Acórdão nº 4039/17.9T8LRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução28 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A (…) SGPS, S.A.

, com sede (…) Lisboa, com o NIPC (…) intentou processo especial de destituição de titulares de órgãos sociais, com medida cautelar de suspensão imediata, contra C (…), casado, residente (…), em (...), e contra A (…), casada, também dada como residente (…), em (...), pedindo que se decrete a suspensão imediata, com dispensa da audiência prévia, dos RR. do cargo de administradores e, a final, se decrete a destituição dos RR do cargo de administradores da C (…) -SGPS S.A. C (…) - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, com sede (…) Viseu, com o NIPC (…) e com o capital social de € 23.885.510,00.

Alegou, em síntese, que a C (…) é a sociedade holding de um grande grupo empresarial da indústria cerâmica portuguesa e internacional denominado “Grupo C (…)”; o qual, em 2013, devido ao elevado endividamento e se encontrar tecnicamente insolvente, foi alvo de uma restruturação financeira levada a cabo pelo Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR (“FRE”), que se dedica à reestruturação de empresas sobreendividadas, tendo nessa altura, no contexto de tal reestruturação, o FRE entrado para o capital da C (…) e comprado acções representativas de 50% do seu capital social pelo preço de € 1,00 – acções que, entretanto, transmitiu à A. (…), de que o FRE é o único accionista – e promovendo medidas de melhoria operacional.

Aquando da restruturação financeira do Grupo C (…) foi acordado que os RR. permaneceriam com a administração executiva das diversas empresas do grupo, entre as quais a C (…) exclusivamente a seu cargo, depositando o FRE (e depois a Autora) a sua confiança nos RR..

Sucede, segundo a A., que os RR. – pai e filha, que eram até há poucos dias administradores de diversas empresas participadas do grupo – têm vindo a delapidar o património da C (…) transferindo sub-repticiamente matérias-primas, custos, despesas pessoais, segredos de negócio, produção e clientela da C (…) – em suma, todo o negócio da C (…) – para um grupo empresarial paralelo, detido exclusivamente pelos RR. e por familiares seus.

Assim, no dia 2/10/2017, foram os RR. destituídos das suas funções executivas nas empresas participadas da C (…) e foi iniciado uma investigação exaustiva aos arquivos, registos contabilísticos, património e transacções realizadas por todas as empresas do Grupo C (…).

No âmbito de tal Auditoria Forense Independente (promovida pelos administradores da C (…) designados sob indicação da A.) tomou a A. conhecimento de inúmeros documentos e factos ocultados pelos RR., que denunciam comportamentos absolutamente desleais; designadamente: - que o R. se tornou ocultamente no accionista de controlo e no administrador de facto de um grupo empresarial (…); - que o R. actua como administrador de facto de um outro grupo empresarial concorrente – o Grupo (…) – detido por familiares seus e também pelo próprio R.; - que os RR. têm vindo sistematicamente a desviar para estes grupos empresariais matérias-primas, segredos industriais, recursos materiais, financeiros e humanos, oportunidades de negócio e clientela das empresas do Grupo C (…); - que os RR. têm feito com que as empresas do Grupo C (…) suportem custos que deveriam ser suportados por empresas dos Grupos (…), assim delapidando, contínua e ilicitamente, as empresas do Grupo C (…) a favor dos Grupos (…); e.

- que os RR. realizam despesas pessoais à custa das empresas do Grupo C (…).

Em síntese, tomou a A. conhecimento de violações graves e sistemáticas do dever de não concorrência e do dever de lealdade – constantes dos art. 398.º/3 e 64.º/1/b) do CSC – que constituem fundamento de destituição judicial dos RR. – artigo 403.º/4 do CSC – e sobretudo, que constituem fundamento para a sua suspensão imediata – artigo 1055.º/4 do CSC.

Efectivamente, segundo a A., a suspensão imediata dos RR. — com dispensa de audiência prévia — é absolutamente necessária para terminar a utilização de matérias-primas, segredos comerciais, informações e oportunidades de negócio do Grupo C (…) para o Grupo Paralelo levada a cabo pelos RR., bem como para evitar que estes possam destruir provas que permitirão fundar um pedido de indemnização das sociedades do Grupo C (…) contra os RR..

Conclusos os autos, foi, por despacho de 12/10/2017, deferido o pedido de dispensa de audiência dos requeridos.

Após o que se procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas no requerimento inicial, tendo-se, por despacho de 20/10/2017, julgado procedente a medida cautelar de suspensão, em consequência do que foi decretada a imediata suspensão dos requeridos, C (…) e A (…) do exercício das funções de administradores na sociedade C (…)-SGPS, SA.

