Acórdão nº 160/21.7T8CLB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Cristina Neves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

AA propôs, no dia 24 de Novembro de 2021, no Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., contra o seu cônjuge, BB, acção declarativa constitutiva de divórcio sem consentimento, com processo especial, pedindo o decretamento do divórcio entre ambos.

Fundamentou esta pretensão no facto de ter casado, civilmente, com a ré, em França, no dia 18 de Maio de 1991, de há mais de 10 anos, terem deixado de comungar cama e mesa, e de, em 2017, ter decidido sair de casa, passando a residir em Portugal, ficando, quando vai a França em negócios, numa habitação a cerca de 10 km da casa de morada da família, não existindo, de parte a parte, a vontade de restabelecer a vida em comum.

O autor, na petição inicial, propôs a produção de prova testemunhal.

A ré, na contestação, defendeu-se por excepção dilatória - e mesmo só por excepção dilatória - invocando a incompetência internacional do tribunal, que fundamentou no facto de o autor ter a sua residência habitual em França, país onde se situa o centro efetivo dos seus interesses pessoais, familiares, sociais, profissionais, patrimoniais, políticos e religiosos, de a única nacionalidade que os cônjuges têm em comum ser a francesa, não se mostrando preenchido nenhum dos requisitos de atribuição de competência ao tribunal português para julgar a ação, nomeadamente, ter o autor fixado a sua residência em Portugal pelo menos nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, pelo que os tribunais portugueses, não têm, no caso, competência internacional para decidir a acção de divórcio e, com base nisto, pediu a sua absolvição da instância.

A ré pediu a prestação, pelo autor, de depoimento de parte.

Em resposta, o autor afirmou que desde 2017 tem residido a maior parte do tempo em Portugal, onde com carácter regular e permanente, tem vindo a resolver os seus negócios, deslocando-se pontualmente a França, e que nos últimos oito meses foi pontualmente, a este país, por dois, três dias.

O autor juntou, posteriormente, documento produzido pelo do Presidente da Junta de Freguesia ..., ... e ..., datado de 4 de Abril de 2022, no qual aquele declara que o primeiro tem residência naquela Freguesia, documento cuja eficácia probatória a ré impugnou.

O Senhor Juiz de Direito, por despacho epigrafado Da (in)competência do tribunal - no qual não discrimina ou especifica os factos que teve por provados - sem produzir as provas pessoais propostas por ambas as partes, julgou verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta, em razão da infracção das regras de competência internacional, e absolveu a ré da instância.

É esta decisão que o autor impugna no recurso - no qual pede a sua revogação e se ordene a remessa do processo à 1- instância para elaboração de despacho designando dia e hora de audiência de discussão e julgamento de forma a permitir a prova do alegado - tendo rematado a sua alegação com as conclusões seguintes: A) O autor deduziu a presente ação de divórcio junto dos tribunais portugueses por considerar estar preenchido o critério da residência habitual em Portugal, previsto na alínea a) do n° 1 do artigo 3° do Regulamento (CE) n° 2201/2003; B) Para esse efeito alegou ter naturalidade e nacionalidade portuguesa, e ter vindo residir para casa dos seus pais após se ter separado da ré no ano de 2017, mantendo-se em Portugal desde então; C) Mais alegou que vai a França em negócios e que fica numa habitação que dista cerca de 10km da casa onde ficou a residir a ré; D) Esclareceu ainda que em Portugal explora uma empresa cuja atividade comercial teve início no ano de 2019 e que se desenvolve entre os dois países, e que vai a França dois a três dias por mês para fiscalizar a gestão dos estabelecimentos comerciais localizados em França; E) Confirmou que se mantém nos Conselhos Municipais mas sem qualquer tarefa executiva, e que nas idas a França em negócios, comparece a uma ou outra reunião mensal.

  1. Não obstante, o Tribunal de 1g instância declarou a incompetência internacional dos tribunais portugueses e considerou que “nenhum dos critérios de atribuição de competência aos tribunais portugueses previstos no Regulamento (CE) n° 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental se mostra preenchido in casu”, G) fundamentando essa decisão nos seguintes factos: - que autor e ré casaram naquele país em 18.05.1991, aí vivendo toda a sua vida até à sua separação que terá ocorrido depois de 2017, ai tendo e criando os seus filhos, já maiores mas que ainda aí residem, - que o autor aí estabeleceu a sua vida profissional, tendo empresas e atividades profissionais que mantém até hoje, - que o autor está integrado na sociedade francesa.

