Acórdão nº 302/10.8GBAND-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes em conferência na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do inquérito n.º 302/10.8GBAND, que correu termos nos Serviços do Ministério Público na Comarca do Baixo Vouga – Anadia, no qual, além do mais – na sequência de queixa apresentada por A..., SAU (LPR) - se investigou a prática de um crime de furto qualificado ou de abuso de confiança qualificado, findo o mesmo o Ministério Público, considerando não se mostrar suficientemente indiciada a prática pela sociedade B...- dos sobreditos crimes, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, n.º 2 do CPP, determinou o arquivamento dos autos, ordenando, ainda [no mesmo despacho] a restituição das 488 paletes apreendidas nos autos à sociedade LPR «enquanto legítima proprietária das mesmas» - [cf. fls. 144 a 153].

  1. Não se conformando com a decisão, no segmento em que determinou a restituição das ditas paletes apreendidas à sociedade LPR «enquanto legítima proprietária das mesmas», reagiu a B... –, em requerimento dirigido ao Juiz de Instrução Criminal, invocando a nulidade, nessa parte, do despacho do Ministério Público, o qual encerraria «contradição evidente», ou, quando assim se não entendesse, de «séria irregularidade», que urgia corrigir, adiantando, mesmo, tratar-se de decisão, ferida do «vício de inexistência».

    Terminou pedindo que fossem os invocados vícios declarados e, por via disso, o «despacho proferido revogado no que respeita à restituição das paletes à LPR, e, em substituição, fosse ordenada a restituição das paletes em causa à B... …, proprietária, possuidora e detentora daqueles bens à data da apreensão efectuada.» - [cf. fls. 169 a 175].

  2. Decorrido o prazo para requerer a abertura da fase da instrução, sem que tal se tenha verificado, e após proceder à audição de A..., S.A.U., a qual se pronunciou nos termos de fls. 204 a 207, defendendo o indeferimento do requerido com a, consequente, manutenção da decisão do Ministério Público no segmento em que determinou que as paletes apreendidas lhe fossem restituidas – sendo que o Ministério Público já havia, antecipadamente, mantido integralmente o teor do despacho de arquivamento [cf. fls. 178] – pronunciou-se o Juiz de Instrução conforme fls. 225 a 227, decidindo: «1. Declarar juridicamente inexistente o despacho de arquivamento na parte em que decide o conflito sobre a propriedade dos bens apreendidos nos autos determinando a sua entrega à ofendida A...

    , devendo os bens permanecer apreendidos nos autos até decisão judicial transitada em julgado que venha a dirimir o referido conflito; 2. ordenar a autuação, por apenso através de certidão, como «incidente sobre destino de bens apreendidos», do processado a fls. 153, parte final, 169 a 194, 197 a 224 e do presente despacho; 3. notificar os intervenientes no referido incidente para, querendo e em 10 dias, juntarem e/ou requererem a produção de prova que ainda não tenha sido junta aos autos em vista à decisão sobre o destino dos bens apreendidos.

    (…)».

  3. Após ter sido recolhida/produzida, no âmbito do «incidente sobre o destino de bens apreendidos» prova pessoal e documental, por despacho de fls. 481 a 484, decidiu o Juiz de Instrução: «Face ao exposto, nos termos do disposto nos artigos 178.º n.º 6 e 186º nº 1 do CPP, reconhece-se a LPR – A... SAU como legítima proprietária das paletes apreendidas nos autos, determina-se que lhe sejam restituídas.

    (…)».

  4. Inconformada com o assim decidido recorreu “B... – Comércio de Produtos de Embalagem Unipessoal Lda.”, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1.º Na sequência da tomada de posição por parte da LPR no presente apenso, no âmbito do exercício do direito ao contraditório veio a B... apresentar o requerimento de fls. …, em que se pronunciou relativamente aos requerimentos apresentados pela LPR em 13/01/2012 e em 13/02/2012, impugnando a genuinidade de vários documentos juntos pela LPR em tais requerimentos, bem como invocando a sua impossibilidade de se pronunciar em relação a muitos de tais documentos por os mesmos estarem redigidos em idioma estrangeiro que não se domina.

    1. Nos termos do previsto no art. 139.º e 140.º do CPC aplicável ex vi art. 4.º do CPP, o idioma a empregar nos autos é o português, devendo os documentos redigidos em idioma estrangeiro serem traduzidos.

    2. No caso concreto afigura-se não só que inexiste qualquer tradução dos documentos redigidos em idioma estrangeiro, bem como, foram devidamente impugnados uma série de documentos relativamente à sua genuinidade e teor.

