Acórdão nº 602/08.7TBOBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GONÇALVES
Data da Resolução10 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A..., SA, com sede na Rua (...)Lisboa, intentou a presente acção, com processo ordinário, contra B..., SA, com sede na (...), (...), Oliveira do Bairro, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €1.410.048,21 (um milhão, quatrocentos e dez mil e quarenta e oito euros e vinte e um cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos até 31/08/2008, no valor de €16.508,39 (dezasseis mil, quinhentos e oito euros e trinta e nove cêntimos) e vincendos até integral pagamento.

Fundamenta a sua pretensão num contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre a Ré e a A... e num erro de facturação – cuja natureza e características descreve na petição inicial – do qual resultou que a Ré não pagou toda a energia que consumia, ascendendo ao valor de 1.410.048,21€ o valor que não foi facturado e não foi pago pela Ré, mais alegando que a Ré, apesar de ter detectado imediatamente aquele erro, não alertou a A... para a referida anomalia, pretendendo, de forma premeditada, consumir energia sem pagar o respectivo preço, colocando-se em situação de vantagem no mercado e enriquecendo-se à custa da A....

A Ré contestou, invocando a caducidade do direito da Autora ao recebimento das referidas quantias, por força do disposto no art. 10º, nº 2, da Lei 23/96 de 26/07, mais alegando que, ainda que se assim não fosse, sempre teria ocorrido a prescrição do direito ao recebimento do preço por conta dos serviços prestados até 10/03/2008, ao abrigo do disposto no art. 10º, nº 1, da citada Lei e considerando que apenas foi citada em 11/09/2008. Impugnando alguns dos factos vertidos na petição inicial, alega ainda que o eventual erro de facturação apenas se deveu a erros acumulados pela própria Autora, sendo que a Ré sempre liquidou a energia que consumiu contra a apresentação da facturação por parte da Autora.

Conclui pedindo a procedência da excepção de caducidade ou, caso assim não se entenda, a procedência da excepção de prescrição e, se assim não se entender, pede a sua absolvição do pedido.

A Autora respondeu pugnando pela improcedência das excepções invocadas. Sustenta que o fornecimento de energia eléctrica à Ré foi efectuado em Alta Tensão, razão pela qual não é aplicável o art. 10º da Lei n.º 23/96, mais alegando que essa Lei não tem aplicação ao presente caso, dado destinar-se a utentes de serviços públicos essenciais, não sendo esse o caso da Ré, já que é produtora de energia. Reafirma que a Ré detectou imediatamente que não estava a pagar toda a energia que consumia, pelo que ao não alertar Autora desse facto, pretendia, de forma premeditada, consumir energia sem pagar o respectivo preço, sendo que o não pagamento de parte da energia consumida constitui uma inadmissível e ilegítima vantagem competitiva relativamente aos concorrentes, pelo que a invocação da prescrição ou caducidade, ainda que aplicáveis, traduzir-se-iam num manifesto abuso de direito, quer porque a Ré ultrapassou os limites razoáveis da boa fé e dos bons costumes, quer porque e a sua procedência ultrapassaria em muito o fim económico desse mesmo direito, uma vez que o intuito deste é proteger o utente de serviços públicos essenciais, enquanto a Ré é uma grande empresa que não tem a fragilidade própria do utente tipo desses serviços úteis essenciais, pelo que a aplicação desses institutos à Ré conduz à inconstitucionalidade dessas disposições legais. Alega, por último, que apenas tomou conhecimento do seu direito de crédito em Abril de 2008, pelo que qualquer prazo de prescrição ou caducidade não pode iniciar-se antes de tal data. Conclui pela improcedência das excepções invocadas.

A Ré veio pedir a condenação da Autora, como litigante de má fé, alegando que esta veio alegar factos que sabe não corresponderem à verdade, porquanto o fornecimento de energia eléctrica à Ré nunca foi efectuado em alta tensão, mas sim em média tensão.

A Autora respondeu, fazendo alusão ao conceito amplo de alta tensão e referindo que basta atentar à legislação e à jurisprudência para verificar a manifesta falta de razão da Ré.

Foi realizada a audiência preliminar e foi proferido despacho saneador, onde se relegou para final a apreciação das excepções invocadas.

Foi elaborada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €1.410.048,21 (um milhão, quatrocentos e dez mil e quarenta e oito euros, e vinte e um cêntimos), acrescida da quantia de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 18/05/2008, até integral pagamento, calculados às taxas de juros previstas para transacções comerciais, sucessivamente em vigor e que, até à presente data são, em 2008, no 1.º semestre, 11,20%; no 2.º semestre 11,07%; em 2009, no 1.º semestre, 9,5% e no 2.º semestre 8%; em 2010, nos 1.º e 2.º semestre, 8%; em 2011, no 1.º semestre 8% e no 2.º semestre 8,25%; em 2012, nos 1.º e 2.º semestres, 8% e em 2013, no 1.º semestre, 7,75%.