  2. Ora nenhum desses factos corresponde a qualquer um dos critérios previstos no Regulamento (CE) n° 2201/20O3 e, em concreto no artigo 3° do mesmo, sendo ainda certo que o Ex.mo Senhor Juiz não faz uma análise ponderada e criteriosa desses factos desvalorizando o que é alegado pelo autor.

  3. Nomeadamente parte do princípio, sem qualquer prova que sequer indiciasse tal conclusão, que a atividade comercial e profissional do autor em Portugal “será muito mais recente e menos representativa do que as que prossegue em França”, quando em parte alguma do processo foi referido ou documentado qual o volume de negócios do autor em França e em Portugal.

  4. O Ex.mo Senhor Juiz por um lado reconhece a mobilidade profissional no quadro europeu, mas por outro lado atende ao facto de o autor manter empresas em França para declarar a incompetência internacional dos tribunais portugueses.

  5. Com a decisão proferida sem audiência de discussão e julgamento o autor ficou impedido de provar, nomeadamente através de prova testemunhal: - que os seus negócios em França já não exigem a sua presença pessoal, uma vez que apenas fiscaliza a gestão do estabelecimento, o que pode fazer à distância, que não exerce qualquer função executiva nos conselhos municipais franceses, tendo apenas de comparecer a uma reunião por mês, que por tudo isso apenas vai dois a três dias por mês a França.

  6. O Ex.mo Senhor Juiz não ponderou que depois de 26 anos de vivência conjugal em França naturalmente se manterão laços sociais e até laços profissionais, tal como não ponderou que se a vinda do autor para Portugal só ocorreu como alegado depois da separação de facto ( e, note-se, a Ré não contesta a separação referindo apenas ter sido em 2018 e não em 2017 como refere o autor) também naturalmente os laços sociais e profissionais em Portugal até poderão ser menos, porque o que importa é a intenção do autor em criar a sua estabilidade em Portugal e estar a construir essa estabilidade.

  7. Pode concluir-se que autor e Ré não têm uma residência habitual comum pelo menos desde 2017. E até pode concluir-se que o autor tem uma residência em Portugal e outra em França e que tem negócios em França e em Portugal. E que até ainda mantém em França relações institucionais ou sociais.

  8. Mas nada mais se provou: sendo certo que o autor alega ter o seu centro de vida pessoal em Portugal onde reside com os pais, sendo daqui que parte em visita aos filhos e que estes o visitam, que gere diariamente os seus negócios, indo apenas pontualmente a França (dois a três dias por mês).

  9. Ora a prova em falta era essencial na consideração de qual a residência habitual do autor após a data da separação dos cônjuges. Sem esquecer que, a ponderação não poderia atribuir um peso de 26 anos de vida conjugal em França com a exigibilidade de prova de residência habitual em Portugal nos 6 meses anteriores ao pedido.

  10. A Doutrina, nomeadamente, João Gomes de Almeida, em “ Casos Práticos de Divórcio Transnacional, in ebook do CEJ, intitulado “ Direito Internacional da Família”-www.cej.mj.pt- pág 64 e ss) tem entendido que: “ a residência habitual só tem de existir na data da instauração do processo, sendo a mera residência suficiente para preencher o requisito do período mínimo ininterrupto....Discute-se se este período mínimo se refere à residência habitual ou se, pelo contrário, a residência habitual só tem de existir na data da instauração do processo, sendo a mera residência suficiente para preencher o requisito do período mínimo.

    Sufraga-se esta última posição, por duas ordens de razão: 1. A letra do preceito parece dispor em favor da última opção e 2. É muito difícil determinar precisamente em que momento adquiriu o requerente a residência habitual para se aferir a partir dessa data, se o respetivo período mínimo se encontra ou não preenchido. O que torna a verificação do requisito mais imprevisível”. Mais à frente continua o mesmo Autor: “A intenção do interessado releva para a determinação da residência habitual. Isto mesmo se pode inferir da afirmação do TJ de que a “residência habitual é um local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir um carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, entendendo-se que para efeitos de determinação da residência...

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