Acórdão nº 672/09.0T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelLUIS CRAVO
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra * 1 – RELATÓRIO “V (…) SRL”, com sede em via S. Lorenzo, 42, Cá Rainati, San Zenone degli Ezzelini, Treviso, Itália, intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra “B (…), S.A.

”, com sede na Rua de João Tavira, nº 30, Funchal, alegando, em síntese, que é legítima portadora de um cheque com o nº1800648002, no montante de € 10.700,00 sacado sobre o banco R., cheque este que foi emitido por (…) e entregue a ela A. em pagamento (parcial) de mercadoria por esta última fornecida, sucedendo que o cheque foi apresentado a pagamento, mas foi devolvido, na Compensação do Banco de Portugal, sem pagamento, com a nota de “por cheque revogado por justa causa – extravio”, porém a informação de “extravio” aposta na parte posterior do cheque é falsa, tendo a R. aceitado a ordem de “revogação” do cheque sem ter procurado obter quaisquer informações, designadamente junto da ora A. ou do Banco intermediário italiano, sobre a forma por que o cheque havia chegado ao poder daquela (A.), sendo certo que aceitando, mecanicamente, a “revogação” do cheque por extravio, a R. impediu que ela ora A. recebesse o respectivo montante e causou-lhe um prejuízo no valor de € 10.700,00 dele constante, pois o devedor foi declarado insolvente, termos em que concluiu no sentido de que, na procedência da acção, por provada, fosse a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 12.055,34, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, sobre o montante de € 10.700,00, desde a entrada da petição em juízo e até integral pagamento.

* Citada a Ré, deduziu esta a sua contestação a fls. 27, na qual alega desconhecer se o cheque dos autos foi ou não entregue à A., com que finalidade e em que circunstâncias, sendo que o cheque foi devolvido com fundamento em justa causa por extravio, por ter sido essa a instrução do cliente/sacador ao banco R.; este, como sempre faz, verificou a situação com base na actuação do cliente, verificando se era ou não hábito deste fazer estes pedidos cancelamentos de cheques, se a conta a sacar andava a descoberto e se tinham sido ou não devolvidos cheques por falta de provisão; e verificou que era seu cliente desde 2001, que era um cliente de crédito e cumpridor e que a conta sobre a qual foi sacado o cheque era pouco movimentada a débito por saque de cheques; este cliente só foi incluído na LUR (Listagem de Utilizadores de Risco), por emissão de cheques sem provisão de outras instituições bancárias, passados dias após ele ter feito a comunicação do extravio do cheque; assim, ele R. agiu com a diligência e cuidado que lhe é exigível, sendo certo que, por outro lado, o cheque em causa nunca seria pago por falta de provisão da conta, sendo devolvido sem pagamento como o foram outros cheques por essa altura, termos em que pugnou pela improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos formulados.

* A A. deduziu articulado de resposta, no qual manteve o já defendido na petição inicial.

* Foi proferido despacho saneador e foi elaborada a condensação que não sofreu reclamações.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, não tendo sido objecto de reclamação as respostas aos quesitos constantes do despacho de fls. 328 a 330.

* Na sentença, considerou-se, em suma, que o Banco R. agiu de forma ilícita e culposa ao aceitar a revogação do cheque ajuizado, o que gera obrigação para o mesmo de indemnizar a A. no quadro da responsabilidade civil extra-contratual, donde, por estarem verificados todos os requisitos para o funcionamento desta, se concluiu por julgar a acção procedente, e, em resultado disso, se condenou o R. “B (…) S.A.”, a pagar à A. “V (…) SRL”, a quantia de € 10.700,00 (dez mil e setecentos euros), com juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da devolução do cheque até integral pagamento.

* Inconformada, apresentou o R. recurso de apelação, que finalizou com as seguintes conclusões: (…) * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

* Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

* 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil, face ao que é possível detectar: - se ocorreu inutilidade superveniente da lide (art. 287º, al.e) do C.P.Civil) com a assunção de dívida por 3º; - se ocorreram nulidades da sentença (art. 668º, nº1, als. b) e e) do C.P.Civil); - se ocorreu incorrecto julgamento de facto (ponto 10º da Base Instrutória); - se ocorreu erro na aplicação do direito (sob o aspecto do ónus de prova, do AUJ nº 4/2008 de 28.02.2008 e dos pressupostos da responsabilidade civil).

