Acórdão nº 19883/21.4T8PRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTEIRO
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: Está em causa a seguinte decisão: “A autora/requerente C..., LDA., com sede na Zona Industrial ..., concelho ..., interpôs contra a ré/requerida P..., S. L., com sede na ..., Espanha, o vertente requerimento de injunção de pagamento europeia, indicando como Fundamento para a competência do tribunal o código 02 (Local de execução da obrigação em questão); indicando como residência habitual/sede da requerente e requerida, respectivamente Portugal e Espanha; para a cobrança do valor global de €11.870,40; crédito esse, ainda de acordo com o formulário da injunção, decorrente de um “contrato de compra e venda”; o “não pagamento” do mesmo; relativo à “venda de resíduos plásticos”, com a menção das datas de 19/11/2014 e 26/11/2014, nos montantes parcelares de €6.744,00 e €5.126,40, respectivamente; titulados nas facturas n.º...00 e ...14, também respectivamente.

“Em sede de declarações adicionais, alega-se ainda, entre o mais, que “No âmbito da sua actividade comercial, a Requerente foi contratada pela sociedade Requerida para que lhe fornecesse bens no âmbito do seu comércio, nomeadamente, resíduos plásticos, mas concretamente, plástico, borracha, cintas PET e PP, plástico colorido e plástico transparente.” “Em sede da CONTESTAÇÃO, a ré P..., S. L., defendeu-se POR EXCEÇÃO: alegando EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DO TRIBUNAL PORTUGUÊS.

“Para tanto, entre o mais, alega que quando a ação estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, é esse regime que prevalece sobre o regime interno por ser de fonte hierarquicamente superior e face ao princípio do primado do direito europeu.

“A presente ação está compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, porque está em causa uma transação comercial intra-comunitária, ou seja, celebrada entre empresas sedeadas em diferentes Estados-membros da União Europeia, in casu Portugal e Espanha.

“O regime comunitário relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial está contido no Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012.

“Em regra, em matéria civil e comercial, o domicílio do requerido (localizado num Estado-Membro), é o critério fundamental de conexão, para fixação da competência internacional, independentemente da sua nacionalidade.

“No entanto, apesar de o regime regra de competência ser o do domicílio do demandado, o Regulamento enumera nas secções 2 a 7 (artigos 7.º a 26.º) um conjunto de critérios especiais.

“Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, al. b), primeiro travessão: as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, sendo que, para efeitos da aludida disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.

“No caso dos autos, como decorre das próprias faturas juntas pela Autora com o requerimento de injunção europeia de pagamento, a mercadoria vendida pela Autora à Ré deveria e foi, efetivamente, entregue na sede da Ré, em Espanha.

“Em razão do que é a ordem jurisdicional espanhola a competente para dirimir o presente litígio, já que é em Espanha que se situa o lugar de cumprimento da obrigação emergente do contrato de compra e venda de bens celebrado entre a Autora e a Ré.

“De notar que o que releva não é, pois, o lugar do pagamento, nem o lugar em que os bens foram entregues ao transportador, louvando-se em jurisprudência que cita, sublinhando que constituindo a causa de pedir um contrato de compra e venda, não é o lugar do pagamento, nem o lugar em que os bens foram entregues ao transportador, mas o local do destino final dos bens adquiridos pela compradora… “No caso dos autos, o destino dos bens vendidos pela Autora à Ré foi a sede da Ré, em Espanha, pelo que serão os Tribunais do Estado espanhol os internacionalmente competentes para decidir estes autos.

“Em abono da tese, cita ainda a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (como decidido pelo TJUE no caso Car Trim GmbH vs KeySafety Systems Srl, de 25.02.2010).

“Conclui, pois, pela incompetência internacional do Tribunal português, exceção dilatória que argui, devendo, por isso, a Ré ser absolvida da instância.

“A Autora C..., LDA., em sede de articulado ulterior, sustenta entendimento diferente.

“Em síntese, alega que à competência judiciária nas injunções europeias aplica-se o disposto no art. 6.º do Regulamento (CE) n.º 1896/2006, de 12 de dezembro, segundo o qual “Para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras de direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente, o Regulamento (CE) n.º 44/2001”.

