Acórdão nº 437/18.9T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO MOREIRA DO CARMO
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Proc.437/18.9T8CTB Nº 778 I - Relatório 1.

AA e mulher, BB, residentes em ..., instauraram acção declarativa contra Banco 1..., S.A., com sede em ..., e T-VIDA, Companhia de Seguros de Vida, S.A, com sede em ..., actualmente Generali Seguros, S.A., e GNB, Companhia de Seguros de Vida, S.A, com sede em ..., actualmente Gamalife – Companhia de Seguros de Vida, S.A, pedindo que seja: 1.

Declarada a nulidade e exclusão da cláusula constante no nº 2 do artigo 1º das Condições Especiais da apólice dos contratos de seguro subscritos pelos AA., titulados pelas apólices n.ºs ...23, ...24 e ...87, por abusiva e violadora do princípio da boa-fé e dos deveres de informação e comunicação.

E, consequentemente, ser/serem, 2.

Condenadas a 2ª Ré e a 3ª Ré no reconhecimento da invalidez total e definitiva do A. marido, desde 11 de Julho de 2017; 3.

Condenada a 2ª Ré a indemnizar os AA nos termos contratuais, entregando, nomeadamente, à 1ª Ré o capital em dívida, referente aos contratos de mútuos identificados em 4º e 6º, ou seja, a quantia de 63.826,63 €, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 1.8.2017 e até integral pagamento; 4.

Condenada a 3ª Ré a indemnizar os AA nos termos contratuais entregando, nomeadamente, à 1ª Ré o capital em dívida referente ao contrato de mútuo identificado em 25º, ou seja, a quantia de 36.020,03 €, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 1.8.2017 e até integral pagamento; 5. Condenada a 1ª Ré a reembolsar os AA das prestações que foram obrigados a depositar nesse Banco, desde Agosto de 2017, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efetivo e integral pagamento do capital em dívida e respetivos juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 1.8.2017 e até absoluto pagamento; 6.

Condenadas a 2ª e 3ª Rés a reembolsar os AA. dos valores debitados desde Agosto de 2017, na conta titulada pelo A. marido na mutuante 1ª Ré, a título de prémios de seguro, da quantia de 637,03 €, bem como das que lhe possam vir a ser exigidas até efetivo e integral pagamento das quantias peticionadas, acrescida de juros.

Para tanto, em súmula apertada, os autores invocam a existência de três contratos de mútuos celebrados com o 1º réu, a que se encontram associados os conexos contratos de seguro, ora celebrados com a 2ª ré (no caso dos primeiros dois), ora com a 3ª ré (no caso do terceiro) que garantem o pagamento dos valores em dívida conexos com os mútuos, em caso de morte e de invalidez absoluta e definitiva. Reclamam os pagamentos dos capitais devidos posto que, basicamente, em 11.7.2017, foi atestado que o autor marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do atestado médico de incapacidade multiuso, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 70%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que, em resultado disso, está incapaz de exercer qualquer atividade remunerada, tendo passado consequentemente já à condição de pensionista, auferindo apenas a conexa pensão. Reputam de nulas, por abusivas, as cláusulas que definem nos contratos de seguro ajuizados a condição de “invalidez absoluta e definitiva”. Que, de resto, se devem ter por excluídas por não comunicadas (ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais). Está basicamente em causa uma cláusula que define o estado de invalidez absoluta e definitiva, quando, em consequência de doença ou acidente, o segurado: i) fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer atividade remunerada; ii) fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar quaisquer atos elementares da vida corrente; e, iii) apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.

O réu Banco 1..., S.A., contestou, dizendo, em síntese, que não corresponde à verdade que o banco mutuante tenha exigido aos AA que a contratação dos respectivos contratos de seguro do ramo vida fossem celebrados com as 2ª e 3ª RR. Os AA tinham toda a liberdade para contratar o seguro do ramo vida com qualquer seguradora válida que operasse em Portugal. Sublinha que não existe fundamento legal para que o R. seja condenado a restituir as prestações pagas pelos mutuários após a ocorrência do sinistro. Mais alegou que o banco mutuante informou os AA das cláusulas referentes aos contratos de seguro que regulavam os requisitos para accionamento dos contratos de seguro em caso de invalidez absoluta e definitiva, por consequência de doença.

As 2ª e 3ª rés contestaram, invocando a prescrição dos direitos dos autores na medida em que a doença que determinou a incapacidade do autor foi, como alegam, detectada em 2012. Sublinham igualmente que o estado do autor não preenche a sobredita definição de invalidez absoluta e definitiva. Finalmente, que os autores foram informados da abrangência de cada cobertura e os seus requisitos.

