Acórdão nº 1398/22.5T8CTB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes 1.º Adjunto: Mário Rodrigues da Silva 2ª Adjunta: Cristina Neves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

AA promoveu, por apenso ao processo de inventário judicial, instaurado por óbito de BB e de CC, contra DD, providência cautelar especificada de arrolamento, pedindo o arrolamento dos saldos de dois depósitos bancários, detidos pela Caixa Geral de Depósitos, SA, no valor de € 8 703.73 e de € 70 601,02, respectivamente.

Fundamentou esta pretensão cautelar no facto de as contas bancárias serem tituladas pela requerida e por CC, mas a totalidade dos depósitos pertencer ao último, constando a requerida como titular apenas para lhes aceder livremente, dado que o dinheiro do falecido era o único de que dispunha para fazer face aos gastos pessoais, de no dia 21 de Setembro ter recebido na sua conta uma transferência de € 21 608,14, relativa à divisão do valor das contas, o que deixa antever que o afastamento da presunção da sua pertença em partes iguais aos respectivos titulares não foi feita pelo banco e que a divisão não foi feita em partes iguais, e de a requerida não trabalhar desde 2012, nem lhe ser conhecida, desde então, fonte de rendimento, provindo o seu único sustento, desde essa data até à morte de CC, da poupança e da reforma deste, daí que exista o fundado receio de que a requerida utilize os valores constantes das contas para continuar a financiar os seus gastos pessoais.

A requerida alegou, em oposição, que no inventário constam outros bens, nomeadamente um imóvel e metade do dinheiro em causa, pelo que caso se demonstre, no futuro, que pelo menos metade do dinheiro não é sua pertença, sempre sobraria a outra metade e os demais bens da herança para equilibrar os quinhões, que o valor das contas está relacionado e o que se discute é apenas a sua titularidade, que o dinheiro das contas não pertence à herança, contas que foram abertas consigo como contitular o que sempre consubstancia presunção de compropriedade, que esteve com os pais até à morte do último, em 2021, dedicação que os pais pretenderam premiar, o que levou que o inventariado tivesse transmitido aos dois filhos, em 2018, que o dinheiro das contas bancárias seria para a filha como retribuição dos serviços prestados, o que, na altura, o requerente aceitou, tendo para o efeito aberto, em 12 de Outubro de 2018, em seu nome e da filha, uma conta poupança, e que contribuiu com o seu salário, subsídio de desemprego e indemnização laboral para o sustento da casa.

No dia designado para a prestação das declarações de parte da requerida e para a inquirição da testemunha que arrolou, aquela declarou prescindir da produção daquelas provas, não tendo sido produzida qualquer outra.

A sentença final da final do procedimento, ponderando que atenta a natureza dos depósitos bancários e a falta de demonstração da titularidade do dinheiro nelas depositado, soçobra o preenchimento de um dos requisitos da providência - a prova da tituiaridade dos direitos relativos ao mesmo - que o receio invocado pelo requerente de que inexista dinheiro na conta bancária insusceptível de preencher o seu quinhão não fica deste modo demonstrado, por um lado, e a falta de rendimento por parte da requerida, não fica demonstrado, por outro, comportando o seu quinhão um direito sobre outros bens que não apenas as identificadas contas bancárias, mister se torna concluir que esse quinhão, idealmente, não se preenche, exclusivamente, com dinheiro existente nas identificadas contas bancárias, pelo que cabe, pois, concluir pela não verificação de todos os pressupostos necessários e legalmente determinados para o deferimento da providência ora requerida - não decretou a providência peticionada pelo requerente.

É esta decisão que o requerente impugna por via do recurso - no qual pede a sua revogação e se determine o arrolamento das contas bancárias pedido - tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: A.

O Requerido/Recorrente não se conforma com o indeferimento do arrolamento das verbas 1 e 2.

B.

Andou mal o tribunal a quo quando não deu como provado que a Requerida não tem qualquer fonte de rendimento desde 2012 e que desde a morte do pai CC (inventariado) que o seu único sustento provem das poupanças e reforma deste (tal como alegado pelo Requerente nos artigos 14.° e 15.° da PI).

  1. Isto porque a própria Requerida não impugnou tal factualidade nem contradisse o alegado pelo Requerente na oposição apresentada.

  2. Aliás, pelo contrário, corroborou em parte a tese do Requerente na resenha histórica vertida nos artigos 17.° a 23.° da oposição e na afirmação constante no artigo 30.° do dito articulado.

  3. A Requerida assume que deixou de trabalhar em 2012 e que desde essa data que passou a tomar conta dos pais.

  4. Mais afirma que apenas ajudava os pais em casa e nas hortas, sendo essa a sua contribuição para que os pais (inventariados) providenciassem pelo seu sustento.

  5. Falecendo os pais (inventariados) e ficando a Requerida na mesma situação de desemprego, é no mínimo razoável que o Requerente tenha justo receio da dissipação de bens, na medida em que a Requerida, sem qualquer fonte de rendimento desde 2012 e com a morte dos pais, possa utilizar os valores constantes das verbas 1 e 2 para continuar a financiar os seus gastos pessoais.

