Acórdão nº 413/19.4T8LRA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO AA, residente em ..., intentou a presente ação declarativa constitutiva contra BB, residente na mesma cidade, pedindo a emissão de sentença que, suprindo a declaração negocial da ré, declare a aquisição, pela autora, da fração autónoma onde reside.

Invoca, para o efeito – e muito resumidamente – que foi notificada para, querendo, exercer a preferência relativamente ao projeto de venda do apartamento onde reside, como arrendatária, na sequência do que celebrou, com a senhoria, contrato-promessa de compra e venda do imóvel em causa, pelo preço e nas demais condições em que lhe tinha sido comunicada a venda, para efeito de notificação como preferente, sendo que, injustificadamente, a promitente-vendedora declarou não mais pretender realizar o negócio.

* Devidamente citada, a ré apresentou contestação, avançando – e também em muito breve síntese – que o contrato padece de nulidade por não ter as assinaturas reconhecidas, que foi celebrado com falta de vontade, que nunca houve negociação entre as promitentes/contraentes, que a execução específica não é viável pela existência de sinal, e impugna alguns dos factos instrumentais alegados pela autora, concluindo pela improcedência da ação.

* Em resposta, a autora pugna pela improcedência das invocadas exceções, e pede a condenação da ré como litigante de má-fé, argumentando que dirigiu à autora um contrato que, posteriormente, se recusa a cumprir, tendo já vendido a terceiro todas as frações do prédio em causa exceto a aqui em apreço.

* Elaborou-se despacho saneador no qual se indicou o valor da causa, apreciaram-se os pressupostos processuais, e depois disso por sentença foi a acção julgada procedente, dispensando-se o julgamento.

Houve recurso da sentença, tendo este mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 03 de Novembro de 2020, revogado a decisão final, sem prejuízo de ser operado convite ao aperfeiçoamento a dirigir à A., e ordenando-se o prosseguimento da causa para esclarecimento de alguns pontos alegados.

Tendo voltado os autos à 1ª instância, foi operado o convite ao aperfeiçoamento com a apresentação pela A. de peça processual corrigida e cumprido o contraditório.

Marcada nova audiência prévia, nela se indicou o objecto do litígio, se seleccionaram os temas da prova e se admitiram os róis probatórios.

* Realizou-se a audiência final dentro do estrito formalismo, como resulta das respetivas Atas.

Na sentença, considerou-se que improcediam todas as causas de invalidade do contrato-promessa invocadas pela Ré e que não estava afastada a execução específica do mesmo, pelo que, ponderando que «(…) a R. não se limitou a remeter uma missiva com as condições do negócio para querendo a A. exercer preferência, a R. remeteu-lhe também um contrato promessa.

E assim sendo, vinculou-se ao conteúdo desse contrato promessa e às inerentes consequências que adviriam desse incumprimento», daí decorria que a R. entrou em mora ao negar-se posteriormente a efetuar o contrato prometido, podendo o Tribunal substituir-se à declaração da R., termos em que, com total ganho de causa para o A., procedia a ação, o que se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”: « III – DECISÃO Na total procedência da acção, decide-se: a) que a presente sentença produz os efeitos da declaração negocial da R., BB, suprindo a sua manifestação de vontade de vender à A., AA, a fracção autónoma designada pela letra ...

, correspondente ao ... esquerdo, do prédio inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ... e ... sob o nº ...29, fracção ..., e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28...., com registo de aquisição a favor da A. - do prédio mãe objecto de posterior constituição de propriedade horizontal - pela apresentação nº ...70 de 2013/12/19.

  1. Não condeno a R. como litigante de má-fé.

  2. Custas a cargo da R. (artigo 527º nº1 do CPC).

  3. Após trânsito desta sentença, entregar-se-á à R. BB o valor constante do depósito autónomo no valor de € 53.500,00 (cinquenta e três mil e quinhentos euros) depositado pela A., através de transferência para o NIB/IBAN que a mesma indicar no processo.

  4. Após trânsito comunicar-se-á a presente sentença à ... Conservatória do Registo Predial ... para os legais efeitos.

* Consigna-se que foi liquidado o Imposto de Selo e que foi emitido documento pela ATA relativo a isenção de IMT.

Competirá à A., após trânsito, proceder à competente inscrição na matriz do imóvel que vem a adquirir através da presente decisão.

* Registe e Notifique ».

* Inconformada com essa decisão, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes “conclusões”: «1. A douta sentença fez um errado julgamento da matéria de facto, pelo que a mesma é objeto de impugnação, por referência a alguns dos pontos de facto dados como provados na douta sentença, bem como dos factos da douta P.I. e da contestação sobre os quais a 1ª instância não se pronunciou.

