Acórdão nº 246/11.6TBOFR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução10 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. Relatório A… intentou acção contra a MISERICÓRDIA DE … e o Presidente da Mesa Administrativa da Misericórdia de …, S…, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem - lhe, a título indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 31.000,00 (trinta e um mil euros), com o acréscimo dos juros legais vincendos a partir da citação e até integral pagamento.

    Para tal alega, em resumo: A Misericórdia de … é uma associação de fiéis de índole particular e não de natureza pública, canonicamente erecta.

    Tem órgãos próprios eleitos – a Mesa Administrativa é um deles – pelos associados, nos termos dos seus próprios estatutos, o chamado “compromisso”, actua e é administrada pelos seus corpos sociais, em seu nome e sob a sua responsabilidade.

    O A. “ foi” associado da MISERICÓRDIA Ré, ou “irmão” da Irmandade, até ao dia 19 de Novembro de 2010, data em que lhe é comunicada e entregue, via postal, registada, a deliberação da Mesa Administrativa, i. e. dos “Mesários”, datada de 18 de Novembro de 2010 e reportada à reunião extraordinária deste órgão de 9 do mesmo mês, de o ( A.) “... excluir da Irmandade, sendo excluído de irmão desta Misericórdia”.

    O A., além de associado da Misericórdia / irmão da Irmandade presidiu, durante vários anos – 1996-1998 / 1999-2001 e 2002-2004 – ao Conselho Fiscal da Instituição, tempo durante o qual executou cabalmente as funções que a este órgão fiscalizador cabem do “compromisso” (estatutos próprios).

    Acontece que o A. não votou a deliberação, não esteve presente à reunião extraordinária da Mesa Administrativa onde a mesma foi tomada, e portanto não lhe foi dada oportunidade de defesa.

    Do teor da acta de reunião, convocada expressamente para o efeito, consta que: “ Pelo Senhor Provedor foi apresentada a questão sujeita a análise da Mesa, colocada na sequência dos incidentes protagonizados pelo irmão A… na Assembleia Geral de 27 de Março de 2010 que deferiu à Mesa Administrativa a competência para tal análise e eventual acção em conformidade.

    Analisado esse comportamento, assumido na referida Assembleia Geral perante todos os irmãos ali presentes, bem como comportamentos anteriores do mesmo irmão em outras Assembleias Gerais foram todos os membros da Mesa unânimes em considerar a actuação do irmão A… gravemente danosa para a imagem, prestigio, interesses e acção da Misericórdia”.

    Consta, ainda: “ este irmão prejudica de forma sistemática o funcionamento das Assembleias Gerais, gerando conflitos e incidentes sem motivo, como aconteceu na Assembleia Geral de 21 de Março de 2009 em que se insurgiu longa e violentamente contra o secretário por se ter referido a si na acta como A…, ao invés de referir pelo nome completo antecedido do titulo ou seja Dr. A...” “...ou como sucedeu na Assembleia Geral de 27 de Março de 2010 em que ofendeu por diversas vezes os membros do órgão sociais e gerou uma tal exaltação que o Presidente da Mesa optou por encerrar a reunião.” “Injuria os membros dos órgãos sociais.” “...intimida os colaboradores sugerindo incompetência e lançando suspeições sobre o comportamento de todos, que impedem que uns desempenhem os cargos para que foram eleitos com tranquilidade e serenidade e os outros desempenhem as funções que lhe são cometidas com eficiência e eficácia, já que sabem que serão atacados e envergonhados publicamente, com considerações produzidas sem fundamento, sem educação e muitas vezes com agressividade.” “Produz ameaças veladas umas vezes e outras expressas de que procederá contra a instituição, como aconteceu na Assembleia Geral de 21 de Março de 2009 em que após mais uma violenta troca de palavras com vários irmãos que se insurgiam contra a sua forma de actuar afirmou ficar por ali no uso da palavra, mas que mais tarde faria o que entendesse, deixando clara uma ameaça de que recorreria a outros meios para fazer vingar as suas opiniões”. “Cabendo nos termos do art. 42º, b) dos Estatutos à Mesa Administrativa a decisão de admissão e exclusão de irmãos e podendo ser excluído um irmão que cause danos à instituição de acordo com o artigo 11º nº 1 al. e) in fine dos mesmos Estatutos entendem os membros presentes da Mesa que se está perante um caso paradigmático em que se justifica a exclusão face à análise a que acima se procedeu.” “...a presente deliberação produz efeitos imediatos, perdendo a partir desta data o A… a qualidade de irmão.” A deliberação tomada – dita - tornou-se pública, do conhecimento de muitos dos irmãos da Misericórdia, presentes na assembleia geral de 27 de Novembro de 2011, bem como dos funcionários.

    Chegou ao conhecimento dos vizinhos do A. em ...

