Acórdão nº 53/10.3TBPNH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

C… e J… pediram ao Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Pinhel que condenasse G…, S.p.a. a pagar ao último a quantia de € 7.500,00, pela perda total do veículo e juros à taxa legal de 4%, e à primeira as quantias de: a) € 2.500,00, emergente de internamento hospitalar pelo período de 15 dias e operações cirúrgicas ocorridas no mesmo lapso de tempo; b) € 75.000,00, pelas ofensas à integridade física e psíquica, quantum doloris e prejuízo de afirmação pessoal; c) € 27.500,00, emergentes de dano estético; d) € 1.765,65, emergentes das despesas suportadas pela autora em consequência das lesões sofridas no acidente; e) € 85.000,00, emergentes dos danos patrimoniais futuros e incapacidade permanente que exige da 1ª autora esforços acrescidos na sua actividade profissional; f) Juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.

Fundamentaram esta pretensão no dano patrimonial e não patrimonial que sofreram em consequência do embate, ocorrido no dia 24 de Janeiro de 2008, na EN nº 226, em Cerejo, Pinhel, entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros …-PN, conduzido por B…, seguro na ré, e o veículo, da mesma categoria, …-FR, conduzido pela autora, C…, propriedade do autor J…, imputável a uma culpa negligente da primeira que, subitamente, saiu da sua faixa de rodagem, invadiu totalmente a faixa em que circulava o veículo …-FR, causando a colisão entre ambos.

Oferecido o articulado de contestação – no qual a ré aceitou a dinâmica do sinistro apresentada pelos autores mas recusou a imputabilidade de todos os danos ao sinistro e os valores indemnizatórios pedidos – e instruída, discutida e julgada a causa, a sentença final, julgando a acção parcialmente procedente: 1.

Condenou a demandada a pagar:

  1. Ao autor J… a quantia de € 6.000, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e até integral pagamento; b) À autora C… a quantia de € 30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; c) À autora C… a quantia de € 35.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, quantia actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; d) À autora C… o montante de € 1.705,65, a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais já verificados, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e até integral pagamento.

    2.

    Absolveu a demandada do demais peticionado pelos autores J… e C..

    .

    É esta sentença que os autores e a ré impugnam através do recurso ordinário de apelação, principal e subordinado, respectivamente.

    Os autores – que pedem no seu recurso a condenação da ré por danos não patrimoniais e por danos futuros na quantia de € 102.500,00 – remataram a sua alegação com estas conclusões: … Por sua vez a ré – que pede, no seu recurso, a modificação do quantum indemnizatório, a título de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais para valores inferiores aos sentenciados – extraiu da sua alegação estas conclusões: … Nenhum das partes respondeu ao recurso da outra.

    1. Factos provados: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O âmbito objectivo do recurso é delimitado, desde logo, pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao recorrente (artº 684 nº 2, 2ª parte do CPC). A restrição objectiva do âmbito do recurso pode, no entanto, ainda ser feita pelo proprio recorrente, tanto no requerimento de interposição do recurso, como nas conclusões da alegação (artº 684 nº 2, 1ª parte, e 684 nº 3 do CPC).

    Os recorrentes pediram, na instância recorrida, com fundamento numa responsabilidade delitual, a condenação da apelada no dever de os indemnizar do dano patrimonial e não patrimonial que suportaram em consequência de facto civilmente ilícito e culposo, inteiramente imputável ao condutor do veículo automóvel …-PN, cuja responsabilidade, decorrente da sua circulação, por danos causados a terceiros, foi contratualmente transferida para a demandada.

    Os recorrentes C… e J… desdobraram o quantum da obrigação de indemnização, que julgam ser devida a cada um deles, nas parcelas seguintes: ao último, quantia de € 7.500,00, pela perda total do veículo e juros à taxa legal de 4%, e à primeira as quantias de: a) € 2.500,00, emergente de internamento hospitalar pelo período de 15 dias e operações cirúrgicas ocorridas no mesmo lapso de tempo; b) € 75.000,00, pelas ofensas à integridade física e psíquica, quantum doloris e prejuízo de afirmação pessoal; c) € 27.500,00, emergentes de dano estético; d) € 1.765,65, emergentes das despesas suportadas pela autora em consequência das lesões sofridas no acidente; e) € 85.000,00, emergentes dos danos patrimoniais futuros e incapacidade permanente que exige da 1ª autora esforços acrescidos na sua actividade profissional; f) Juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.

