Acórdão nº 668/10.0T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Setembro de 2013
Magistrado Responsável | LUIS CRAVO |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra * 1 – RELATÓRIO V (…), residente na Rua (...), Estarreja, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra J (…) e mulher M (…), residentes na Travessa (...), nº 1, (...), Estarreja, pedindo a condenação destes: I - a) a reconhecerem que haviam acordado com o A. que este continuaria a viver na casa identificada no artigo 1.º da petição inicial, prestando-lhe os cuidados necessários, nomeadamente cozinhando, lavando, dando-lhe refeições, e que não cumpriram com tal acordo, pelo que a título de danos materiais decorrentes de tal incumprimento devem pagar ao A. a quantia de € 17.400,00 (€ 15.000,00 de obras, e € 400,00 mensais desde Novembro de 2009), a que deve acrescer a quantia mensal de € 400,00 desde Abril de 2010 até à morte do A.; b) a pagarem por tal incumprimento, a título de danos morais, a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento; c) a pagarem ao A. a quantia de € 11.600,00 que este lhes emprestou, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação e até integral pagamento; d) a pagarem ao A. a quantia de € 25.299,02 relativa a tornas ainda não pagas, a que devem acrescer juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
II - subsidiariamente, devem os RR. ser condenados, a título de enriquecimento sem causa, nas quantia supra peticionadas.
Articula, para o efeito, que foi casado com (…), já falecida, e que o R. marido é filho de ambos. O A. e a sua falecida mulher habitavam numa casa térrea, da qual eram donos, sita no lugar de (...), inscrita na matriz sob o art. (...)º. Após a morte de (…) os RR. passaram a viver com o A. em casa deste. Os RR. começaram, a certa altura, a dizer que era melhor fazerem partilhas, que gostariam de ficar com a casa e de fazer obras na mesma, e que o A. seria sempre usufrutuário de todos os bens. Convencido de que continuaria a viver na casa com o filho e sua família e estes lhe proporcionariam os cuidados de que necessitava, o A. anuiu. O R. avisou o A., poucos minutos antes da celebração da escritura, que o usufruto não poderia constar da mesma senão o Banco recusar-se-ia a conceder o empréstimo de que o R. necessitava para pagar as tornas ao irmão, mas que tudo se manteria como acordado. Acreditando que assim seria, o A. aceitou que a escritura fosse feita sem nela constar o usufruto. O A. não recebeu quaisquer tornas, pagou € 15.000,00 em materiais para as obras que foram feitas na casa, e emprestou aos RR. € 11.600,00. Concluídas as obras da casa, os RR. forçaram o A. a sair da casa. Esta atitude causou ao A. grande mágoa, desgosto e pesar.
* Na contestação, os RR.: a) excepcionaram a ineptidão da petição inicial por a cumulação de pedidos formulados “ofender as regras de competência designadamente em razão da matéria”; b) defenderam que o A. saiu da casa onde habitam os RR., por sua livre e espontânea vontade, manifestando sempre a necessidade em refazer a sua vida depois de ter passado à reforma. Os RR. compreenderam e aceitaram tal decisão, mas sempre lhe disseram que a porta estaria aberta para quando quisesse regressar.
* O A., na réplica, mantém o já alegado na petição inicial.
* Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial. E foi elaborada a condensação que sofreu reclamações que foram indeferidas.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, não tendo sido objecto de reclamação as respostas aos factos da base instrutória.
* Na sentença, considerou-se, em suma, que importava concluir que a escritura extrajudicial de partilhas tinha de valer como se nela estivesse reservado o usufruto dos bens partilhados a favor do A., sendo certo que o A. estava privado desse usufruto da casa partilhada, em consequência da desarmonia familiar sobrevinda e do consequente afastamento do A. da casa, donde um enriquecimento dos RR. à custa do A., cuja indemnização, face à concorrência de culpas que se considerou existir, nos termos do art. 570º do C.Civil, se fixou em € 200,00/mês, a pagar desde Novembro de 2009 até à morte do A., sendo que já quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, pedido de pagamento do montante emprestado e pedido de pagamento do montante de tornas não pagas, haviam ficado por provar os respectivos pressupostos de facto, face ao que improcediam todos esses pedidos, o que tudo se concretizou, a final, através da formulação do seguinte “dispositivo”: «Julgo, nos termos e pelos fundamentos expostos: a) - a acção parcialmente procedente e, em resultado disso, condeno os RR. a pagarem ao A., pela privação do uso da casa, € 200,00/mês, enquanto vivo for, desde Novembro (incluído) de 2009; b) – improcedente quanto ao mais, pelo que absolvo os RR. dos restantes pedidos.
Custas na proporção do vencido, que fixo em ¼ para os RR. e ¾ para o A..
Registe e notifique.
» * Inconformados com essa sentença, apresentaram os RR. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1.
A privação do uso pressupõe uma acção (idónea) que impeça o uso, pelo que carecendo os autos de matéria de facto provada que comprove essa acção impeditiva do uso, apenas se poderá concluir por uma situação de não uso/ fruição.
-
No caso concreto era ao lesado que incumbia provar a culpa dos recorrentes.
-
O recorrido não provou a culpa dos recorrentes.
-
A existência ou a inexistência de convivência harmoniosa é matéria conclusiva e não matéria de facto.
-
Os recorrentes, após o dia 1 de Novembro de 2009, mantiveram o cumprimento das obrigações que voluntariamente haviam assumido para com o recorrido, designadamente, a confecção e a partilha das refeições, bem como, a fruição da casa.
-
Nos autos inexiste matéria de facto provada que prove ou no mínimo indicie a falta de harmonia familiar.
-
O recorrido ao cometer no dia 1 de Novembro de 2009, dois crimes de injúrias contra os filhos dos recorrentes, conforme resulta do teor de documento junto aos autos, contribuiu decisivamente para o respectivo abandono da casa onde residia com os recorrentes.
-
Não tendo ficado provado que os recorrentes tivessem agido de modo a que o recorrido tivesse saído de casa e que este tivesse ficado impedido pelos recorrentes de fruir a casa, inexiste dever/ obrigação de indemnizar 9.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, nos autos não houve uma correcta aplicação do disposto no art. 570.º do Código Civil.
---- Termos em que com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente absolvidos os recorrentes do pedido em que foram condenados, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.
» * Por sua vez, apresentou o A. as contra-alegações a fls. 275-279, as quais finalizou com as seguintes conclusões: «1 - Tendo resultado provado que fora acordado que o autor ficava com o usufruto da casa, questão que os recorrentes não questionam, estando o autor desprovido da “sua” casa, o que muito o desgosta, e estando antes os recorrentes a beneficiar da mesma, tal é patente que, ao abrigo enriquecimento sem causa, tal como foi entendido na douta sentença, gera o direito de o autor ser ressarcido de tal.
2 - Os recorrentes não obstante questionarem a decisão de facto não cumprem com a obrigação constante do artigo 685,º-B-1-b) do CPC, pelo que, nessa parte, o recurso não pode ser apreciado.
---- TERMOS E QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.» * Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
* 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de...
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