Acórdão nº 267/04.5TBMMV.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelSÍLVIA PIRES
Data da Resolução17 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra Os Autores intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo a condenação dos Réus a: a) Reconhecerem que os Autores são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito em …, bem como a reconhecerem a Autora como sua usufrutuária; b) Reconhecerem ter sido constituída no seu prédio, pelo menos desde 1952, a favor dos Autores, uma servidão de estilicídio, adquirida por usucapião, por onde goteja o beirado do telhado destes; c) Em consequência, a demolirem o muro que construíram em confrontação com os Autores, com cerca de 28 metros de comprimento e 1,80 metros de altura, por violação do disposto no nº 2 do art.º 1365° do Código Civil e que impede o normal escoamento das águas dos beirais; d) Reconhecerem a existência de uma caleira em cimento, com 70 centímetros de largura e 28 metros de comprimento, pertencente aos Autores e adquirida por usucapião, construída a norte em local confinante com a casa dos Autores e junto a esta, no sentido poente/nascente, destinada ao escoamento das águas provenientes dos beirado do telhado; e) Consequentemente, a reporem a caleira que destruíram; f) Reconhecerem a constituição no seu prédio, pelo menos desde 1952, a favor dos Autores, de servidão de vistas, ar e luz, adquirida por usucapião, relativamente às quatro janelas existentes no alçado norte, sendo duas no rés do chão e duas no primeiro andar; g) Em consequência serem condenados a demolir o referido muro, por violação do disposto no art.º 73° do R.G.E.U. e art.º 1362° do Código Civil; h) Liquidarem em execução de sentença a indemnização que for devida pelos prejuízos decorrentes da infiltração de águas na casa dos Autores causada pela construção do muro.

Alegam para tanto, em síntese, que os Autores são donos, sendo a Autora usufrutuária, de um prédio urbano composto por casa de habitação sita em …, e de um prédio rústico composto de terra de cultura sito no mesmo local, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, sendo os Réus, por seu lado, donos de um prédio urbano constituído por casa de habitação sito na ...

O prédio rústico dos Autores e o prédio urbano dos Réus têm uma raiz comum, por terem resultado ambos de um outro prédio, que pertenceu a A… e mulher, sendo que estes foram igualmente proprietários da casa de habitação que corresponde ao prédio urbano dos Autores.

Que este A… e mulher, em 1952, acrescentaram mais um piso àquela casa, que passou a ser composta por casa de rés-do-chão e primeiro andar, servida por uma cobertura de duas águas e respectivos beirados, e que a norte no terreno confinante com a casa que é hoje dos Autores e junto a esta existia em toda a sua extensão, no sentido poente/nascente, pelo menos desde essa data, uma caleira em cimento com a largura média de 70 centímetros e 28 metros de comprimento, destinada a canalizar as águas pluviais que caíssem do beirado, escoando-as para a parte mais baixa do prédio agrícola, sendo que os Autores e ante possuidores sempre escoaram as águas pluviais por esse beirado, tendo assim adquirido, por usucapião, uma servidão de estilicídio sobre o prédio dos Réus.

Sucede que os Réus destruíram esta caleira e, no local onde esta estava, implantaram um muro, deixando apenas 29,50 centímetros de largura entre este muro e a casa dos Autores, o que leva a que as águas pluviais provenientes do beirado, que antes caíam na caleira de cimento, se precipitem sobre o muro e sejam projectadas contra a parede norte da casa dos Autores, e que se acumulem entre o muro e a casa, causando infiltrações e acumulação de humidade no seu interior.

Alegam ainda que a casa dos Autores é servida a norte por quatro janelas, que estes, por si e ante possuidores, vêm usando desde 1952, desfrutando da sua vista, iluminando e arejando a casa, assim tendo adquirido uma servidão de vistas, constituída por usucapião, sucedendo que o dito muro tapou as janelas, não permitindo sequer a abertura das respectivas portadas.

Concluem que a implantação do muro é ilegal por violar o disposto nos arts. 1365°, nº 2, e 1363° do Código Civil e o estatuído no art.º 73° do R.G.E.U., aprovado pelo D. L. nº 39382, de 7.08.1951.

Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que não se poderiam ter constituído as servidões invocadas pelos Autores em virtude de o artigo rústico 312° e o lote para construção dele destacado terem pertencido em compropriedade aos Autores e aos pais da Ré mulher, e antes deles a G… e mulher, pelo que não pertenciam a diferentes donos, como exigido pelo art.º 1543° para a constituição de uma servidão.

