Acórdão nº 3310/08.5TBVIS-E.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2013
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 10 de Dezembro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.
A (…) deduziu incidente de incumprimento da prestação alimentícia contra F (…), por dívida deste ao filho menor de ambos, AR (…).
Alegou que foi fixada judicialmente a pensão de 100,00 euros a prestar pelo pai, atualizada anualmente à taxa de 4% com início em dezembro de 2008, e que o requerido não pagou, encontrando-se em dívida, até novembro de 2012, 5.095,68 euros.
Notificado o requerido nada disse.
Pelo que foi proferida sentença na qual, dando-se como provados os factos alegados, se declarou o incumprimento do requerido e se condenou o mesmo no paramento da aludida quantia acrescida das prestações vincendas e dos juros devidos.
Seguidamente o Ministério Público, constatada a impossibilidade de cobrança coerciva dos montantes devidos, veio requerer que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegure o pagamento dos mesmos.
Foram efetuadas as diligências necessárias à instrução de tal pedido, designadamente a elaboração de relatório social relativo ao agregado familiar em que se insere o menor.
O MºPº pronunciou-se no sentido de o FGADM assegurar o pagamento da quantia de 116,97 euros que resulta do fator de atualização de 4% fixado.
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Seguidamente foi proferida sentença na qual se decidiu: Julgar procedente o requerimento formulado pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 1 da Lei nº 75/98 de 19/11 e, em consequência: - fixar em 117€ (cem e dezassete euros), atualizável anualmente, a partir de Maio de 2014 inclusive, de acordo com os índices de preço do consumidor anualmente publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, a prestação a pagar, em substituição do progenitor, pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, relativamente ao menor supra-referido, com início no mês subsequente ao da notificação desta decisão, enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação que impende sobre o progenitor, cessando obrigatoriamente quando o menor atingir a maioridade e devendo as entidades referidas no nº 2 e 3 do referido preceito legal comunicar ao tribunal qualquer facto que possa determinar a alteração ou a cessação da prestação de alimentos a cargo do Estado.
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Inconformado recorreu o FGADM.
Rematando as suas alegações com a seguintes conclusões: 1.
Salvo o devido respeito, não pode o ora recorrente concordar com a douta decisão recorrida.
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Para que sejam atribuídas as prestações de alimentos é necessário que se verifiquem vários requisitos cumulativos.
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Mesmo que assim se não entendesse, o que só por mera hipótese se admite, o FGADM não poderá ser condenado a pagar uma prestação de valor superior à fixada aos devedores originários.
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A obrigação do FGADM é a de assegurar/garantir os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.
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Ora, a obrigação legal de prestar alimentos é diferente da obrigação judicial de os prestar, sendo que só existe obrigado judicial desde que o tribunal o defina como devedor de alimentos, isto é, o condene em determinada e quantificada prestação alimentar.
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Sendo indubitável que a letra da lei aponta no sentido de que o FGADM apenas garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados.
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E a verdade é que ao caso em apreço desconhece o FGADM qual o valor da prestação de alimentos fixada para o progenitor pai.
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Sucede porém que, e como consta na douta decisão que ora se recorre, cite-se “(…) face ao montante da prestação de alimentos judicialmente fixada, ao montante em divida e ás condições de vida do menor, entendo que deve de ser fixada em 117€ a prestação a assegurar pelo FGA (…)”.
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De referenciar que, a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM, autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal, não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
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A verdade é que o FGADM desconhece o valor da prestação fixado ao progenitor/ devedor.
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A este propósito cumpre esclarecer que a responsabilidade do FGADM é, residual, uma vez que a satisfação do pagamento das prestações alimentícias incumbe em primeira mão aos pais e só quando tal é inviável é que intervém o Estado, assumindo tal pagamento e desde que preenchidos os requisitos cumulativos exigidos por Lei.
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Admitir o contrário, face ao que anteriormente foi referido, seria iludir o espírito da Lei, abrindo a porta à desresponsabilização dos obrigados a prestar alimentos, por saberem, a priori, que o Estado supriria as suas faltas. Essa, não foi, certamente, a intenção do legislador.
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Na verdade, não só seria incomportável para o Estado colmatar carências pretéritas dos menores, como seria inadequado substituir o obrigado originário a alimentos, no seu inalienável dever de prover ao sustento e educação daqueles.
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O Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado para esta. Valor este que o fundo desconhece.
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Esta prestação é autónoma relativamente à do obrigado a alimentos, e, para a sua fixação, é necessária a verificação do incumprimento e da impossibilidade da sua satisfação por este último.
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A vertente da autonomia da prestação do Estado ressalta, desde logo, do facto de que a acumulação de várias prestações vencidas pelo obrigado a alimentos constitui um dos elementos a ter em conta para o apuramento das necessidades dos menores, podendo influir no montante da prestação a suportar pelo Fundo, que poderá ser diversa da devida pelo obrigado.
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É que o FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes assegurando, face à verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação “a forfait” de um montante por regra equivalente – ou menor – ao que fora judicialmente fixado – vide Remédio Marques in “Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos A Menores).
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No caso concreto, parece ter sido intenção do legislador acudir a uma situação de necessidade do menor, necessidade presente, decorrente do incumprimento do obrigado principal. Evitar que se repitam situações, que podem ser irremediáveis, de o menor não ter alimentos. Fazer com que, verificado o incumprimento do principal obrigado, o menor tenha assegurado o seu sustento.
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O momento da verificação da impossibilidade de o progenitor satisfazer a obrigação a que estava vinculado é, assim, o da decisão judicial que julgue procedente o incidente de fixação da obrigação do Estado em substituição do devedor originário.
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O legislador não sentiu necessidade de as incluir na garantia prestada. Pelas mesmas razões, que não sentiu necessidade de garantir a...
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