Acórdão nº 536-A/2002.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução10 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

U (…) interpôs recurso de revisão relativamente à sentença proferida na ação ordinária nº 536/2002 do 2º Juízo do Tribunal recorrido, na qual figuraram como autores LG (…) e mulher ME (…) e como réus, a recorrente e o seu então marido JM (…) Para infirmar tal decisão alegou: Em tal ação foi decidido declarar os autores legítimos e exclusivos proprietários do prédio ali identificado, bem como do seu logradouro contínuo à área coberta, com a profundidade de 8 metros, condenando os réus a tal reconhecer e a destruir o barracão e tudo quanto têm em tal logradouro.

Porém, em 8/9/2010, teve acesso a uma certidão datada de 18/8/2010, passada pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, onde se lê que num processo administrativo de 1959 em nome de (…) pai da recorrente, foi constatada a existência de anexos com cerca de 40 m2 no logradouro da habitação, confinante com as construções vizinhas a nascente, referindo-se a um extracto do levantamento aerofotogramétrico da Câmara Municipal de 3/7/1981.

Que tal prova existirem as construções no logradouro em 1981 e não que em 1992 tenha sido construído um muro a impedir o acesso dos autores da acção ao logradouro, só recentemente tendo conseguido descobrir o processo administrativo nos arquivos da Câmara, acedendo ao levantamento aerofotogramétrico.

Assim a prova testemunhal dos autores da aludida ação não foi fidedigna com reflexos na matéria de facto e na sentença.

Consequentemente pediu: A admissão do recurso de revisão, a revogação da dita sentença e a prolação de nova sentença, que, nos termos da contestação/reconvenção, declare a ré possuidora e proprietária de todo o referido logradouro, onde existem e já existiam em 1981 as construções contíguas ao prédio dos autores, com a área delimitada entre muros de 414,43 m2, bem como a condenação dos autores, ora recorridos, como litigantes de má fé, em multa e indemnização.

Opuseram-se os recorridos.

Disseram que a recorrente não cumpriu os requisitos do artº 771º, nº 1, c), do CPC, e que o recurso é extemporâneo, nos termos do artº 772º, nº 2, d), pois que o mandatário da recorrente teve conhecimento do extracto do levantamento aerofotogramétrico de 1981 pelo menos desde 14/4/2010, mas o recurso de revisão só entrou em Juízo em 18/10/2010, mais de 180 dias depois de conhecido o documento e mais de 60 dias depois de entregada à parte pela Câmara a certidão onde consta o levantamento, que é de 18/8/2010.

Ademais não foram juntos documentos que por si só possam alterar a decisão recorrida, por o documento de fls. 19 destes autos já ter sido usado a fls. 23 dos autos principais e a certidão ora junta não ter virtualidade para, por si só, alterar a decisão revidenda.

Respondeu a recorrente.

Alegou que o prazo de 60 dias só poderia contar-se da recepção da certidão junta ao recurso, que tem força para alterar a decisão em crise, entendendo que a certidão foi obtida em 8/9/2010 e não em 18/8/2010, mas ainda que o fosse, o recurso entrou no Tribunal no primeiro dia útil seguinte aos 60 dias, para os fins do artº 279º do Código Civil.

Por outro lado, alegou que o documento que instrui a revisão não é o mesmo que instruiu a acção, embora sejam semelhantes, agindo os recorridos de má fé.

  1. Inquiridas as testemunhas e apreciada a restante prova foi proferida sentença na qual se decidiu: Julgar improcedente o fundamento da revisão e manter nos seus precisos termos a douta sentença colocada em crise pelo presente recurso.

    Absolver ambas as partes relativamente aos pedidos recíprocos de condenação por litigância de má fé.

  2. Inconformada recorreu a impetrante.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A Recorrente pretende demonstrar, desde que foi iniciado o processo 536/2002 que o seu logradouro está a ser alvo de cobiça, sem fundamento, e que a sentença revidenda foi produzida em erro, devido ao facto do tribunal ”a quo” ter valorado, como bons, falsos depoimentos.

    Pensando fazer reverter a situação a Recorrente juntou com o pedido de revisão de sentença alguns documentos que julga suficientes para que a sentença revidenda seja revogada e proferida outra que faça Justiça, declarando-a proprietária do logradouro, tal qual alega.

    Como documento suficiente para, por si só, levar ao que vai dito no ponto anterior foi alegado e provado que obteve da Câmara Municipal da Figueira da Foz (CMFF) uma certidão, cfr. fls. 18, emitida por oficial público, pelo que faz prova plena que os anexos hoje existentes já estavam construídos em 1981, cfr. planta aerofotogramétrica de 1981, fls. 19, cuja existência desconhecia até 14.04.2010.

    A Recorrente juntou ainda os documentos números 4 a 8, de fls. 20 e 28 a 32, que corroboram o que a Recorrente alegou quer na acção ordinária quer neste apenso.

