Acórdão nº 472/09.8TBMGL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução21 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível): * Recorrentes….

MP (…), residente em (…) Penalva do Castelo Recorridos….

MJ (…), viúva residente (…) Penalva do Castelo.

……………… JD (…), residente em Cahorc, França.

…………………DD (…) e esposa MD (…) , residente em Cahorc, França.

* I. Relatório.

  1. Os Autores demandaram os Réus através da presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, com o fim de obterem a condenação destes a (1) reconhecerem os Autores como únicos proprietários do prédio identificado no artigo primeiro da petição inicial; (2) a reconhecerem que o prédio dos Autores beneficia de uma servidão de vistas que onera o prédio dos Réus; (3) a respeitarem a propriedade e o direito de servidão de vistas dos Autores, abstendo-se de, por qualquer meio, o perturbarem; (4) a demolirem, a expensas suas, no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, a parede e telhado/cobertura que construíram junto da extrema norte do prédio dos Autores, deixando um intervalo entre edificações não inferior a um metro e meio.

    Como fundamento para estes pedidos, alegaram a sucessão hereditária e a aquisição originária do prédio em questão, bem como a construção neste prédio, em 1968-1969 de um edifício destinada a habitação, o qual, na sua face norte, que é a face que confronta com o prédio dos Autores, possuiu, desde a construção, uns vãos em forma de janela nas varandas do 1.º e do 2.º andar e uma janela em cada parede das cozinhas do 1.º e 2.º andar, abertas a um metro e meio de altura, a contar do chão de cada uma das cozinhas, com 19,5 cm de largura e 91 cm de altura. Os Autores, desde a construção, sempre olharam através delas para o prédio dos Réus e para a linha do horizonte até aonde a sua vista alcança, assim como sempre abriram estas janelas sem qualquer oposição por parte dos Réus, seus antecessores ou de qualquer pessoa, pelo que adquiriram, por usucapião, o direito de servidão de vistas sobre o prédio dos Réus.

    Referem ainda que no verão de 2009 os Réus levantaram um edifício no seu prédio e encostaram a parede sul desse edifício à face norte da parede do prédio dos Autores, tapando os indicados vãos e janelas e daí o pedido de demolição da parede edificada pelos Réus, na medida necessária ao gozo da aludida servidão.

    No final foi proferida sentença que reconheceu o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio que alegaram ser seu, mas absolveu os Réus dos restantes pedidos.

  2. O Autores conformaram-se com a improcedência da acção no que concerne aos vãos das varandas. Porém, não aceitam a improcedência do pedido relativamente à constituição da servidão de vistas resultante das aberturas existentes na parede do seu prédio, por entenderem que devem ser consideradas janelas e, em todo o caso, mesmo que não recebam essa qualificação, sempre se teria constituído uma servidão de ar e de luz sobre o prédio dos Réus.

    Recorreram nesta parte e concluíram assim: «I - ... II - Os Autores/recorrentes entendem que as aberturas feitas nas cozinhas do seu prédio, referidas em 15) e até 18) e 22) e até 27) da matéria de facto considerada provada e constante da dita sentença, devem ser qualificadas como janelas, e, consequentemente, estar o prédio dos Réus onerado com uma servidão de vistas relativamente a tais janelas.

    III - Deve entender-se que o conceito de janela é obtido pela negativa, ou seja, será janela toda a abertura que não possa qualificar-se como fresta, seteira ou óculo, isto é, numa formulação abrangente, janela é toda a abertura que tenha por destinação objectiva e função normal, para além de fornecer luz e assegurar a entrada de ar, a de facultar vistas permitindo vislumbrar através dela, tenha ou não vidraça, IV - Pelo que, quanto às concretas aberturas (janelas) existentes nas cozinhas descritas, deveria o pedido formulado pelos Autores ter sido julgado procedente, com as devidas consequências.

    V - Por outro lado, diz o tribunal a quo que as aberturas em questão devem ser qualificadas de “frestas irregulares” e que as mesmas não conduzem à constituição de uma servidão de vistas por usucapião.

    VI - Ora, deve entender-se que, mesmo considerando estas aberturas como frestas irregulares, como fez o tribunal a quo, ainda que as mesmas não possam importar constituição de servidão de vistas por usucapião, podem sempre conduzir à constituição de uma servidão de ar e luz, por usucapião, uma vez que, nos termos do artigo 1544º do CC, a servidão pode ter por objecto quaisquer utilidades.

    VII- Se o dono da abertura adquire por usucapião o direito de a manter e de a usar para efeitos de avistar o prédio vizinho, de arejamento e de entrada de luz, então também “não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de impedir que o vizinho a vede” ou tape, tanto mais que, “tratando-se de uma servidão, ela fica sujeita ao disposto no artigo 1568º, o qual não permite ao proprietário do prédio serviente estorvar o seu uso”.

    VIII - Se o dono da abertura irregular adquire, através da usucapião, o direito de assim a manter, então também não se pode negar-lhe o direito de exigir do dono do prédio vizinho que observe o limite legal de 1,50m previsto no citado artigo, pois que, ao invés, ou seja, permitir que o proprietário do prédio vizinho pudesse erguer obra a menos de 1,50m em relação às “aberturas irregulares”, isso seria tolher o exercício dos direitos inerentes àquela servidão atípica de vistas, ar e luz constituída por usucapião.

    IX - Tudo isto implica que os Réus não podem impedir ou dificultar o exercício da servidão atípica (de ar e luz) constituída a favor do prédio dos Autores, ou seja, não podem prejudicar a função que os Autores sempre deram às ditas “frestas irregulares, pois que os Autores adquiriram o direito de manter as mesmas em condições irregulares, e essas condições irregulares implicam necessariamente que se mantenham abertas e não possam ser tapadas, pois de contrário o significado do direito à sua manutenção em condições irregulares deixaria de fazer qualquer sentido.

    X - Concluindo: no caso concreto, ainda que se considere que as aberturas em causa não são janelas, mas ao invés frestas irregulares, deve-se entender que se encontra constituída, por usucapião, a favor do prédio dos Autores, onerando o prédio vizinho dos Réus, não uma servidão de vistas, nos termos em que esta se mostra prevista no artigo 1362º do CC, mas antes uma servidão atípica de entrada de ar e de luz (recorde-se que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dos factos que é feita pelas partes), com a decorrência das consequência referidas supra, ou seja, não podendo os Réus construir a menos de um metro e meio daquelas frestas irregulares, pois que aos mesmos estão impedidos de impossibilitar ou estorvar o exercício dessa servidão (artigo 1568º do CC), pelo que, sempre por aqui também, devem os Réus ser condenados a demolir a construção que fizeram nos demais termos peticionados na petição inicial.

    XI - Com a decisão que proferiu, violou o tribunal a quo as disposições conjugadas dos artigos 1360º, 1362º, 1363º, 1544º e 1568º, todos dos Código Civil.

    Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento …».

  3. Os Réus contra-alegaram concluindo pela improcedência do recurso, referindo, em síntese, que as mencionadas aberturas não podem ser qualificadas como janelas, não se tendo constituído, por isso, qualquer servidão de vistas impeditiva dos Réus encostarem a...

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