Acórdão nº 2033/16.6T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Proc.2033/16.6T8CTB I – Relatório 1. J (…), residente na ..., intentou acção declarativa contra o Município da ..., com sede na ..., pedindo a sua condenação a: 1- Reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o manuscrito em pergaminho designado por Torah, melhor identificado no artigo 1º desta Petição Inicial, e ocupado e utilizado abusivamente pelo R.; 2- Restituir imediatamente ao A., seu legítimo proprietário, o manuscrito judaico designado por Torah, por o estar a utilizar sem autorização e contra a vontade do seu proprietário; 3- Pagar ao Autor os prejuízos que lhe causa com a privação do manuscrito os quais serão quantificados e liquidados em execução de Sentença, mas se estimam em 1.000€ diários.

Para tanto, sustentou, em síntese, que é dono e legitimo possuidor do documento designado por Torah, manuscrito que adquiriu a …, que o teve em sua posse durante mais de 20 anos por o ter encontrado. A pedido de Vereador do Município o anterior proprietário emprestou o pergaminho ao mesmo para análise e estudo, que nunca mais o devolveu apesar de solicitado para tal pelo anterior proprietário. De igual modo o A. solicitou ao R. a devolução do pergaminho mas o documento não lhe foi entregue. Entretanto o Município remeteu ao A. uma proposta de contrato de comodato, que este não aceitou, após o que o R. voltou a recusar a entrega do dito manuscrito ao A.

O R. contestou, e impugnou que o A. fosse proprietário do pergaminho, alegando ainda ter direito de retenção sobre o mesmo, visto, face ao comodato de tal manuscrito, ter despendido montantes monetários com a guarda e conservação do mesmo. Por fim, deduziu reconvenção, pedindo que se condene o A. a pagar tais montantes, a liquidar em sentença, mais juros a contar da notificação da contestação, e invocou a compensação com o peticionado crédito do A.

O A. replicou, impugnando a reconvenção.

* A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, consequentemente, absolveu o R., e declarou extinta a lide reconvencional, por inutilidade.

* 2. O A. interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) 3. O R. contra-alegou, concluindo que: (…) II – Factos Provados 1. No Cartório Notarial da ..., em 28 de Setembro de 2016, foi celebrada uma escritura de compra e venda entre J (…), como primeiro outorgante, e J (…), como segundo outorgante, tendo o primeiro declarado que “pelo preço de cem mil euros, que do segundo já recebeu, a este vende o seguinte: documento em pergaminho, com texto judaico, com suporte em rolos de madeira, com trinta metros de cumprimento e sessenta centímetros de altura, que se supõe estar escrito em hebraico, com tinta ferrogálica. O vendedor declara que o documento foi emprestado à Câmara Municipal da ..., para análise e estudo, a qual se comprometeu a devolvê-lo ao proprietário, logo que o mesmo seja solicitado. Mais declarou que pelo referido empréstimo à Câmara Municipal não recebeu qualquer contrapartida em dinheiro, ou outra, e não celebrou qualquer protocolo ou contrato. Declarou ainda o vendedor que o objecto é um bem próprio dele, pois o adquiriu em estado de solteiro”.

  1. J (…) “encontrou” tal manuscrito no “entulho” de uma obra no âmbito do exercício da sua profissão relacionada com a construção civil e guardou-a na sua casa.

  2. No início de 2016, o referido J (…) exibiu o documento a um Arqueólogo da UBI que comunicou a sua existência ao Município, aqui Réu.

  3. Em 30 de Maio de 2016, ocorreu uma reunião entre o Sr. Vereador da Cultura da Câmara Municipal da ... e J (…), em que os representantes do R solicitaram a este o empréstimo do Torá, atentas as deficientes condições em que se encontrava e a necessidade de se proceder à respectiva conservação, estudo e análise e subsequente exposição em eventos de natureza arqueológica e cultural.

  4. Nesse mesmo dia, foi celebrado entre o R e o dito J (…) “auto de empréstimo”, no qual se refere o seguinte: “ Aos trinta dias do mês de Maio da ano de dois mil e dezasseis, compareceu perante mim, J (…) Vereador em Permanência, J (…), a fim de entregar para guarda, análise/estudo: - Uma Torah, em pergaminho O referido bem foi devidamente identificado e caracterizado pelas partes e destina-se à guarda do Arquivo Municipal, para análise e estudo” 6. A referida Torá foi guardada no arquivo municipal, em ambiente protegido, com uma humidade relativa entre 45% e 60% e uma temperatura entre 16º e 20º Célsius.

  5. Entre Junho e Julho de 2016, os representantes do MC solicitaram a colaboração de diversos especialistas, nacionais e estrangeiros, tendo em vista a identificação e estudo da referida Torá.

  6. Em 2016.09.15, e após contacto com o Senhor J (…), os representantes do MC anunciaram, em conferência de imprensa, que a referida TORÁ seria exibida no âmbito das Jornadas Europeias do Património.

  7. Na sequência do referido anúncio, o MC foi contactado por diversas entidades que solicitaram informações sobre a TORÁ.