* 3 – FUNDAMENTAÇÃO 3.1 – Tendo em vista o conhecimento das várias questões, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, o que naturalmente contempla a conjugação da condensação dos factos assentes com os decorrentes das respostas dadas aos quesitos da base instrutória elaborada, obviamente sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade. Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados na 1ª instância: I – J (…) subscreveu, a favor de “V (…), SRL”, o cheque nº 1800648002, emitido sobre a conta solidária DO nº 60335877/10 da agência de Aveiro do B (…)da titularidade de J (…)– ( (…). [al.A) dos Factos Assentes]; II – Este cheque está datado de 2006/03/17, é do montante de € 10.700,00, tem, no canto superior esquerdo, dois traços paralelos feitos na diagonal e está, nele, riscada a expressão “à ordem”, por cima da qual foi escrita, à mão, a expressão “não à ordem”. [al.B) dos Factos Assentes]; III – “V (…), SRL”, apresentou o mesmo cheque a pagamento, mas este foi devolvido, na Compensação do Banco de Portugal, sem pagamento, com a nota de “porcheque revogado por justa causa – extravio”. [al.C) dos Factos Assentes]; IV – No cheque em referência, para além da alteração dita em B), não existe qualquer rasura, ou alteração de nome ou dos demais dados. [al.D) dos Factos Assentes]; V – Foi o subscritor (J (…)) do cheque identificado na Matéria Assente quem o preencheu, nele escreveu a expressão “não à ordem” e o entregou à ora A. para pagamento parcial dos materiais constantes da factura nº 1117, constante de fls. 13 a 17. [resposta ao quesito 1º da Base Instrutória]; VI – A R. aceitou a ordem de “revogação” do cheque sem ter procurado obter quaisquer informações junto da ora A. ou do Banco intermediário italiano sobre a forma por que o cheque havia chegado ao poder daquela (A.). [resposta ao quesito 3º da Base Instrutória]; VII – A ora A. fez remeter, a 29/06/2007, por intermédio do seu mandatário forense, a J (…), a carta de fls. 18, a pedir o montante total de € 12.494,75, do montante do cheque, acrescido de juros de mora e despesas bancárias com a devolução do cheque. [resposta ao quesito 6º da Base Instrutória]; VIII – O J (…) recebeu a carta. [resposta ao quesito 7º da Base Instrutória]; IX – A C (…) respondeu a esta com a carta de fls. 20, propondo o plano de pagamento que da mesma carta consta. [resposta ao quesito 8º da Base Instrutória]; X – A ora A. não recebeu, até ao presente, a importância de € 10.700,00 que se encontrava titulada pelo cheque em causa. [resposta ao quesito 9º da Base Instrutória]; XI – Nem se antevê que a possa receber, já que o sacador foi declarado insolvente. [resposta ao quesito 10º da Base Instrutória, com destaque nosso, por o mesmo se encontrar questionado pela R./apelante]; XII – J (…) enviou, a 16/12/2005, ao ora R. a carta de fls. 32, pedindo a anulação do cheque nº 1800648002, emitido sobre a sua conta de DO nº 078.00603358.011.0, no montante de € 10.700,00, por se ter extraviado. [resposta ao quesito 11º da Base Instrutória]; XIII – O B (…) após ter recebido esta carta, verificou a situação para despistar indícios de falsas declarações e verdade da motivação ínsita na carta, indagando se: a) - era ou não hábito do seu cliente J (…) fazer estes pedidos de cancelamento de cheques; b) – a conta a sacar andava a descoberto; c) - tinham sido ou não devolvidos cheques por falta de provisão.

[resposta ao quesito 12º da Base Instrutória]; XIV – Verificou que era seu cliente desde 2001 e que ele era um cliente de crédito e cumpridor. [resposta ao quesito 13º da Base Instrutória]; XV – A conta sobre a qual foi sacado o cheque era pouco movimentada a débito por saque de cheques. [resposta ao quesito 14º da Base Instrutória]; XVI – Tinha havido, durante todo o ano de 2005, alguns cheques sacados cujo pagamento o BANIF autorizou a descoberto, que de seguida foi regularizada, exactamente por o cliente lhe merecer confiança na sua actuação enquanto cliente e sacador de cheques. [resposta ao quesito 15º da Base Instrutória]; XVII – O cliente não tinha antes feito comunicação de extravio de cheques. [resposta...

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