Acórdão nº 990/09.8TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ GUERRA
Data da Resolução03 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. Os AA., E (…) e mulher ML (…), instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra os RR., J (…) e S (…) ( 1ºs RR. ) e MR (…) ( 2º R. ), pedindo que: - se declare nulo, por simulação, o negócio de trespasse de 5.9.2000 e, em consequência, sejam os RR. condenados a restituir ao A. o que auferiram desde a data do negócio e for para além do salário de director técnico do R. e, ainda, que seja emitida sentença que produza os efeitos da declaração negocial feita no contrato de promessa de 23.11.98 , com trespasse a favor dos AA.; - sejam os AA. declarados donos da farmácia K...

, sita na R. (...), Coimbra, com o alvará emitido pelo Infarmed nº 4236, por o haverem adquirido em 5.7.1974 e o gerirem e explorarem desde então como seus donos; Caso assim se não entenda, - seja considerado nulo o trespasse de 5.9.00 (por violação da Base II, nº2 da L 2125, de 20.3.65, DL 48547, de 27.8.68, e artºs 280º, nº1, e 294º do CC) e seja emitida sentença que produza os efeitos da declaração negocial feita na promessa de trespasse de 23.11.98; Subsidiariamente, sejam os RR. condenados a restituir aos AA. a farmácia K..., sita na R. (...), Coimbra, com alvará emitido pelo Infarmed com o nº 4236 (com base no disposto nos artºs 473º, nº1, e 479º do CC).

Para tanto alegaram os AA. que, em 1974, compraram, pagando o preço, a farmácia K..., então instalada na Sé Velha, nesta cidade, tendo o A., desde então, gerido e explorado a mesma como seu dono, daí retirando os lucros respectivos; todavia, por impedimento legal que perdurou até 2007, os AA., não sendo farmacêuticos, não poderiam ser titulares de tal tipo de estabelecimento, pelo que foi necessário que na escritura de trespasse figurasse então, como comprador do estabelecimento, não os AA., mas um licenciado em farmácias que, na realidade, nada comprou e nada pagou; foi assim ao longo dos anos, tendo o estabelecimento, por vicissitudes várias (mormente o falecimento de titulares formais, farmacêuticos) sido transmitido a licenciados em Farmácias, mas sempre a na propriedade real dos AA., até que, em 1994, foi transmitido à 2ª Ré, Ré MR (…) de novo proprietária fictícia; tendo o filho dos AA., aqui 1º R., obtido a licenciatura em ciências farmacêuticas em 2000, veio aquela MR (…), por acordo com os AA., num primeiro momento, por contrato de 1998, prometer trespassar a farmácia para aquele ou para quem o A. indicasse; concluída a licenciatura, foi celebrado, em 2000, o trespasse entre a 2ª Ré e o 1º R., mais uma vez sem que tivesse sido pago ou recebido qualquer preço, mantendo-se o estabelecimento na propriedade dos AA., e intervindo o 1º R. como trespassário apenas para que, face ao obstáculo legal, não podendo a farmácia ser titulada pelos AA., o fosse por alguém da sua família, ficando o mesmo R., por ser filho dos AA., a prestar serviço em tal espaço; com a alteração legal de 2007, podendo agora os AA. figurar como titulares formais, como reais que já eram, do estabelecimento em apreço, deparam-se com a oposição dos RR. à formalização da situação.

2. Regularmente citados os RR. contestaram, separadamente.

2.1. Na sua contestação a 2ª Ré, MR (…) diz que, na realidade, nunca pagou nem recebeu o que quer que fosse pela farmácia em apreço, porquanto são proprietários da mesma os AA. que, por isso, a contactaram para que, sendo farmacêutica e a fim de contornar a proibição legal outrora existente, apenas formalmente interviesse na escritura de compra do estabelecimento, como “testa de ferro”, nunca tendo, por isso, retirado deste negócio qualquer lucro; do mesmo modo, não sendo proprietária da farmácia, não recebeu do 1º R. qualquer valor a título de preço pelo trespasse de 2000.

2.2. Por sua vez, os 1ºs RR., defenderam-se na contestação que apresentaram aduzindo que aos AA. não assiste legitimidade quanto à nulidade que invocam e ao enriquecimento sem causa, afirmando que o contrato de promessa de 23.11.1998 teve em vista a transmissão da propriedade da farmácia para a titularidade do R. marido desde que o mesmo concluísse, como concluiu, a licenciatura em Farmácias, objectivo que foi concretizado com o trespasse de 5.9.2000; mais alegam que, por isso, se deu cumprimento ao disposto no artº 877º, nº1, do CC, obtendo-se o consentimento da A. e filhos para outorgar na promessa para vender ao R. marido; assim, após tal negócio de 2000, o R. passou a considerar-se dono da farmácia, apesar de nos primeiros anos ter contado com a ajuda no pai na gestão da farmácia, tendo passado a geri-la, contratando com fornecedores, trabalhadores e clientes e recebendo os lucros da mesma.

3. Replicaram os AA. pugnando em tal articulado pela falta de razão dos 1ºs RR. quanto às nulidades invocadas e, ainda, pela condenação destes como litigantes de má fé em multa não inferior a € 10.000, 00, e indemnização a favor dos AA. de valor não inferior a € 15.000, 00.

