Acórdão nº 2582/7.7TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução07 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

  1. ML (…) por si e em representação do filho menor LM (…) instaurou contra Rede Ferroviária Nacional, Refer, EP ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário.

    Pediu a sua condenação da ré no pagamento: a) ao menor LM (…) de uma compensação por danos não patrimoniais nunca inferior a € 140 000.00 euros [sendo a título de dano estético € 50 000,00; a título de dores e sofrimentos e afectação da actividade física e psiquica, € 80 000,00 a titulo de perda de frequência e aproveitamento escolar, uma compensação de € 10 000,00] e de uma indemnização por danos patrimoniais nunca inferior a € 250,000,00 euros [ danos patrimoniais futuros]; b) à autora ML (…) de uma compensação por danos não patrimoniais nunca inferior a € 20 000,00; c) e de juros de mora à taxa legal sobre as sobreditas quantias desde o momento em que se considerarem líquidas e exigíveis até efectivo e integral pagamento.

    Para tanto alegou: O menor sofreu electrocussão através de descarga de energia eléctrica de alta voltagem das catenárias das linhas eléctricas de alta tensão que passam longitudinalmente por cima da linha férrea e que alimentam a deslocação dos comboios.

    Tal aconteceu quando quando procedia a travessia da linha férrea, transpondo vagão, em local sem vedação, sem qualquer sinalização atinente ao perigo decorrente para a presença de linhas condutoras que não se achavam vedada nem possuiam qualquer protecção em seu redor.

    Sofreu queimaduras do 2º e 3º grau, em cerca de 57% da superfície corporal, desfalecendo; sofreu internamento prolongado em unidade de queimados, foi por várias vezes intervencionado- cirurgias múltiplas; apresenta atrofia muscular, que lhe compromete a locomoção e mobilidade, manquejando; padeceu em consequência do acidente dores fortes e intensas e apresenta danos de cariz psicológico, profundo desgosto e dor psíquica, por se saber fisicamente diminuído e a padecer, para toda a vida, de lesões e deformações;ficando a padecer de hiperactividade.

    A mãe padece, acompanhando o menor em todo sofrimento, desde o dia do acidente e o acompanha, lava, veste, cuida, transporta aos tratamentos.

    A ré inobservou o art. 17º, nº 1 do Regulamento de Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro- que estatui que o terreno tem de ser vedado pela empresa sempre que a segurança pública o exija, sendo que quer a actividade de gestão da infra-estrutura quer a actividade de transporte e condução de energia em alta tensão constituem actividades perigosas.

    Contestou a ré.

    Atribuindo a eclosão do acidente à culpa total da vítima, a qual, abusivamente, invadiu domínio público ferroviário destinado a manobras de comboios, e de acesso exclusivo a funcionários, para subir ao topo de um vagão cisterna de cimento, e tocando num feeder da catenária; sendo certo que no vagão se achava afixada uma placa de advertência de cor amarela, contendo o desenho de um raio em vermelho e em letras pretas o aviso: “atenção às catenárias, perigo de morte”.

    Impugna, por não justificados, os valores indemnizatórios referidos.

  2. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: Julgar a ação improcedente, por não provada, e absolver a ré do pedido.

  3. Inconformados recorreram os autores.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra-alegou a recorrida pugnando pela manutenção da decisão já que não se lhe pode imputar a culpa do sinistro e está afastada a responsabilidade pelo risco face à culpa exclusiva do sinistrado.

  4. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. – Improcedência da ação.

  5. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    (…) 5.1.7.

    Por conseguinte os factos a considerar são os seguintes:

    1. O autor (menor, ora já maior) LM (…), filho da A. ML (…) e de LS (…), nasceu 4/06/1992.

    2. Na localidade de Souselas, freguesia de Souselas, concelho de Coimbra, junto à Cooperativa Agrícola de Souselas, ladeada a nascente pela Rua da Cooperativa, existe um ramal de linha férrea, paralelo à Linha do Norte que atravessa a referida freguesia.

    3. No dia 1-09-2006, pelas 17h55m, o menor LM (…), entrou no espaço da linha férrea e subiu a um vagão cisterna de cimento, que se encontrava estacionado na linha IV da referida Estação, tendo, posteriormente, tocado inadvertidamente, no "feeder" da catenária (rectius, zona de influência do mesmo], instalado em plena via férrea e em pleno uso, na sequência do que sofreu forte descarga eléctrica, de alta voltagem, de que resultou a sua electrocussão.

    4. Vítima da electrocussão e das queimaduras, o menor LM (…) foi levado para os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde deu entrada no Serviço de Urgências, tendo sido internado na Unidade de Funcional de Queimados nesse mesmo dia.

    5. A ré REFER é a empresa pública responsável pela rede ferroviária nacional, designadamente pela gestão e conservação da infra-estrutura ferroviária e controlo das actividades relacionadas com a infra-estrutura, sendo que na infra-estrutura ferroviária se integram quer as estruturas e plataformas da via, com bermas, pistas e vedações, mesmo sebes vivas, quer as instalações de transformação e transporte da corrente eléctrica para tracção dos comboios.