    3. No entanto, verifica-se que ao que parece o Julgador na sua decisão terá levado em conta os documentos redigidos em idioma estrangeiro sem que os mesmos fossem traduzidos para português, mesmo quando a B... havia salientado, invocando por requerimento, que não dominava tal idioma e que estava assim impossibilitada de exercer o contraditório.

    4. Uma vez que o Julgador entendeu tais documentos como relevantes para a boa decisão da causa, encontrando-se tais documentos redigidos em idioma que não o português, sempre se impunha que fosse oficiosamente ordenada a sua tradução para o português, por forma a permitir às partes em litigio entender a forma e sentido como como o julgador possa ter interpretado os documentos em que se estriba a sua decisão.

    5. Ao não o ter feito foi preterida uma formalidade processual legalmente imposta pelos art. 139.º e 14.º do CPC aplicáveis ex vi art. 4.º do CPP, o que consubstancia uma irregularidade processual prevista no art. 123.º do CPP, que não obstante ser de conhecimento oficioso (art. 123º n.º 2 do CPP) expressamente se invoca.

      Bem como, ao que parece, alicerçando-se a decisão em tais documentos redigidos em idioma estrangeiro juntos pela LPR e sendo omissa a decisão relativamente ao sentido em que os mesmos foram interpretados igualmente se verificará a nulidade prevista no art. 379.º n.º 1 do CPP por referência ao art. 374.º n.º 2 no que respeita à ausência do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, designadamente dos documentos redigidos em idioma estrangeiro, até porque atento o alegado pela LPR no ponto 3 do seu requerimento de 13/02/2012 nunca surgir a sua (LPR) identificação em qualquer documento estrangeiro, mas sim, e conjugado com o que alegou, a identificação de uma terceira entidade.

    6. Não se concebendo assim como é que a LPR acabou por ser considerada titular de quaisquer direitos no âmbito do CPI sobre o que quer que seja … 8.º A B... no seu requerimento igualmente invocou taxativamente a ilegitimidade processual da LPR, uma vez que a mesma expressamente confessou não ser proprietária das paletes em causa. (cfr. art. 22 a 28 do requerimento apresentado pela arguida B...).

    7. No entanto, a decisão proferida é totalmente omissa em relação a tal excepção de ilegitimidade processual invocada pela B....

    8. Referindo inclusivamente no seu início que “Não há questões prévias que importe conhecer.”.

    9. Perante a ilegitimidade processual da LPR invocada nos presentes autos pela arguida B..., sempre teria o julgador de se pronunciar sobre tal questão.

    10. Ao não o fazer igualmente se verifica a nulidade prevista no art. 379.º nº 1 alínea c) do CPP, por referência ao não conhecimento de tal questão suscitada pela arguida B.... O que expressamente se invoca.

    11. Por referência à decisão a proferir, a mesma deverá referir-se apenas e tão só sobre a questão de decidir a quem entregar os bens apreendidos nos presentes autos.

    12. Caso contrário, estaríamos a impor ao tribunal penal que decidisse questões que são indubitavelmente do foro cível. O que não se concebe. Desde logo atento o teor indiciário da prova produzida, e o previsto no art. 186.º do CPP.

    13. No entanto, a decisão proferida refere expressamente que reconhece a LPR como legitima proprietária das paletes em causa. Extrapolando em absoluto a delimitação da questão a decidir, que se prendia apenas e tão só com “a quem deverão ser entregues os bens apreendidos?” 16.º Qualquer decisão acerca da efectiva propriedade das paletes em causa apenas poderia ser proferida por um tribunal cível. Nunca no âmbito do processo penal, e muito menos no âmbito de um “incidente sobre destino de bens apreendidos”, sob pena de o tribunal agir fora da sua competência. O que se verificou no caso concreto, e expressamente se invoca. Consubstanciando tal a nulidade prevista no art. 119.º alínea e) do CPP. Que expressamente se invoca.

    14. Não se concebe como alegando expressamente a LPR no seu requerimento 13/02/2012 que não é proprietária das paletes, mas identificando como tal uma entidade terceira, pode o julgador, em clara e evidente contradição com a confissão dos factos apresentada pela LPR, reconhecê-la proprietária de algo que aquela expressamente afirma não ser.

    15. A decisão recorrida, atentas as disparidades entre os vários depoimentos produzidos, para além dos mesmos não serem consonantes mas sim contraditórios (como aliás já foi demonstrado), é totalmente omissa quanto aos critérios e raciocínios que levaram o Julgador a considerar uns depoimentos verdadeiros em detrimento de outros.

    16. Por exigência do art. 205.º n.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas nos termos legais. Por sua vez, os requisitos da sentença, nos termos do art. 347.º n.º 2 do CPP, impõem que ao relatório se siga a fundamentação, com a enumeração dos factos provados e não provados, e com uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

    17. Tal imposição de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e do seu exame crítico, tem por finalidade garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto...

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