    O A. que tem casa própria na vila de … onde vem quase todos os fins de semana e nos tempos livres da sua ocupação profissional (ensino superior), onde tem o seu circulo de amigos, que recebe e com os quais convive.

    O A., após a difusão da notícia da expulsão, a ser olhado de soslaio e com alguma curiosidade e mesmo desconfiança por todos, notória desde logo pela marginalização ou afastamento progressivo de alguns.

    O A. foi e está a ser vilipendiado, em consequência directa e necessária do acto público de expulsão, tendo-se refugiado em casa, privando-se de convívios e esplanadas, desgostoso, envergonhado, triste e abatido.

    As acusações de que o A. foi alvo por parte da R. são manifestamente infundadas.

    Além disso, a deliberação, constituindo uma difamação, ofendem gravemente a honra, a dignidade e a consideração social do A.

    A pena de expulsão ou de exclusão de Irmão constitui um vexame público Reflexo – aos olhos de quem não conheça os factos e as razões – de um comportamento indecoroso que diminui a reputação do A. e consubstancia uma violação grave do direito de participação do A., enquanto irmão, nas assembleias gerais ou administrativas e nas demais actividades da Irmandade.

    Regularmente citados vieram os RR contestar a presente acção, onde se defendem por excepção e impugnação.

    ...

    O A. veio apresentar replica, onde responde às excepções, concluindo pela improcedência das mesmas.

    No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções da incompetência material, da ineptidão da petição inicial e da Ilegitimidade passiva do R Presidente da Mesa Administrativa da Misericórdia de ...

    Após julgamento, o Tribunal da 1.ª instância proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto decide-se: Julgar a acção totalmente improcedente e, como tal, absolver os RR dos pedidos.”.

  2. Objecto da instância de recurso.

    Nos termos do art. 684°, n°3 e 685.º-A do Código do Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, que apresenta as seguintes conclusões: … Os réus, nas suas contra alegações, apresentam as seguintes conclusões: … 3. Da instância recursiva As questões a decidir são as seguintes: I. Questão prévia sobre a competência do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades para conhecer do pedido indemnizatório formulado pelo autor.

    Começam os réus por dizer o seguinte: “Já anteriormente, logo após a Mesa Administrativa ter emanado a deliberação aqui em causa, o recorrente, discordando do sentido da mesma, havia intentado uma acção judicial – Processo n.º … - junto do Tribunal Judicial de … na qual veio peticionar que este tribunal declarasse nula e ilegal a mesma deliberação social, no entanto, este tribunal declarou-se materialmente incompetente para apreciar a questão por sentença já transitada em julgado.

    Concluem que,”… se o Tribunal de … já se considerou anteriormente materialmente incompetente para conhecer da questão da legalidade ou ilegalidade da deliberação, não poderia agora, em caso algum, vir directa ou indirectamente apreciar ou decidir tal questão, contrariando o que havia já anteriormente decidido… e não podendo o Tribunal conhecer da questão da legalidade ou ilegalidade da deliberação, a pretensão aduzida pelo recorrente nos presentes autos fica completamente vazia de conteúdo, pelo que, teria até que ter sido logo julgada improcedente a acção dado que o Autor como causa única de pedir invoca precisamente danos decorrentes de uma deliberação ilegal”.

    Com todo o respeito, parece-nos que os apelados confundem a causa de pedir utilizada pelo autor para peticionarem a indemnização com aquela outra da falta de motivo para a sua expulsão.

    De facto, o autor fundamenta o seu pedido com as acusações de que foi alvo por parte dos RR., que no seu entender são manifestamente infundadas. Nas suas palavras, “… a deliberação, constituindo uma difamação, ofendem gravemente a honra, a dignidade e a consideração social do A.”.

    O que estará em causa serão os fundamentos fácticos que ancoram a deliberação de expulsão do recorrente da Irmandade, o que aí se escreveu - “este irmão prejudica de forma sistemática o funcionamento das Assembleias Gerais, gerando conflitos e incidentes sem motivo, como aconteceu na Assembleia Geral de 21 de Março de 2009 em que se insurgiu longa e violentamente contra o secretário por se ter referido a si na acta como A…, ao invés de referir pelo nome completo antecedido do titulo ou seja Dr. A...” “...ou como sucedeu na Assembleia Geral de 27 de Março de 2010 em que ofendeu por diversas vezes os membros do órgão sociais e gerou uma tal exaltação que o Presidente da Mesa optou por encerrar a reunião.” “Injuria os membros dos órgãos sociais.” “...intimida os colaboradores sugerindo incompetência e lançando suspeições sobre o comportamento de todos, que impedem que uns desempenhem os cargos para que foram eleitos com tranquilidade e serenidade e os outros desempenhem as funções que lhe são cometidas...

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