    A sentença recorrida rejeita a pretensão da Recorrente porque o tribunal entendeu: Que o pedido de revisão foi extemporâneo, face à data em que a Recorrente, através do seu actual mandatário, que ao tempo o não era, tomou conhecimento do documento de fls. 19, em 14.04.2010, pelo que declarou precludido, por caducidade, o direito da Recorrente.

    Que, através de prova testemunhal, se provou que a Recorrente podia ter obtido o documento de fls. 19 a tempo de o usar na acção ordinária, pois o mesmo constava dos serviços de toponímia da CMFF e estava no processo de obras do pai da Recorrente desde 1959, pelo que não se concebe que a filha, ora recorrente, não pudesse logo na acção principal ter acesso ao documento que agora invoca como fundamento do recurso.

    Que a planta de 1969, a fls. 163, também poderia ter sido usada na acção principal e que a prova testemunhal feita pelos Recorridos nos presentes autos (recurso) constituiria contraprova do alegado pela Recorrente.

    Ora, 1.

    Quando o fundamento do recurso de revisão é o aparecimento de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever, o prazo de 60 dias para a sua interposição conta desde que a parte obteve o documento, e não desde que teve conhecimento da sua existência, tendo o documento que ser apresentado com o requerimento de interposição.

  3. A necessidade de que o documento seja suficiente para, por si só, modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida implica que ele tenha força probatória legal (plena ou bastante) de factos que contrariem aqueles em que a decisão se fundou ou que deles constitua prova prima facie, isto é, presunção judicial suficientemente forte para que eles sejam dados como provados, sem prejuízo do direito do recorrido, no plano da procedência do recurso e já não no da sua admissibilidade, a produzir contraprova que os torne duvidosos.

  4. A fotocópia simples de documento existente em repartição pública não constitui o documento exigido pelos arts. 771-c CPC e 773-2 CPC, enquanto não for emitida certidão que ateste a sua conformidade ao original.

  5. Sendo este uma fotografia tirada por uma entidade administrativa no exercício das suas funções, da atestação de conformidade da cópia resulta que o original constitui a representação, mecanicamente obtida pela Administração, em certa data, do objecto representado, que o juiz, em princípio, deve dar como existente, sem prejuízo da admissibilidade de contraprova, pelo que está então constituído o documento exigido para o recurso de revisão.

  6. A interpretação desse objecto, quando não seja evidente, pode fazer-se nos termos do art. 775-1 CPC, mas nada impede a parte de diligenciar pela interpretação antes de interpor o recurso, nomeadamente quando dela dependa a verificação da força probatória do documento ou da sua extensão.

  7. A negligência da parte na obtenção do documento, ou da sua atestação, uma vez descoberta a sua existência depois de transitada em julgado a decisão revidenda, pode eventualmente constituir abuso do direito à revisão, mas para tanto é preciso que se verifiquem (sejam alegados e provados) os respetivos requisitos, entre os quais o prejuízo da parte contrária em consequência da demora.

  8. O prazo para o recurso conta, porém, sempre da obtenção do documento, sem prejuízo da referida eventual paralisação do direito à revisão por abuso.

  9. Se, porém, se devesse contar o prazo para o recurso desde o conhecimento do facto que serve de base à revisão, este conhecimento teria de incidir sobre todos os requisitos do fundamento, incluindo a suficiência do documento para a modificação da decisão recorrida, pelo que o prazo não se iniciaria enquanto a parte não verificasse, por interpretação do documento, como dito na conclusão 5, a exacta natureza e dimensão do objecto nela representado.

  10. A interpretação do art. 772-2-d PC no sentido de o prazo de 60 dias se iniciar com a obtenção, pela parte, da fotocópia do extracto dum levantamento fotogramétrico, ainda que seja logo atestada a sua conformidade com o extracto, mas antes de a parte verificar se ocorreram – e como – todos os requisitos do fundamento do art. 771- c CPC, violaria o princípio constitucional da proporcionalidade, por essa preclusão, obrigando o recorrente a correr um risco desproporcionado com a interposição do recurso, não aparecer justificada pelo interesse do recorrido no rápido eventual reajustamento dos direitos das partes, sendo até que, ao invés, a sua precipitada citação para o recurso poderia ser de outro modo evitada.

  11. Acresce que o princípio da economia processual impõe que se evite a prática de actos inúteis, e a propositura precipitada da revisão poderia sê-lo.

  12. No caso concreto, a conduta da Recorrente foi prudente e adequada: logo que teve conhecimento do levantamento fotogramétrico de 1981, dele pediu fotocópia e, tendo dúvidas relativamente ao que nela estava representado, requereu certidão interpretativa do seu conteúdo; posteriormente, porque a certidão não lhe foi passada, requereu uma vistoria ao local para verificar a correspondência entre esse conteúdo e a realidade actual (a...

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