  6. Andou mal o tribunal a quo quando não considerou sumariamente provado o receio de dissipação e não decretou a providência de arrolamento, necessária à conservação das quantias depositadas para garantia da efetivação da partilha no futuro.

Na resposta, a apelada concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    O Tribunal de que provém o recurso, decidiu a matéria de facto nestes termos: a.

    Factos Indiciariamente Provados.

    Com interesse para a decisão nos presentes autos, encontram-se indiciariamente provados os seguintes factos: - Do Requerimento Inicial.

    1. Corre termos no Juízo Local Cível ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., com o n.° de processo 1398/22...., o Inventário por morte de BB e CC, em que o Requerente é Cabeça-de-Casal e a Requerida é Interessada na partilha.

  2. O Requerente e a Requerida são irmãos e únicos herdeiros de seus pais: a. BB, falecida no estado de casada em primeiras e únicas núpcias de ambos com CC, no dia 20 de março de 2018, na freguesia ... e ..., concelho ..., com última residência na Rua ..., ..., ....

    1. CC, falecido no estado de viúvo de BB, com quem foi casado em primeiras e únicas núpcias de ambos, no dia 07 de fevereiro de 2021 na freguesia ..., concelho ..., com última residência na Rua ..., ..., em ..., NIF de herança ....

  3. Nos autos principais do processo de Inventário, o Cabeça-de-Casal, ora Requerente, relacionou os seguintes depósitos bancários: - Verba 1: Depósito bancário à ordem depositado na instituição Caixa Geral de Depósitos, S. A., conta à ordem n.° ...30, com saldo total à data do óbito do Autor da Herança de € 13 334,37; - Verba 2: Depósito bancário na conta poupança depositado na instituição bancária Caixa Geral de Depósitos, S. A., conta n.° ...61, com saldo total à data da morte do Autor da Herança de € 73 344,56.

  4. Em Agosto de 2022 foi promovida a habilitação de herdeiros junto da Caixa Geral de Depósitos, S. A.

  5. No dia 02 de Agosto de 2022 existiam na conta identificada como verba 1 € 8 703,73 e na conta identificada como verba 2 € 70 601,02, no total de € 79 304,75.

  6. No dia 21 de setembro de 2022, o Requerente recebeu na sua conta pessoal uma transferência de € 21 608,14 relativos à divisão do valor constante das contas identificadas como verbas 1 e 2.

    - Da Oposição.

  7. Do Inventário constam diversos outros bens, nomeadamente, um imóvel, e metade do dinheiro em causa.

  8. As referidas contas foram abertas com a Requerente como contitular.

  9. E esteve com os pais até à morte do último, em 2021.

  10. O Inventariado abriu em seu nome e da filha uma conta poupança a 12 de Outubro de 2018.

    b.

    Factos Indiciariamente Não Provados: - Do Requerimento Inicial.

    1. Em agosto de 2022, o Requerente e a Requerida deslocaram-se a uma agência da Caixa Geral de Depósitos, S. A., em ....

    2. Nessa deslocação, deram conta à funcionária da Caixa Geral de Depósitos, SA, que, não obstante as contas serem tituladas pela Requerida e o falecido CC, a verdade é que a totalidade dos depósitos pertencia a este último.

    3. A Requerida apenas constava como titular da conta para a ela ter livre acesso, uma vez que o dinheiro do falecido era o único de que dispunha para fazer face a todos os seus gastos pessoais.

    4. O valor que não foi transferido para a conta do Requerido permanecerá nas contas do de cujus.

    5. Não é conhecida qualquer fonte de rendimento da Requerida desde 2012.

    6. Desde essa data até ao óbito de CC que o único sustento da Requerida provém das poupanças e reforma deste.

      - Da Oposição.

    7. Da relação de bens apresentada consta também um terreno.

    8. Em 2018, o pai dos Interessados transmitiu aos dois filhos que doava o dinheiro ali depositado à sua filha como retribuição pelos serviços prestados.

    9. A Requerente vivia na zona do ... até 2008. Nesse ano separou-se e veio viver para a casa dos pais, em ..., juntamente com o seu filho.

    10. Arranjou emprego junto de uma IPSS local (...), onde esteve até 2012.

    11. Quando, em 2012, o seu contrato terminou, decidiu regressar à zona do ....

    12. Sucede que os seus pais, já de idade avançada e com problemas de saúde, lhe pediram para ficar a cuidá-los.

    13. À data, já a Inventariada tinha necessidade de cuidados permanentes e apesar do Inventariado ainda se encontrar de boa saúde, a idade já não lhe permitia prestar os cuidados de que a sua esposa necessitava.

    14. Pelo que, nesse contexto, os dois pediram à filha que ficasse.

    15. O cenário nessa altura apresentava estas alternativas: a. Permanecerem em sua casa e a sua filha cuidar deles; b. A sua filha prosseguir com a sua vida e eles irem para um lar.

    16. A Requerente não teve como virar as costas aos...

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