Citados os RR. para a acção de destituição e notificados do despacho que decretou a medida cautelar de suspensão do exercício de funções de administradores, vieram os mesmos apresentar contestação à acção e oposição à medida cautelar requerida/deferida.

Assim e globalmente: Invocaram, por excepção, a preterição de litisconsórcio necessário passivo, dado não estarem em juízo os vários interessados na relação controvertida – falta, segundos os RR., a própria sociedade C (…) – não podendo assim a decisão produzir o seu efeito útil; e a preterição dos meios intra-societários competentes (AG da C (…)) para, em primeira linha, decidir da destituição dos RR., carecendo assim a A. de interesse em agir, devendo por tais razões os RR. ser absolvidos da instância.

Alegaram, por impugnação, não se verificar o “fumus bonus iuris”, uma vez que a C (…) não tem ou faz negócios de matérias primas, não tem clientela, nem “segredos de negócios”, uma vez que é uma sociedade gestora de participações sociais, sem qualquer actividade operacional; e negaram que os RR tenham transferido sub-repticiamente custos ou despesas pessoais da C (…) para um grupo paralelo, pertencente ao 1.º R. e/ou a familiares seus.

Mais alegaram que a presente acção é mais um elemento do golpe (“plano de assalto ao poder preparado e executado pela A./(…)) perpetrado pela A. contra o 1º R. (e a 2ª R)., apresentando de forma enganadora, confusa e ardilosa factos da maior gravidade (se fossem verdadeiros) relativos à administração de sociedades participadas da C (…), procurando, na confusão deliberadamente estabelecida, obter, sem qualquer fundamento de facto ou de direito a exclusão dos RR. da administração da CCM.

Assim, especificadamente, impugnaram: - a invocada violação do dever de não concorrência; - o desvio de “pasta cerâmica” IB1; - a promoção comercial da (…) a expensas do Grupo C(…); - a utilização indevida de recursos humanos e equipamentos pelas referidas empresas; - a extracção de recursos de minas pela (…); - o crescimento das referidas empresas em detrimento do Grupo C (…); - as invocadas vantagens pessoais dos RR. em detrimento do Grupo C (…).

Alegaram ainda que inexiste qualquer “periculum in mora”, uma vez que, estando os requeridos objectiva e efectivamente impedidos de exercer a administração em todas as sociedades participadas da C (…)SGPS, estão também, por isso, impedidos de praticar quaisquer dos factos que sustentam a alegação do periculum in mora; sendo tal alegação até ridícula, dado que a mesma só seria conjecturável a partir das sociedades em que os RR. estão e permanecem, por ordem da requerente/(…), impedidos de entrar desde o dia 2 de Outubro de 2017, pelo que terá de concluir-se que o continuado exercício de funções de administração dos requeridos na C (…) até à decisão da acção de destituição não acarreta também qualquer risco/perigo alegado.

Finalmente, invocaram que, mesmo que os factos alegados pela A. como consubstanciando violações ao dever de lealdade fossem verdadeiros, os mesmos não relevariam para apreciação do dever de lealdade dos RR. para com a C (…), não colocando em causa a relação de confiança existente entre a C (…) e os RR..

Concluíram pois, quanto à parte cautelar, que seja imediatamente revogada a providência de suspensão de exercício das funções de administração, por não estarem reunidos os requisitos de que a mesma depende[1].

Foi proferido despacho que julgou a instância totalmente regular – julgando-se improcedentes as excepções suscitadas – após o que se procedeu a julgamento (com inquirição das testemunhas indicadas na oposição) e foi proferida sentença em que se julgou improcedente a oposição apresentada pelos requeridos e em que, consequentemente, se manteve a suspensão antes decretada dos requeridos C (…) e A (…) do exercício das funções de administradores na sociedade C (…)–SGPS S.A.

Inconformados com tal decisão, interpuseram os RR./requeridos recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue/inverta o decidido, devendo: (…) A A. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas processuais e substantivas referidas pelo RR., pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: (…) Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* * II – “Reapreciação” da decisão de facto Como questão prévia à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso dos RR. – analisar as várias questões, a propósito da decisão de facto, colocadas.

E começar-se-á por dizer, antecipando a conclusão, que – com excepção duma ou outra mudança de redacção (num ou outro ponto de facto), apenas para conferir mais harmonia à globalidade dos factos – não assiste qualquer razão aos RR/apelantes.

(…) * III – Fundamentação de Facto III – A – Factos Provados Resultaram indiciariamente provados os seguintes factos do requerimento inicial: 1.º A C (…) é uma sociedade anónima gestora de participações sociais que, como tal, tem por objeto a “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas” conforme certidão de matrícula junta a fls.27 a 31.

2.º Na presente data, a C (…) tem a seguinte...

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