4. Foi ainda apresentado articulado de tréplica pelos 1ºs RR. no qual os mesmos pugnam pela ilegitimidade da 2ª R. e, se assim se não entender, pela improcedência da contestação por esta apresentada.

5. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador no qual foram apreciadas, no sentido da respectiva improcedência, a ilegitimidade invocada pelos 1ºs RR., e selecionada a matéria assente e controvertida, a qual de fixou após reclamação apresentada pelos 1ºs RR. que veio a ser desatendida.

6. Procedeu-se ao julgamento, o qual decorreu com observância do legal formalismo, não tendo a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto sofrido reclamação das partes.

7. Proferida sentença, veio nela a decidir-se na parcial procedência da acção, e, em consequência, a - declarar-se nulo, por simulação, o negócio de trespasse celebrado por escritura pública de 5.9.2000 e supra referido em 6 dos factos assentes; - declararem-se os AA. proprietários da farmácia K..., sita na R. (...), Coimbra, com o Alvará emitido pelo Infarmed com o nº 4236.

- no mais se absolvendo os RR..

8. Inconformados com tal decisão dela vieram os 1ºs RR. interpor recurso, cujas alegações rematam com as seguintes conclusões: (…).

8. Contra-alegaram os AA., formulando nas contra-alegações as seguintes conclusões: (…).

- Colhidos os vistos legais cumpre apreciar a decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC na redacção anterior à Lei 41/2013, de 26.06, por ser esta versão a aplicável ao presente recurso), são as seguintes as questões a decidir: I- saber se se verifica a nulidade decorrente da deficiente gravação de parte da prova produzida na audiência de julgamento; II- saber se padece de nulidade o depoimento de parte da 2ª R.; III- saber se a resposta ao quesito 43º se apresenta indevidamente fundamentada e contraditória com as respostas dadas aos quesitos 5º, 6º, 13º, 18º, 26º, 27º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º, 34º, 37º e 49º e se, por força disso, deve ser anulada a decisão sobre a matéria de facto que integra os referidos quesitos; IV- saber se foi mal valorada a factualidade vertida nos quesitos 5º, 6º, 13º, 18º, 26º, 27º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 40º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º e 49º da BI; V- saber se com a alteração da matéria de facto no sentido pretendido pelos apelantes a acção improcede pelo facto de dever considerar-se que por detrás do trespasse simulado e nulo existe um negócio dissimulado, ou seja, uma doação; VI- saber se, mesmo que assim se não entenda, deve a acção improceder pelo facto dos AA. não terem alegado, e, consequentemente, não terem provado, o elemento intencional ou psicológico da posse, o animus, nem terem alegado, para provar, qualquer dos requisitos ou caracteres da posse, especialmente a posse pública (e não a oculta) e pacífica (sem violência).

III – FUNDAMENTAÇÃO A) De Facto Na decisão recorrida foi considerada assente a seguinte a factualidade, a qual agora se elenca provisoriamente, visto que parte dela foi alvo de impugnação no presente recurso.

1 - Por escritura pública de 5 de Julho de 1974, cuja cópia certificada figura a fls. 37 a 40 e que aqui se dá por reproduzida, M (…) declarou trespassar a L (…)(a qual declarou aceitar o trespasse) a farmácia denominada >, instalada no rés-do-chão, números 13 e 14 do prédio sito no Largo da Sé Velha, em Coimbra, pelo preço de 80.000$00 (al. a).

2 - Por escritura pública de 21 de Junho de 1985, cuja cópia certificada figura a fls. 44 a 48 e que aqui se dá por reproduzida, (…) arrogando-se de donos e “legítimos possuidores” da > ( “farmácia essa que pertencia ao património do casal constituído pelo outorgante Dr. (…) e sua falecida esposa (…), falecida sem testamento (…)”., instalada no rés-do-chão, números 13 e 14 do prédio sito no Largo da Sé Velha, em Coimbra, declararam trespassar esse estabelecimento a (…)(a qual declarou aceitar o trespasse), pelo preço de 120.000$00 (al. b).

3 - Por escritura pública de 23 de Maio de 1990, cuja cópia certificada figura a fls. 54 a 57 e que aqui se dá por reproduzida, (…)representados no acto pelo ora A. E (…), declararam trespassar a M (…) (a qual declarou aceitar o trespasse) a farmácia denominada >, instalada no rés-do-chão, números 13 e 14 do prédio sito no Largo da Sé Velha, em Coimbra, pelo preço de 250.000$00 (al. c).

4 - No dia 23 de Maio de 1990 M (…) declarou perante o Notário do Cartório Notarial da Lousã – (…) – constituir seu bastante procurador o ora A. E (…), conferindo-lhe todos os poderes para gerir e administrar o seu estabelecimento comercial, do ramo de farmácia, denominado farmácia K..., sito em Coimbra, no Largo da Sé Velha, e, por consequência, praticar todos os actos comerciais inerentes, assinar e expedir correspondência, aceitar, sacar, endossar e reformar letras...

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