Acórdão nº 7412/16.6T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução05 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. M (…), residente (...) instaurou acção declarativa, para impugnação de paternidade presumida e reconhecimento de nova paternidade, contra F (…), residente em (...), J (…), residente em (...), V (…), residente em (...), M1 (…), residente em (...) e M2 (…), residente em (...), pedindo que seja declarado que não é filho biológico de J (…) e, em consequência, ser ordenada a eliminação da paternidade constante do seu assento de nascimento, bem como a respectiva avoenga paterna e, ser reconhecido e declarado que é filho biológico de JJ (…) devendo, em consequência, ordenar-se o respectivo averbamento no assento de nascimento.

Alegou, para tanto, que apesar de constar do respectivo assento de nascimento que é filho de J (…), paternidade decorrente da circunstância de ao tempo do seu nascimento aquele ser casado com a sua mãe, tal paternidade não está conforme à realidade, uma vez que não nasceu das relações sexuais que a sua progenitora manteve com o seu presumido pai, mas antes das relações que esta manteve com o dito JJ (…), que sempre o tratou como filho, ajudou no seu sustento e sempre o reputou como filho perante familiares e amigos até falecer.

Só a ré M2 (…) contestou, invocando a extinção, por caducidade, do direito do autor e impugnando a realidade dos factos alegada. Igualmente requereu a intervenção provocada de L (…), para seguir na acção como sua associada, o que foi deferido.

A chamada contestou, invocando a sua ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, bem como a caducidade do direito de que o autor se arroga, impugnando, no mais, os factos alegados na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, e julgada improcedente a excepção de ilegitimidade, invocada pela chamada.

* A final foi proferida sentença que julgando procedente a excepção de caducidade do direito do autor absolveu do pedido os RR, bem como a chamada.

* 2. O A. interpôs recurso, concluindo que: (…) 3. Inexistem contra-alegações.

II - Factos Provados i.

O autor nasceu a 10 de janeiro de 1951, na freguesia (…), concelho de (…), e encontra-se registado como filho de R (…) e de J (…) com quem aquela era casada.----- ii.

Não obstante, o autor nasceu em consequência das relações sexuais de cópula completa mantidas entre a sua mãe e J1 (…) nos primeiros cento e oitenta dias dos trezentos que antecederam o seu nascimento.-------- iii.

Aquando do nascimento do autor, a sua mãe e o respetivo marido, JJ (…) estavam separados de facto, pelo menos, há cerca de dois anos, não tendo voltado a ter qualquer tipo de contacto.------- iv.

O autor sempre soube que não era filho do marido da sua mãe, mas antes do referido J1 (…).-------- v.

J1 (…) faleceu a 22 de julho de 1985, não deixando ascendentes nem outros descendentes, sucedendo-lhe a sua mulher, G (…) vi.

G (…), faleceu a 10 de julho de 2015, no estado de viúva, não deixando ascendentes nem descendentes vivos, tendo feito testamento através do qual instituiu sua única e universal herdeira a Ré M2 (…).-------- vii.

JJ (…) faleceu a 14 de abril de 1975, no estado de casado com R (…)tendo esta falecido no dia 26 de janeiro de 1998, no estado de viúva.------- * Factos não Provados: a) Que J1 (…)sempre tratou o autor como filho, ajudando no seu sustento, e que sempre o reputou como filho perante familiares e amigos, até ao momento da sua morte.------- III - Do Direito 1.

Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Impossibilidade de conhecimento oficioso da caducidade do direito de acção, pelo decurso do prazo previsto no art. 1842º, nº 1, c), do Código Civil.

- Irretroactividade e Inconstitucionalidade de tal norma.

- Reconhecimento da filiação biológica e restrição desse efeito relativamente á herança do pai biológico.

  1. O recorrente defende que o pedido de impugnação da paternidade presumida não foi contestado por quem tinha legitimidade para o fazer, pelo que não podia o tribunal conhecer da excepção de caducidade do pedido, uma vez que esta não é de conhecimento oficioso (cfr. a) a c) das conclusões de recurso).