“Este diploma veio a ser revogado em 2012, pelo Regulamento (CE) n.º 1215/2012, estabelecendo no seu art. 4.º “Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-membro”.

“Não esquecer, contudo, que o art. 5.º do mesmo diploma veio estabelecer regras possíveis para que as pessoas domiciliadas num Estado-membro sejam demandadas nos tribunais de outro Estado-membro.

“Estas regras encontram-se previstas no art. 7.º do mesmo diploma legal, estipulando este, no n.º 1, al. a), que “as pessoas domiciliadas num Estado-membro podem ser demandadas noutro Estado-membro em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.

“Acrescenta a al. b) que “Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar do cumprimento da obrigação em questão será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues”.

“Ora, no seu requerimento de injunção europeia, a Autora começou por alegar que se dedica à “reciclagem de desperdícios não metálicos, reciclagem de sucata e de desperdícios metálicos, ao comércio por grosso de combustíveis líquidos, sólidos, gasosos e produtos derivados, ao aluguer de máquinas e equipamento não especificado, à recolha e tratamento de outros resíduos, ao transporte de mercadorias por conta de outrem e à fabricação de produtos petrolíferos a partir de resíduos”.

“Indicando a sede da Ré como sendo em Espanha, “E que, para prova dos factos por si ali alegados, juntou 2 (duas) faturas e extrato de conta corrente [cfr. Doc. n.º ..., ... e ...].

“Alegou a Ré, porém, na sua oposição, que o destino dos bens vendidos pela Autora à Ré foi a sede da Ré, em Espanha, não relevando “o lugar do carregamento da mercadoria para iniciar o transporte, mas sim o lugar da entrega material e final da mercadoria ao comprador”, “Acontece, porém, que, atendendo aos moldes em que a entrega dos bens vendidos foi realizada junto da Ré, verifica-se que o caso concreto enquadra-se na alínea a) e b) do n.º 1 do art. 7.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 Dezembro de 2012.

“E, por essa razão, fica afastada a regra geral prevista no n.º 4 do mesmo diploma legal. Isto porque, como bem sabe a Ré, foi esta quem veio a Portugal levantar os bens/mercadoria que havia comprado junto da Autora.

“Todas as cargas foram transacionadas nas instalações da Autora, sitas em Portugal.

“Por conseguinte, no momento em que a Ré procede ao levantamento da mercadoria, a Autora emite as competentes faturas, uma vez que a mercadoria iria ser transportada pela Ré até Espanha.

“Significa isto que a Autora cumpriu a sua obrigação em Portugal – lugar onde entregou a mercadoria aos transportadores para que a entregassem em Espanha, junto da Ré, “Transportadores esses que não tinham qualquer ligação ou conexão com a Autora.

“A Autora desconhece quaisquer dados sobre os transportadores “contratados” pela Ré, até porque todos os transportes e movimentações dos bens vendidos pela Autora à Ré foram levados a cabo por esta, “A partir deste instante, ou seja, a partir do momento em que a Autora cumpriu a sua obrigação – entrega da mercadoria na sua sede, em Portugal - deixou de ter qualquer responsabilidade sobre a mesma.

“Desconhecendo, aliás, se o destino final terá sido mesmo em Espanha, ou em qualquer outro local escolhido pela Ré.

“A Autora transmitiu, naquele momento, a propriedade dos bens para a Ré, tendo nesse preciso instante cumprido a obrigação a que estava adstrita – entrega da coisa – como se disse.

“Assim, face ao facto de a mercadoria, objeto da compra e venda, ter sido entregue à Ré nas instalações da própria Autora, resulta evidenciado que os tribunais competentes para julgar o presente litígio são os tribunais portugueses, in concreto, o Tribunal Judicial da comarca ....

“Sem prejuízo, mesmo que se entendesse não estar verificado alguns dos critérios especiais acima identificados, o que não se concebe à luz do exposto supra, sempre se dirá que os tribunais portugueses seriam competentes por força da competência exclusiva prevista no art. 26.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 dezembro de 2012.

“E no qual se extrai que “para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento...

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