Inconformada com essa decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1º.

A Recorrente quando passou para o novo sistema de facturação instalou novo equipamento de medição telemática.

  1. Por qualquer razão (eventualmente, negligência) a Recorrida continuou a facturar de acordo com leituras retiradas do equipamento de leitura inicial.

  2. A Recorrente em nada contribuiu para o erro da Recorrida.

  3. A douta sentença recorrida decidiu que se tinha operado a caducidade do direito da Recorrida ao recebimento da diferença não facturada.

  4. Mas, entendeu, também, que fazer operar tal caducidade constituiria abuso de direito, por exceder os limites impostos pela boa-fé e, assim, “desconsiderou” a caducidade e julgou a acção procedente.

  5. É com este entendimento que a Recorrente se não conforma.

  6. A Recorrente em nada contribuiu, objectiva ou subjectivamente, para a incorrecta facturação elaborada pela Recorrida. De facto, 8º. Demonstram os autos que a Recorrente adquiriu e montou dois contadores electrónicos que permitem a medição dos fluxos de energia eléctrica no sentido Rede-PRE e Invers.

  7. Estes equipamentos foram vistoriados e lacrados pela Recorrida e permitiam-lhe a leitura telemática do consumo e de produção.

  8. Não obstante isso a Recorrida continuou a facturar de acordo com o inicial equipamento de medição por, exclusiva, negligência sua. Ou porque tenha existido deficiente comunicação entre os seus serviços ou por pura negligência destes.

  9. Estava a Recorrente obrigada a suprir as “insuficiências” da Recorrida? É, para nós, evidente que não.

  10. A entender-se como o fez a sentença nunca os institutos da prescrição e da caducidade poderiam ser invocados.

  11. Mais gritante é o caso dos autos em que a caducidade foi estabelecida para defesa dos consumidores e pela necessidade de prevenir acumulação de dívidas que, se acumuladas, seriam de difícil satisfação.

  12. Assim, objectivamente, nada mais era exigível à Recorrente cumprir com as imposições da Recorrida e a esta, e só a esta, ser diligente na utilização dos meios por ela impostos.

  13. Subjectivamente avultam três factos: - Não se provou que a Recorrente tenha detectado imediatamente que não estava a pagar toda a energia que consumia sem pagar o respectivo preço. Não se sabe se detectou e, se sim, quando.

    - Não se provou que a Recorrente pretendesse, de forma premeditada, consumir sem pagar.

    - Não se provou que só a Recorrente soubesse quanto consumia de energia.

  14. Do supra exposto resulta que se não evidencia nenhum comportamento concreto e nenhuma consciência ou intuito de prejudicar.

  15. Tal significa inexistir sustentação bastante para concluir, como se concluiu, que a Recorrente tenha omitido comportamentos que, não sendo de boa-fé, possam afastar o seu direito de invocar a caducidade, nos termos legalmente previstos.

  16. Ao entender o contrário a douta sentença recorrida fez errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 334º do Código Civil.

  17. A aplicação de tal normativo teria de ser afastada face à inexigibilidade legal ou contratual de qualquer comportamento pro-activo, para além do que estava estabelecido e a Recorrente cumpriu.

  18. E porque o erro era facilmente evitável se a Recorrida tivesse agido com a diligência com que podia e devia ter agido.

    Conclui pedindo a revogação da sentença recorrida, por errónea aplicação do disposto no artigo 334º do Código Civil, A Autora/Apelada apresentou contra-alegações, onde também requer a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 684º-A do C.P.C., formulando as seguintes conclusões: 1. Deve negar-se provimento ao recurso.

    1. Discorda-se da sentença quanto à decisão sobre a aplicabilidade ao caso dos autos dos prazos de prescrição e caducidade previstos no art.º 10º da lei 23/96, de 23 de Junho.

    2. Mantém-se o entendimento de que, considerando a matéria de facto dada como provada, não é aplicável a mencionada legislação e disposição.

    3. Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, não pode considerar-se a R. uma utente de serviços públicos essenciais.

    4. A R. é, pelo contrário, uma profissional do sector energético que faz disso o seu negócio e a sua arte.

    5. A Lei 23/96 não se destina a profissionais do sector de produção e venda de energia eléctrica.

    6. Acresce que, ainda que assim não fosse, mas que é, sempre a aplicabilidade dos nºs 1 e 2 do art.º 10º da lei de serviços públicos essenciais estaria excluída por força do disposto no nº 3 da mesma disposição.

    7. Não obstante ser uma instalação abastecida de média tensão, apresenta-se a instalação com as características técnicas de uma instalação abastecida em alta tensão – vd alíneas J), L), M), N), W), CC), MM) da matéria assente e respostas aos nºs 15), 18) e 21) da base instrutória.

    8. Se se analisar a matéria dada como provada verificamos que estamos na presença de uma instalação idêntica ou semelhante a uma instalação...

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