Os autores responderam, dizendo que o facto de o primeiro diagnóstico feito ao A. marido ter ocorrido no ano de 2012, não significa que desde essa altura este seja portador de uma qualquer incapacidade, pelo que não ocorre a referida prescrição.

* A final foi proferida sentença que declarou a nulidade das cláusulas a que se referem os pontos 56) e 57), dos factos provados, por abusiva e violadora do princípio da boa-fé e exclusão das mesmas por violação dos deveres de informação e comunicação, e julgou improcedente o demais peticionado, absolvendo as RR.

* 2. Os AA recorreram, concluindo que: 1.ª A decisão proferida na sentença sub judice, na parte em que julgou improcedentes os pedidos 2. a 7. do petitório da petição inicial, reflete uma incorreta análise da prova carreada e produzida para/nos autos.

  1. O tribunal a quo adotou, para justificar aquela improcedência, uma argumentação de carácter eminentemente teórico, que, para além de não conseguir ultrapassar as dificuldades de aplicação ao caso concreto, é contraditória com o objeto do litígio e os temas da prova fixados, com a circunstância de da jurisprudência citada não ser possível retirar a interpretação e a analogia que consta da motivação da sentença.

  2. Falece razão jurídica ao tribunal a quo quando argumenta como argumenta a fls. 69 e 70 da sentença, porquanto, o primeiro dos Acórdãos aí citados nenhum reflexo pode ter no caso dos autos, nem fundamentar qualquer decisão a proferir, por incidir sobre um caso de contratação dum seguro individual em relação ao qual nenhuma nulidade foi invocada, ao passo que, no nosso caso está em jogo um contrato de seguro de grupo contributivo (do ramo vida) e a declaração de nulidade duma das cláusulas desse contrato, e, quanto ao segundo Acórdão, da dele nota de rodapé citada não consta o que a 1.ª instância afirma, antes coisa diferente, conforme revelado a fls. 41 da motivação desta apelação.

  3. Os AA./Apelantes, ante o objeto do litígio e os temas da prova fixados, cumpriram o ónus de prova que lhes era exigível para a procedência total da ação.

  4. Discutindo-se nos autos o direito de os AA./Apelantes verem condenadas as 2.ª e 3.ª RR./Apeladas a acionarem as apólices dos contratos de seguro em crise, nos quais um dos riscos cobertos é a invalidez por doença, aquilo que competia ao A./Apelante marido provar era, dado tratar-se de facto constitutivo do direito indemnizatório de que se arroga, a sua situação de doença, e o seu enquadramento no conceito de invalidez a adotar ante a alegada (e, afinal, provada) nulidade da cláusula das condições das apólices daqueles contratos onde esse conceito encontra(va) definição, o que sucedeu, conforme o demonstra a procedência do pedido 1. do petitório da petição inicial e, bem assim, os factos provados números 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 49, e, 55.

  5. O ónus de prova exigido pela 1.ª instância para a procedência total do pedido formulado pelos AA./Apelantes consubstancia uma diabolica probatio (prova diabólica), por injusta e desproporcional, e, logo, inexigível, uma vez que, conforme afirmado pelo Sr. Perito dos autos em audiência de julgamento [cf. minutos … do seu depoimento, constante do ficheiro de áudio 20220112135619_1743579_2870662.wma], a análise dos termos duma situação de invalidez, gerada por doença ou acidente, exige olhar, necessariamente, para a profissão que o inválido tinha antes dessa doença ou acidente, num quadro circunstanciado, e não genérico, pois que, é o concreto posto de trabalho, e respetivas capacidades para o mesmo, que o sinistrado tinha à data da doença ou do acidente, que permite determinar o quantum da incapacidade geradora de invalidez, e nada mais, não sendo possível, nas palavras daquele Perito, “divagar sobre profissões”, sendo este, aliás, e também, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, conforme se pode ler em Acórdão datado de 18.09.2014, referente ao processo n.º 2334/ 10.7TBGDM.P1.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro GRANJA DA FONSECA.

  6. A doença do A./Apelante marido – insuficiência renal grave crónica com hemodiálise, de estadio 5 –, que lhe confere uma incapacidade permanente de integridade físico-psíquica de 70% e 60% à luz, respetivamente, da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doença Profissional e da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil, e o torna incapaz de exercer a sua profissão/atividade remunerada, em termos definitivos e permanentes – cf. factos provados n.º 39, 40, e, 49 –, e, bem assim, fisicamente débil, com necessidade de cuidados de saúde constantes – cf. facto provado n.º 55 –, preenche o conceito de invalidez absoluta e definitiva aplicável na ausência duma definição legal válida, e, consequentemente, o risco de invalidez necessário ao acionamento das apólices dos contratos de seguro em...

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