Que não existia qualquer caleira entre os prédios, sendo falso que a mesma tenha sido destruída pelos Réus ao construírem o muro, sendo também falso que o muro construído pelos Réus tenha vindo dificultar o escoamento das águas provenientes do telhado e provocado infiltrações no prédio dos Autores, além de que os Autores remodelaram recentemente o prédio, alteando-o e alargando o telhado do beirado, pelo que se de facto se verificam humidades em casa dos Autores, tal situação decorrerá do facto de estes terem estendido o beirado para o lado dos Réus e alteado o prédio.

Que com a alteração do beirado as águas pluviais passaram a cair sobre o seu muro, o que o irá danificar, pelo que, em reconvenção, peticionam a respectiva demolição.

Concluíram, pedindo a improcedência da acção e, em reconvenção, a condenação dos Autores a demolirem o beirado do seu prédio, na parte em que dá para o prédio dos Réus, de modo a que o mesmo volte a ter o comprimento que tinha antes das obras de remodelação do prédio dos Autores.

Os Autores apresentaram articulado de resposta, no qual invocaram que a sua casa e o prédio rústico do qual foi destacado o prédio dos Réus pertencia à data da construção da casa a donos distintos, sendo que os prédios de Autores e Réus sempre constituíram duas realidades jurídicas distintas e autónomas, acrescentando ainda que as servidões se constituem a favor dos prédios dominantes, e não dos seus proprietários.

Impugnaram ainda os factos alegados em sede de reconvenção, concluindo pela respectiva improcedência.

O pedido reconvencional não foi admitido.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes moldes: Pelo exposto, julgo a acção procedente e, consequentemente, decido condenar os réus a: a) Reconhecerem que os autores são os únicos donos do prédio urbano sito em …, bem como a reconhecerem a autora como sua usufrutuária, b) Reconhecerem ter sido constituída no seu prédio, a favor do prédio dos autores, uma servidão de estilicídio por onde goteja o beirado do telhado destes e uma servidão de vistas, ar e luz, relativamente às quatro janelas existentes no alçado norte da casa dos autores, sendo duas no rés do chão e duas no primeiro andar, e a demolirem o muro que construíram em confrontação com os autores, com cerca de 28 metros de comprimento e 1,80 metros de altura; c) Reconhecerem a existência de uma caleira em cimento, com largura não inferior a 50 centímetros e cerca de 28 metros de comprimento, pertencente aos autores, construída a norte em local confinante com a casa dos autores e junto a esta, no sentido poente/nascente destinada ao escoamento das águas provenientes dos beirais, e a reporem a caleira que destruíram; d) Pagarem aos autores a quantia que vier a fixar em incidente de liquidação de sentença, a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da infiltração de águas na sua casa causada pela construção do muro.

Inconformados os Réus interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões: ...

Concluem pela procedência do recurso.

Os Autores apresentaram contra-alegações, defendendo que o recurso fosse julgado improcedente.

  1. Do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, cumpre desde logo apreciar a questão da nulidade da sentença recorrida.

  2. Da nulidade da sentença No recurso que interpuseram os Réus alegaram a nulidade da sentença recorrida, invocando o disposto nos art.º 660º, n.º 2, 664º e 264º, n.º 2, todos do C. P. Civil, nulidade essa consistente no facto de os Autores terem formulado pedidos de reconhecimento de dois direitos de servidão constituídos por usucapião e a sentença ter reconhecido esses direitos como constituídos por destinação de pai de família, bem como na parte em que os Autores pediram o reconhecimento da aquisição de um direito de propriedade, por usucapião, sobre uma caleira situada no prédio dos Réus, e a sentença recorrida ter reconhecido a constituição de um direito de superfície sobre essa caleira.

    Esta nulidade, a verificar-se, encontra-se prevista no art.º 668º, n.º 1, e), do C. P. Civil, pois, segundo a tese dos Recorrentes, uma servidão constituída por usucapião e uma servidão constituída por destinação de pai de família são realidades distintas, assim como é a aquisição de um direito de propriedade, relativamente a um direito de superfície.

    Da análise da p. inicial resulta claro que a pretensão dos Autores é, conforme consta do pedido formulado em b), a condenação dos Réus a reconhecerem ter sido constituída no seu prédio, pelo menos desde 1952, a favor dos Autores, uma...

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