    A sentença impugnada desamparou largamente a pretensão indemnizatória da recorrente principal, C…, tendo-se limitado a condenar a demandada a pagar-lhe as quantias de € 1.705,65, a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais já verificados, de € 30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e a de € 35.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros.

    Os recorrentes principais abrem a sua alegação com a declaração de que o seu recurso, no que concerne ao respectivo âmbito, incidirá unicamente sobre a matéria de facto. Mas esta afirmação é prontamente desmentida pelo conjunto da alegação mesma dos autores e pelas conclusões com que a encerraram.

    Patentemente, o descontentamento dos recorrentes principais não tem por objecto a decisão da matéria de facto – mas unicamente a questão de direito. Realmente, a discordância dos autores relativamente à sentença impugnada não se dirige contra a decisão da questão de facto – mas contra a subsunção da matéria de facto averiguada à norma jurídica aplicada. No seu ver, a sentença apelada incorreu num erro sobre a estatuição - i.e., num erro respeitante à aplicação ao caso concreto da consequência jurídica definida pela norma escolhida para enquadrar esse mesmo caso – dado que, no tocante à fixação da indemnização devida pelos danos não patrimoniais e pelos danos futuros, aquela sentença – de harmonia com a sua alegação - violou as normas jurídicas dispostas na lei substantiva para o cômputo da reparação de uma e de outra espécie de danos.

    De resto, caso se devesse entender que, realmente, a impugnação dos autores tinha por objecto a questão de facto, então seria irremissível a rejeição do recurso, dado que é ostensivo que aqueles recorrentes não satisfizeram o ónus de impugnação daquela matéria a que lei claramente os vincula: a especificação dos pontos de facto que consideram erroneamente julgados e das provas que, na sua perspectiva, foram incorrectamente valoradas (artº 695-B nºs 1 e 2 do CPC).

    Numa palavra: o controlo sobre a sentença proferida na 1ª instância, pedido a esta Relação pelos recorrentes principais – e pela recorrente subordinada – tem por objecto - exclusivamente – a matéria de direito.

    Os recorrentes principais afirmam na sua alegação que pediram, logo na petição inicial, a condenação da demandada a pagar-lhes por danos não patrimoniais e por danos futuros a quantia de € 102.500,00. Uma leitura, ainda que meramente obliqua, daquele articulado mostra, á evidência, que também esta afirmação não é exacta.

    Naquele articulado, a autora C… pediu a título de danos patrimoniais futuros e de incapacidade permanente que lhe exige esforços acrescidos, a quantia de € 85.000,00, e, a título de ofensas à integridade física e psíquíca, quantum doloris e prejuízos de afirmação pessoal e de dano estético, a condenação da demandada a pagar-lhe as quantias de € 75.000,00 e de € 27.500,00, respectivamente. Uma simples operação aritmética mostra que a quantia de € 102.500,00 se refere aos valores da indemnização pedidos a título de danos não patrimoniais e de dano estético, e que as quantias pedidas, por aquela autora, a título de danos não patrimoniais e de danos futuros ascendem a € 160.000,00.

    Seja como for – e abstraindo destas inconsistências da alegação dos recorrentes principais - no julgamento do recurso deve ter-se presente que os limites da condenação, ditados pelo princípio da disponibilidade objectiva, se entendem referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano (artº 661 nº 1 do CPC de 1961 e 609 nº 1 do NCPC)[1], e que a proibição da reformatio in mellius – que é um simples consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, que vincula a que esse tribunal não possa conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto – não seja violada pela circunstância de o tribunal de recurso confirmar a procedência do quantitativo total do pedido do autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas. Se, por exemplo, o autor pede uma determinada indemnização para pagamento dos vários prejuízos decorrentes de um acidente de viação, o tribunal de recurso pode considerar a acção totalmente procedente, ainda que faça uma diferente avaliação de cada um desses prejuízos. Identicamente, o tribunal ad quem pode julgar o recurso procedente, quantificando diferentemente os diversos danos que devem ser reparados ou compensados.

    A discordância de todos os recorrentes relativamente à sentença impugnada tem por objecto ao valor da indemnização nela arbitrada à autora C… para lhe reparar o dano não patrimonial e o dano patrimonial futuro: esta...

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