  8. Em 2016.09.23, realizaram-se as Jornadas Europeias do Património, no âmbito das quais foi exibida a referida TORÁ.

  9. Em 2016.09.27, e após contacto telefónico, o Senhor Presidente da CM… remeteu carta à Direcção Regional de Cultura do Centro (DGCC), a “comunicar o aparecimento de um Torá e (a) solicitar informações sobre o modo de proceder em relação ao mesmo (…) face às dificuldades relativas à posse e prosseguimento do estudo do referido documento”.

  10. Por cartas datadas, de 2016.09.29, o A. informou os Senhores Presidente e Vereador da Educação e Cultura da CM.., do seguinte: “ Venho pelo presente dar conhecimento a V. Exa. que comprei ontem, dia 28/09/2016, o documento escrito em pergaminho designado por torá e que se encontra emprestado à Câmara Municipal desde o dia 30 de Maio de 2016 para estudo e exposição.

    Sei pela comunicação social, que o prazo fixado para exposição vai até amanhã 30 de Setembro.

    Também eu pretendo incumbir alguns especialistas para analisarem e estudarem a peça, que tem elevado valor cultural, artístico e económico.

    Por tal motivo solicito a V. Exa. que me devolvam o torá, depois de terminada a exposição. Eu próprio irei aos Paços do Município, para o recolher, no próximo dia 3 de Outubro de 2016, a partir das 14 horas”.

  11. Por carta datada, de 2016.10.04, o A. informou o Senhor Presidente da CM… do seguinte: “ Quero reafirmar que é meu desejo manter em bom estado o documento escrito em pergaminho, designado por torá, e que se encontra emprestado à Câmara Municipal, desde o dia 30 de Maio de 2016. Assim agradeço (que) enquanto se mantiver a guarda nas vossas instalações permaneça em local seco e com a temperatura adequada.

    Reafirmo que pretendo celebrar um protocolo com a Câmara, da digna presidência de V. Exa, no mais curto lapso de tempo, pelo que solicito que na próxima semana me seja enviada uma minuta de protocolo para definirmos, claramente, a questão do empréstimo ao Município da ....

    Tal protocolo deverá constar que o proprietário poderá deslocar-se sozinho ou acompanhado por especialistas para analisarem e estudarem a peça, no que respeita às suas qualidades, origem, data de fabrico ou recolha de outros elementos relevantes que valorizem cultural, artística e economicamente o documento.

    Pretendo também que seja feito um seguro para o documento contra furto, roubo, incêndio, inundação e outros riscos provenientes de fenómenos naturais ou humanos e que garanta o valor cultural e económico do manuscrito.

    Deverá consignar também as condições de utilização do documento por parte do comodatário, apenas em eventos de reconhecido valor arqueológico e cultural”.

  12. Por carta datada, de 2016.10.10, o A. informou o Senhor Director-Geral da Direcção Geral do Património Cultural, do seguinte: “ Venho, por este meio, comunicar que sou proprietário de um documento escrito em pergaminho, em língua judaica, com suporte em rolos de madeira, com cerca de 30 metros de comprimento por 60 centímetros de altura, designado por Tora, e que se encontra emprestado à Câmara Municipal da ..., desde o dia 30 de Maio de 2016.

    Julgo que se trata de um documento de assinalável valor arqueológico e cultural.

    Pretendo, pois, dar conhecimento a V. Exas. da sua existência e proceder ao seu registo junto da V/ entidade e de outros organismos governamentais, para efeitos legais.

    Solicito o favor de me informarem das formalidades a cumprir para que a situação fique devidamente legalizada”.

  13. Por carta datada, de 2016.11.02, o A. informou o Senhor Presidente da CM… do seguinte: “ Venho, de novo, à presença de V. Exa., na qualidade de legal proprietário do Torah, comodatado ao Município, dizer que esperava que a Câmara Municipal, na pessoa do Sr. Presidente, tivessem a gentileza de responder às missivas já enviadas e apresentassem uma proposta de protocolo.

    Parece que só da minha parte existe essa vontade em definir regras da utilização do manuscrito.

    Em face da Vossa inércia venho, nos termos do n.º 2 artigo 1137º do Código Civil, notificar V. Exa. e a Câmara Municipal da ... para me entregarem o Torah no dia 9 de Novembro de 2016 pelas 15 horas no edifício principal do Município.

    Nessa data deslocar-me-ei ao Município para recuperar o manuscrito que me pertence de direito.

    Se porventura não me for entregue nessa data exigirei, nos tribunais, uma indemnização de 1000,00€ (Mil euros) por cada dia de atraso na sua entrega, por perdas e danos que estou a sofrer com a privação desse importante e valioso documento”.

  14. Em 2016.11.07, o Senhor Presidente da CM… remeteu ao representante do A. o “projecto de minuta de Contrato de Comodato”.

  15. Em 2016.11.08, o representante do A. informou o Senhor Presidente da CM… do seguinte: “Agradeço o envio da minuta de comodato referente à utilização do pergaminho. Em traços largos o documento ficaria nas instalações do Município que facultaria a sua visita e exame ao proprietário e a quem ele indicasse, em condições a acertar. Após conferenciar com o meu cliente, Sr. J (…), este referiu-me que pretende guardar o pergaminho num cofre forte da...

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