Acórdão nº 380/09.2TBAVR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ GUERRA
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra I- RELATÓRIO 1. No incidente pleno de qualificação da insolvência de D (…) Lda., os credores A (…), Ldª e DL (…) apresentaram alegações pugnando pela qualificação da insolvência como culposa alegando que: pouco tempo antes da declaração da insolvência, o (único) gerente da insolvente, nessa qualidade, com a cumplicidade e vantagem patrimonial de familiares, alienou três prédios da insolvente sem que na respectiva contabilidade tenha entrado o produto dessa venda; a apresentação à insolvência assenta num plano estratégico previamente traçado destinado à subtracção patrimonial da aqui insolvente e de outras duas sociedades geridas pela mesma pessoa, em prejuízo de todos os credores; em Fevereiro de 2008, Arnaldo Oliveira, na qualidade de gerente da insolvente, vendeu dois imóveis desta pelo preço individual e declarado de € 260.000,00, quando o valor de cada um deles era de € 375.000,00.

2. O sr. administrador da insolvência juntou parecer alegando que procedeu à resolução incondicional do contrato de compra e venda de três prédios da insolvente realizada em Dezembro de 2008 a (…), que qualificou de ato celebrado a título gratuito porquanto, não obstante nela se ter declarado que a insolvente havia sido paga do preço declarado de € 65.000,00, o facto é que tal valor não entrou em qualquer conta da insolvente nem foi contabilizado porquanto, conforme lhe foi declarado pelo gerente da insolvente, o dito ato constituiria uma forma de dação em pagamento efectuada a um credor; mais alegou que as conclusões alcançadas em auditoria centrada à movimentação da conta de sócio do gerente (…) – por ter constatado uma utilização da mesma como plataforma de movimentos contabilísticos diversos e circunstancialmente avultados – não permitem fundamentar uma insolvência culposa por ausência de prova de qualquer prejuízo para os credores motivados por actos de gestão do gerente (…) para além do ato que resolveu, subsistindo dúvidas cujo esclarecimento apenas se poderia alcançar através de auditoria a outras empresas que estão fora do seu domínio do administrador da insolvência nestes autos.

Concluiu pela qualificação da insolvência com carácter fortuito.

3. O Ministério Público emitiu parecer concluindo pela qualificação da insolvência como culposa com fundamento legal nas als. a), b) e d) do nº 2 do art. 186º do CIRE alegando que, conforme conclusões do relatório junto pelo sr. Administrador da insolvência, dele resulta que nem todos os movimentos registados nas contas de sócio encontram boa justificação nos elementos que lhe foram apresentados para consulta, havendo necessidade de proceder a uma auditoria mais extensa, pelo que nessa matéria vários aspectos ficaram por esclarecer; mais alegou que, conforme relatório de auditoria solicitada à Divisão de Justiça Tributária, o sócio gerente da insolvente transferiu três imóveis desta a favor de (…), acto que qualifica de comportamento grave susceptível de esvaziar o património da insolvente com prejuízo para os respectivos credores.

4. A insolvente e o requerido (…) deduziram oposição, alegando que: a venda dos lotes a (…) foi celebrada no intuito de pôr termo a questões, atinentes com os ditos lotes, que eram objecto de discussão em acção judicial movida pela insolvente contra D (…)Ldª do credor DL (…), considerando que este e aquele tinham boas relações entre si e que, por causa daquelas questões, a insolvente estava impedida de dar a utilização devida aos referidos lotes, pelo que o pagamento do preço que na venda foi declarado apenas seria pago após a entrega, pela sociedade (…), do montante de € 64.447,65, conforme acordo realizado no âmbito da dita acção, mas que não chegou a ser concretizado/cumprido, ou após a venda a terceiros dos referidos lotes; mais alegou que, face às questões administrativas de licenciamento e exigência de alteração da solução urbanística, aqueles lotes não tinham qualquer valor comercial; os imóveis objecto das vendas realizadas em Fevereiro de 2008, já em declínio acentuado do mercado imobiliário, foram vendidos pelo preço efectivamente declarado e recebido, de € 260.000,00 cada um.

Concluem pela ausência de factos susceptíveis de se subsumirem aos tipos das alíneas do art. 186º s. d), alegando que, através da compra e venda que foi objecto de resolução pelo sr. administrador da insolvência, o gerente da insolvente tudo fez para que um negócio ruinoso, por culpa exclusiva do credor DL (…) e da sociedade por este gerida, gerasse mais valias para a insolvente ou, pelo menos, não gerasse prejuízo, e os restantes bens vendeu-os a preços razoáveis numa fase de declínio do mercado, não se apropriando de bens da sociedade para si.