  1. o tribunal a quo deveria ter-se pronunciado e dado como provado o facto alegado no artigo 30º da contestação: “o “contrato” traduz apenas uma manifestação de vontade da autora de exercer o seu direito de preferência aquisição do prédio identificado no artigo primeiro da P.I, após interpelação que lhe foi feita pela Ré nesse sentido e não resulta de qualquer contratação/negociação com a Ré.

  2. Que a 1ª Instância deveria ter-se pronunciado e dado como provado o facto afirmado na supra conclusão 2. Decorre, não só dos documentos juntos aos autos e cujo teor foi dado como reproduzido nos pontos de facto dados como provados na douta decisão recorrida – pontos factos 3, 5, 6, 7, 9, 10, 11 e 12 - mas também do depoimento da testemunha CC - depoimento gravado no Ficheiro áudio n.º 20220223145041 do minuto 00.00.00 ao minuto 00.22.56.4 - - minuto 00:01:07.6 ao minuto 00:01:30.9 -; - minuto 00.05.23.1 ao minuto 00:05:30.3; do m 00:07:11.5 00: ao minuto 07:25.5 e do minuto 08.16.8 ao minuto 00.08.22.4 e do minuto 00.22.07.4 ao minuto 00.22.51.7 -.

  3. Estas concretas passagem da gravação fonográfica da testemunha em causa, demonstram que: o mesmo era, à data dos factos, um mediador imobiliário que fazia a gestão dos arrendamentos da recorrente há largos anos e, bem assim que a autora pretendia vender a fração em causa nos autos; que a autora teve uma proposta para aquisição do Sr. DD e que a testemunha a informou que tinha de notificar a sua inquilina (ré) para esta exercer a preferência; que transmitiu á autora que não poderia ser ele (testemunha) a fazê-lo e que a mesma foi procurar quem lhe fizesse tal notificação para preferência e, bem assim que, a Ré é uma pessoa que confia nas pessoas assinando de cruz quando se trata de documentação que careça de formalização e que seja tratada por profissionais por ela contratados, tendo saído do do seu escritório com intenção, unicamente, de notificar a Autora para o exercício do direito de preferência, enquanto inquilina -.

  4. Ainda por referência a este novo facto que se entende deve ser dado como provado para além do depoimento da testemunha e, dos factos provados referentes á troca de correspondência entre as partes, têm especial relevância os factos provados 18 e 19. O primeiro porque demonstra que não houve quaisquer contactos pessoais entre as partes, previamente ao documento em causa, nem qualquer negociação. O segundo porque demonstra que o envio do contrato foi a forma como a Ré decidiu notificar a autora para o exercício do direito de preferência, com a qual esta concordou 6. Deve assim ser considerado como provada a factualidade ínsita no artigo 30º da contestação da recorrente. A saber: O “contrato” traduz apenas uma manifestação de vontade da autora de exercer o seu direito de preferência aquisição do prédio identificado no artigo primeiro da P.I., após interpelação que lhe foi feita pela Ré nesse sentido e não resulta de qualquer contratação/negociação com a Ré.

  5. Deverá ser dado como não provado o facto 20 dos factos provados na douta decisão recorrida e alterado o teor do artigo 10º do ponto de facto dado como provado, para o seguinte teor: “A Ré nessa sequência enviou uma carta datada de 26 de março de 2018, com o seguinte teor: “Acuso a receção da vossa carta com registo de 23- Fevereiro-2018, que notei e agradeço, em resposta á mesma informo que, por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes que obstam na presente data, á realização do negócio nos termos anteriormente referidos, não me é possível, agora, concretizar o mesmo. No caso de eventual futura venda da fração, da qual V. Exª é arrendatária, voltarei ao contacto.” 8. No que concerne á atribuição de natureza não provada do ponto de facto provado na douta sentença recorrida e aí identificado como ponto 20. provando-se o meio/fim pelo qual foi enviado o documento de denominado de contrato promessa, conclui-se que, não só a recorrente não prometeu vender á recorrida a fração em causa por tal documento. Acresce que, é a própria autora que reconhece que, quando recebeu a carta e o contrato por ela capeado “ficou a conhecer todas as clausulas do contrato de compra e venda apresentado pelo Sr. DD (entenda-se proponente na aquisição em causa) para poder exercer ativamente e com conhecimento de causa o seu direito de preferência”, o que demonstra que a mesma não tinha quaisquer expetativas num contrato prometido, porque inexistente. A tudo isto, acresce ainda que, cerca de 2 meses depois, do envio do documento/contrato a Ré transmitiu á autora que naquele momento/data não lhe era possível concretizar a venda.

  6. Deverá, assim, ser dado como não provado o facto 20 dos factos provados na douta decisão recorrida 10. Deverá ser alterada a redação do ponto de facto 10 dado como provado na douta decisão recorrida, porque a parte deste facto provado relativa á menção feita quanto á concretização do “negócio que as partes estavam a ajustar”, terá de ser eliminada...

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