      Da base instrutória: (da eclosão do acidente) F) Em frente do parque (infantil) e parque de merendas que ladeia a linha férrea inexistia (e inexiste) qualquer vedação que separe as linhas férreas do espaço que a ladeia, nomeadamente qualquer cancela de madeira, seja de rede, vedação ou chapa metálica, seja em tijolo ou cimento.

    6. Entre a berma da Rua da Cooperativa e a linha-férrea intermedeia uma distância de cerca de 4 a 5 metros (comprimento total), em barreira ou cômoro, parcialmente preenchido por canas e arbustos.

    7. Nesse local, na barreira, existia um espaço livre de árvores ou vegetação, pedras ou lixos ou silvas, consistindo de carreiro, com cerca de 4 metros de extensão; I) Tal local permite a entrada e atravessamento da linha-férrea secundária, de manobras, até à plataforma da linha principal (linha do Norte), situada ainda num plano\ superior, mas não o atravessamento perpendicular e transversal da via ferroviária; J) Junto ao referido cômoro ou barreira adjacente ao referido parque infantil/parque de merendas inexiste qualquer placa ou inscrição advertindo ou referindo a existência de perigo decorrente de caminho de ferro ou de media ou alta tensão.

    8. O menor LM (…) decidiu dirigir-se para a linha-férrea subindo ao local da via a partir do cômoro ou barreira referidos.

    9. Na linha férrea encontrava-se uma composição de vagões e máquina parada, possuindo um dos vagões além de uma pequena escada de acesso a uma primeira plataforma, com cerca de 2 a 3 degraus, uma segunda escada, estreita, lateral, de acesso ao cimo do vagão.

    10. O autor L (…)subiu para a primeira plataforma, e depois também a escada lateral estreita de acesso ao cimo do vagão.

    11. Chegado ao cimo da segunda escada, ainda com as mãos apoiadas na mesma, e com os joelhos apoiados no cimo do vagão, o LM (…) sofre descarga de energia eléctrica.

    12. As catenárias das linhas eléctricas de alta tensão alimentam a deslocação dos comboios e passam longitudinalmente por cima da linha-férrea.

    13. O LM (…), após descer do vagão, auxiliado por terceiros, desfaleceu, ficando prostrado no chão.

    14. As linhas condutoras de energia eléctrica de alta tensão, não se encontravam vedadas nem possuíam qualquer proteção em seu redor.

    15. Outros 2 acidentes com electrocussões e queimaduras a duas pessoas já antes haviam ocorrido.

    16. A inexistência de qualquer vedação ou protecção da via, a inexistência de qualquer placa, sinal ou inscrição de perigo de caminho de ferro, e bem assim a imobilização de vagões e máquinas com linhas de alta tensão dispostos longitudinalmente sobre os mesmos facilitam a ocorrência de acidentes.

    17. As entidade responsáveis e competentes para colocar fim à situação, a CP, antes de 1998, e a R. REFER, depois de tal data, tomaram conhecimento de tais acidentes e foram avisadas pela população de Souselas e pelos próprios membros da Junta de Freguesia local.

      U).

      Mas nada fizeram para vedar e proteger a linha férrea, para inutilizar e impedir o acesso à linha férrea e a sua travessia pelo referido carreiro, para assinalar o perigo inerente ao caminho de ferro e às linhas eléctricas de alta tensão V) Mesmo em frente, separado da linha por uma estrada, continua a situar-se um jardim, com parque infantil, separado da linha ferroviária por uma estrada e a barreira mencionadas.

    18. A actividade de gestão da infra-estrutura de caminho de ferro e a actividade de transporte e condução de energia eléctrica em alta tensão constituem actividades perigosas pela sua própria natureza e pelos meios utilizados.

    19. A situação de perigo para a população foi dada a conhecer aos responsáveis à data, primeiro a CP e depois a Refer, pela população e pelos seus representantes locais.

    20. Nenhuma pessoa, criança ou adulto, poderia alcançar directamente o fio condutor de energia, dada a distância a que o mesmo se encontra do chão.

    21. Só foi possível o menor ser afectado por descarga porquanto inadvertidamente subiu para a primeira plataforma do vagão, e depois ainda as escadas existentes, alcançando o topo do vagão e – e não por o fio condutor se achar derrubado no chão, ao alcance de qualquer pessoa ou animal.

      A

    22. O local onde aconteceu o acidente, junto à Estação de Souselas, não é de acesso permitido ao público em geral, antes sendo espaço destinado a manobras de comboios e de acesso exclusivo a funcionários, tanto da REFER, E.P., na sua qualidade de actual gestora das infra-estruturas ferroviárias nacionais, como da empresa CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., operadora ferroviária, a quem pertencem os comboios que circulam...

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