julgar e decidir se tal declaração era ou não falsa. Deste modo, tendo agido na qualidade de mandatário da sacadora e tendo esta comunicado o extravio dos mesmos, não podia deixar de cumprir as suas instruções, recusando em conformidade o pagamento dos títulos.

Porque a sua descrita conduta permanece lícita, conclui pela sua absolvição.

* Dispensada a realização de audiência preliminar, prosseguiram os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças das quais reclamou a contestante C..., SA, sem êxito embora (cf. despacho de fls. 104 do processo físico).

Teve lugar audiência de discussão e julgamento, vindo o Tribunal a responder à matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 182 a 187, sem reclamações, após o que foi proferida sentença que, tendo condenado a ré D...no pedido formulado, dele absolveu a C..., SA.

Inconformada com o decidido, recorreu a autora no que à absolvição da instituição bancária sacada diz respeito e, tendo apresentado doutas alegações, delas extraiu as seguintes conclusões: “1.ª A resposta ao quesito 21.º da base instrutória (“provado apenas que a 1.ª Ré ordenou o cancelamento dos referidos cheques a pedido da 2.ª Ré e em virtude do falecimento do sócio gerente da empresa E..., Lda.” onde se questionava “Não se tendo certificado previamente de justa causa para tais devoluções?”) não corresponde à matéria alegada pelas partes, nem o Tribunal levou tais factos à base instrutória (dando oportunidade à Autora de exercer contraditório) violando-se, deste modo, o disposto nos artigos 264.º e 664.º do CPC e ferindo a sentença de nulidade nos termos do art. 668.º CPC.

Subsidiariamente e sem prescindir (recurso da decisão relativa à matéria de facto), 2.ª Em face da prova produzida – mormente, documento fls. 58 (doc. n.º 1 junto com a Contestação); Documento fls. 59 (doc. n.º 2 junto com a Contestação); documento fls. 110 (doc. n.º 2 junto com o requerimento do Apelado de 9.11.2010); depoimento de G...(fragmentos 00:02:03 a 00:03:10; 00:05:07 a 00:06:40 e 00:15:38 a 00:18:47); e depoimento de H... (fragmentos 00:07:44 a 00:07:59; 00:08:25 a 00:09:41; 00:11:41 a 00:16:08; 00:17:23 a 00:18:16 e 00:22:51 a 00:24:07) – a Mma. Juíza a quo deveria ter dado como provado o quesito 21.º da base instrutória, uma vez que a prova citada demonstra que o Banco Apelado, ao aceitar a revogação dos cheques, «Não se certificou previamente da justa causa para tais devoluções» (factualidade que deveria ter sido julgada como provada).

Ainda sem prescindir, ainda que assim não se entendesse (Recurso da decisão relativa à matéria de direito), 3.ª Nos termos do disposto no art.º 483.ºdo Código Civil «Aquele, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger a interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelo danos resultantes da violação».

Assim sendo, 4.ª Conforme sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça (no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2008) «Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º, n.º 1, do Código Civil», conclusão esta plenamente aplicável no caso vertente (em que o Apelado C..., aceitou, durante o prazo de apresentação a pagamento, ordem de revogação de dois cheques apresentada pela 2.ª Ré, sem aferir da existência de justa causa para a revogação).

Deste modo, 5.ª Note-se, neste particular, que “Não basta, para lograr tais desideratos, a simples afirmação genérica, abstracta e não fundamentada de “extravio”, “vício na formação da vontade”, “roubo”, etc., para que se ache integrada a “justa causa” dos artigos 1170.º, número 2 do Código Civil. Impõe-se – não só em função do interesse da instituição bancária como das legítimas expectativas dos terceiros acima referenciados – que o motivo justificativo da revogação – ainda que se traduza num mero extravio – seja minimamente fundamentado e, mais, que seja verdadeiro, real, efectivamente ocorrido (ou, pelo menos, que o sacador, de boa fé, esteja disso convencido)” [Ac. do TRL de 19/05/2011, proc. n.º 2978/08.7TJLSB.L1-6, em que foi relator o Exmo. Senhor Desembargador José Eduardo Sapateiro].

  1. Com efeito, mesmo que se entenda a convenção de cheque como uma modalidade de mandato específico, a verdade é que o art.º 1170.º do Código Civil (CC) – que, no seu n.º 1, dispõe que «O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação» – dispõe no seu n.º 2 que «Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo justa causa» (sublinhado nosso).

    Ora, 7.ª Conforme acima aludido, neste tipo de situações é ao Banco sacado um especial dever de diligência (ou seja, no momento da recepção da declaração de revogação do sacador e, ainda, no momento da devolução), motivo pelo qual, o Recorrido C... – ao bastar-se com uma mera declaração de revogação, sem realizar qualquer diligência complementar – agiu manifestamente com culpa (note-se que é o próprio Banco Apelado que refere ter-se bastado com a apresentação formal de um documento de revogação, defendendo que não tem de ajuizar da bondade do mesmo, por se encontrar vinculado a tal ordem do subscritor).

  2. Acrescente-se, aliás, que nos termos do o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – SICOI, emitido pelo Banco de Portugal sob a forma de instrução (Instrução n.º 25/2003, BO n.º 10, de 15 de Outubro de 2003), o banco tomador (onde o cheque é apresentado a pagamento) «é obrigado a enviar ao sacado, na mesma sessão da apresentação do registo lógico e dentro do horário definido no manual de funcionamento, as imagens dos cheques e dos documentos afins» (Ponto 14. da instrução n.º 25/2003), facto que, para além de infirmar as afirmações das testemunhas do Banco no sentido de não saberem a entidade do emitente dos cheques, demonstra que o Apelado tinha e podia ter...

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