5. Foi proferido despacho saneador, no qual foram aferidos pela positiva os pressupostos processuais da validade e regularidade da instância e seleccionada, organizada a matéria de facto considerada relevante para a decisão da causa.

6. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e, a final, foi decidida a matéria de facto e proferida sentença na qual se decidiu_

  1. Qualificar como culposa a insolvência de D (…), Ldª.

    b) Declarar afectado pela qualificação o gerente (…) c) Declarar (…) inibido, pelo período de 60 (sessenta) meses, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação, fundação, empresa pública ou cooperativa.

    d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo requerido (…).

    7. Irresignado com o assim decidido, recorreu o requerido (…) o qual encerra o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões: A- No incidente de qualificação da insolvência, relativo à insolvência de D (…), Lda. visões das alíneas d) e h), nº2, do art.186º do CIRE, entendemos não ser, só por si, suficiente para qualificar a insolvência como culposa.

    B – Nas situações a que alude o art.186º, nº2 do CIRE, o que se pretendeu foi extrair uma conclusão jurídica para alcançar a situação definida no nº1, do art.186º, do CIRE ficcionando desde logo a verificação da situação de insolvência dolosa.

    C – Entendemos que o que nos termos da al.h), do nº2, do art.186º vem estabelecido como presunção inilidível da insolvência culposa é o incumprimento, em termos substanciais, da obrigação de manter a contabilidade organizada de molde a poder ser “lida” e entendida, não sendo pois, qualquer incumprimento, nem qualquer irregularidade contabilística que preencha a presunção em questão, o que no caso em apreço, não foi provado, D – e o que nos termos da al.d), do nº2, do art.186º vem estabelecido como tal, é que a disposição de bens tenha favorecido de tal forma o devedor ou terceiros que estes, deste acto, tenham tirado vantagens económicas, o que no caso concreto, não se provou que tenha acontecido.

    E – Embora a lei não preveja nem imponha as regras de dosimetria da fixação do tempo da inibição, temos para nós que, na sua fixação, o juiz deva ter em atenção a gravidade do comportamento e a sua efectiva relevância na verificação da situação de insolvência e, apesar de amparada no escopo da al.c), do nº2, do art.189º, não ultrapassar, em concreto, a linha dos direitos fundamentais do cidadão.

    F – A restrição de 60 meses imposta ao recorrente, não visa salvaguardar o interesse dos credores – sua função essencial – mas antes assume um caracter ou natureza sancionatória, na verdade uma pena, colide frontalmente com os ditames da restrição contidos no art.18º, nº2, da CRP e atenta contra os preceitos do art.26º da CRP que não consente que na restrição a um direito fundamental, violando os princípios da proibição do excesso, da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade ali ínsitos G – e, por conseguinte, face a essa excessividade, tal decisão está eivada de inconstitucionalidade, também porque viola os princípios e direitos constitucionais protegidos e consagrados na Constituição, nomeadamente o direito ao trabalho (art.58º, nº1 da CRP) e com liberdade de escolha (art.47º, nº1 a CRP), o direito à iniciativa económica (art.61º, nº1 da CRP) e até à propriedade privada (art.62º, nº1da CRP), e está ferida de inconstitucionalidade, H – pelo que, não sendo revogada “in totum” a douta sentença sob recurso, deverá fixar-se a inibição pelo máximo de dois anos, nos termos da alínea c), do nº2, do art.189º”.

    8. Contra-alegou o Mº Pº, aduzindo que da verificação das situações previstas nas alíneas d) e h) do Nº2 do Art. 186º do CIRE em que se fundamentou a decisão recorrida para qualificar a insolvência culposa, resulta uma presunção inilidível, pelo que, quando se mostram verificados esses casos e os demais previstos no Nº2 do citado Art. 186º do CIRE, se impõe ao julgador, sem mais exigências, qualificar a insolvência como culposa, e que atenta a gravidade dos factos imputados ao requerido, nenhum reparo há a fazer ao período de inibição que lhe foi aplicada na sentença, pugnando, em consequência, pela confirmação da sentença recorrida.

    Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), é a seguinte a questão a decidir: I- Saber se com base na factualidade considerada provada na sentença recorrida poderão ter-se como verificadas as situações previstas na alíneas d) e h) do Nº2 do Art. 186º do CIRE conducentes à qualificação da insolvência como culposa. II- No caso de vingar a qualificação de culposa, se devem manter-se os efeitos de inibição pelo tempo decretado na sentença recorrida em relação ao seu gerente.

    III – FUNDAMENTAÇÃO

    1. De Facto Na sentença recorrida foi considerado assente o seguinte acervo fáctico: a) Na sequência da apresentação à insolvência por requerimento...

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