Acórdão nº 3440/17.2T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução28 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra B (…) S.A.

com sede em (...) , requereu contra F (…), residente (…) , ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, a apreensão pela autoridade judicial competente do veículo automóvel de marca Audi, modelo A4 A.2.0 TDI, Sport, com a matrícula JI (...) , e dos respectivos documentos, e a entrega subsequente dele ao requerente, sugerindo que para fiel depositária fosse nomeada o requerente.

Os fundamentos do pedido foram, em resumo, os seguintes: 1. No exercício da sua actividade deu de aluguer – aluguer de longa duração - ao requerido o veículo acima identificado; 2. O requerido obrigou-se a pagar 120 alugueres mensais e sucessivos entre 5 de Março de 2014 e 5 de Março de 2024; 3. A partir de Novembro de 2016, o requerido deixou de pagar os alugueres; 4. Em consequência, a requerente comunicou ao requerido a resolução do contrato; 5. Perante o reiterado incumprimento do requerido, o requerente receia que o veículo locado possa ser dissipado, pois ainda numa fase pré-contenciosa o requerente teve uma empresa de recuperação externa especializada a tentar recuperar a viatura, não tendo qualquer sucesso nesta matéria; 6. O requerente não consegue exercer qualquer controlo ou fiscalização sobre o veículo nem tem qualquer ideia sobre onde o mesmo se encontra na presente data; 7. O perigo de ocultação do veículo é premente; 8. O requerente, enquanto proprietário do veículo, encontra-se sujeito ao pagamento de IUC, de portagens e outros actos decorrentes da utilização da viatura por parte do locatário; 9. O requerente receia que, face a uma utilização imprudente da viatura, possa daí advir responsabilidades penais e/ou contra-ordenacionais; 10.A não entrega do veículo está a causar ao requerente os seguintes prejuízos: a) está impossibilitado de dispor do veículo e de dele tirar rendimento no exercício da sua actividade; b) o veículo está a desvalorizar-se e a depreciar-se por cada dia que passa. Após dispensar a audiência do requerido, uma vez que não foi viável a citação pessoal dele, o tribunal a quo proferiu decisão a indeferir as providências requeridas.

O requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação pedindo a revogação da decisão.

Os fundamentos do recurso foram os seguintes: 1. O tribunal a quo cometeu um erro na apreciação da norma de Direito aplicável ao presente caso, nomeadamente com a violação do disposto no artigo 362.º n.º 1 CPC, ao não considerar verificado o requisito de periculum in mora (requisito determinante para decretamento de providência cautelar comum não especificada).

  1. O Recorrente no exercício da sua actividade comercial celebrou com F (…), um contrato de aluguer de longa duração, tendo por objecto a viatura de marca AUDI, modelo A4 2.0 TDIS Sport com a matrícula JI (...) ; 3. O referido contrato foi incumprido; 4. Perante o incumprimento foi o contrato legalmente resolvido pelo Recorrente; 5. A viatura objecto do contrato de ALD celebrado e de propriedade plena do Recorrente nunca lhe foi devolvida, sendo que, não houve contacto ulterior por parte do Recorrido, que segundo informação dos CTT, “ausentou-se” da morada contratualmente indicada; 6. O contrato celebrado com o Recorrido foi um aluguer de longa duração e não um mútuo com reserva de propriedade em que a viatura é vendida a prestações e em que o montante decorrente da sua recuperação e venda serviria para abater ao valor em divida. Ao invés, estando-se perante um ALD, a viatura cuja restituição se requer é do Recorrente e há uma separação clara entre, por um lado, os valores de resolução peticionados (rendas vencidas e juros de mora sobre as mesmas e indemnização contratual de 1/3 das rendas vincendas) e por outro, a entrega da viatura.

  2. O Recorrente deu entrada em tribunal de uma providência cautelar para recuperação de um veículo de sua propriedade, não de uma acção declarativa de condenação para recuperação do valor em divida.

  3. A livrança subscrita pelo Requerido não salvaguarda o direito de propriedade do Requerente, sendo a tutela desse direito que legitima a interposição do presente procedimento cautelar.

  4. O que se pretende com o procedimento cautelar não é o ressarcimento dos valores advenientes do incumprimento contratual nem tão pouco os valores devidos a título de indemnização prevista na cláusula 26.ª, mas antes a apreensão do veículo propriedade do Requerente.

  5. O tribunal a quo considerou não verificado o conceito de periculum in mora tal como disposto no artigo 362.º n.º 1 CPC, pois segue uma visão de que a depreciação do bem locado não pode per si ser suficiente para fundar o perigo na demora e de que não foram alegados factos suficientes do preenchimento desse requisito, designadamente, a incapacidade financeira do requerido em solver as suas obrigações 11.Mal andou o tribunal a quo nesta matéria 12.Segue-se nesta matéria o entendimento do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.11.2010 (relatora Teresa Prazeres Pais) in www.dgsi.pt onde se dispõe que “o periculum in mora tem que ser analisado e apreciado relativamente ao direito que é invocado pelo requerente, e não já em relação a qualquer outro direito que daquele seja sucedâneo ou substitutivo, como o direito à indemnização pelos prejuízos daí decorrentes”.

  6. No presente caso o fundado receio de perda grave e dificilmente reparável não se refere ao direito de crédito (que consiste em obter o pagamento das rendas vencidas e não pagas pelo Recorrido bem como o pagamento da indemnização devido pelo incumprimento contratual), mas antes o seu direito de propriedade que incide sobre o veículo não restituído e para o qual se teme, seriamente, que o Recorrido esteja a fazer varias manobras de ocultação para nunca chegar a entrega-la, com o grave prejuízo daí adveniente 14.Como é expresso no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 26.02.2015 in www.dgsi.pt “Por conseguinte, a continuação da utilização do veículo por parte da Recorrida, sem que a mesma tenha título legítimo para o efeito, pode causar danos patrimoniais graves à Recorrente, bastando a matéria de facto indiciariamente provada nos presentes autos para se considerar preenchido o requisito de verificação de uma situação de lesão grave e de difícil reparação do direito de propriedade da Recorrente. (…) O que interessa e é relevante, para aferir do fundando receio de lesão grave e dificilmente reparável, é poder ser afectado o actual direito de propriedade da requerente. Claro que as consequências daquela eventual acção do requerido “serão meramente patrimoniais” como se invoca na decisão recorrida. Mas então, levando ao limite esse raciocínio, de que os danos “serão ressarcíeis por via de uma adequada indemnização em dinheiro”, teríamos de concluir que só quando estivessem em causa bens eminentemente pessoais é que poderia ocorrer o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável e mesmo aí poderia objectar-se que também tais danos serão indemnizáveis” (bold e sublinhados nossos).

  7. Uma posição de Direito (que nada tem a ver com a factualidade provada) quanto à noção do conceito de periculum in mora como a que é defendida pelo tribunal a quo, inviabilizaria que, no limite, qualquer providência cautelar comum não especificada para recuperação da viatura viesse a ser sempre indeferida, excepto quando estivesse em causa a lesão de bens iminentemente pessoais (que nem serão a regra) 16.Algo com o que não se pode concordar 17.Ademais, o Recorrente não se limitou à circunstância de alegar o incumprimento contratual, as interpelações efectuadas, a resolução operada com as cartas recebidas e ignoradas e o valor em divida. Sem prejuízo de o ter demonstrado e provado (vide factos dados como provados), tendo ido mais longe.

  8. A viatura é propriedade do recorrente, registada em seu nome...

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