    Do art. 1846º, nº 1 e 2, 1ª parte, do CC, que dispõe sobre a legitimidade passiva nas acções de impugnação de paternidade presumida, conjugado com o art. 1844º, nº 1, do mesmo código, decorre que devem ser demandados, quando o filho seja o autor, como é o caso dos autos, a mãe e o presumido pai, ou em caso de morte destes os seus herdeiros. No nosso caso eles foram demandados mas não contestaram, só o tendo feito a 5º R. e a chamada, que são pessoas alheias aqueles, únicos que invocaram a excepção de caducidade da respectiva acção de impugnação.

    A ser como a recorrente o afirma, o tribunal teria conhecido de uma excepção não alegada, pelo que teria incorrido numa nulidade da sentença, nos termos dos arts. 608º, nº 2, 2ª parte, e 615º, nº 1, d), 2ª parte, do NCPC, visto que o tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, sob pena de conhecendo de questões de que não podia tomar conhecimento, cometer tal nulidade.

    Acontece que o recorrente não veio arguir tal nulidade, pelo que a sua alegação acaba por ser inócua.

    De qualquer maneira sempre se adiantará, de forma sumária, que tal nulidade nunca ocorreria, pois que no aludido art. 609º, nº 2, 2ª parte, a lei ressalva a possibilidade do conhecimento oficioso de questões cujo conhecimento a lei permita, o que ocorre no caso concreto, pois, como se referiu na sentença recorrida, a caducidade configura uma excepção peremptória, que, impede o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor e importa a absolvição total do pedido, nos termos do art. 576º, nº 1 e 3, do NCPC, que nos termos do art. 579º, do mesmo código, o tribunal conhece oficiosamente cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado, como acontece na nossa situação, visto que, face ao disposto no art. 333º, nº 1, do CC, a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.

    Assim, contendendo a presente acção com direitos indisponíveis (a saber com o estabelecimento da filiação do autor), é manifesto que a referida excepção podia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, pelo que não se verificaria qualquer nulidade.

    Não procede, assim, esta parte do recurso.

    3.1. O recorrente invoca que o Tribunal não poderia ter aplicado retroactivamente o disposto no art. 1817º, nº 1, do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2009, de 1.4, pois que esta redacção não poderia prejudicar os direitos adquiridos pelo A. com a declaração da inconstitucionalidade da anterior redacção da referida norma, operada pelo Ac. do Trib. Constitucional nº 23/2006, de 10.1.

    Todavia, o apelante erra ao invocar o art. 1817º, nº 1, do CC, pois a norma invocada e aplicada pelo tribunal recorrido não foi essa, prevista para as acções de investigação de maternidade e paternidade (esta por aplicação do art. 1873º), mas a do art. 1842º, nº 1, c), do mesmo diploma legal, que regula a caducidade das acções de impugnação de paternidade.

    Analisando, verifica-se que o tribunal perspectivou a sua conformidade constitucional com base na sua actual redacção (introduzida pela referida Lei 14/2009), em vigor desde o dia 2.4 (art. 2º de tal Lei). O que se mostra correcto, face ao que dispõe o art. 12º, nº 2, 2ª parte do CC (que regula a aplicação das leis no tempo), atendendo a que a acção entrou em juízo em Outubro de 2016.

    O problema da retroactividade que o apelante põe é outro e tem a ver com a questão que se levantou com a publicação da indicada Lei 14/2009, considerando que no art. 3º de tal diploma se mandou aplicar a mesma aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, questão que foi abordada pelo tribunal constitucional e que veio a declarar tal art. 3º inconstitucional. Não é essa, contudo, questão que no nosso caso se ponha.

    Assim, a aplicação do referido art. 1841º, nº 2, c), do CC, na redacção actual, foi bem efectuada, não havendo qualquer questão de aplicação retroactiva da lei. Pelo que não procede a argumentação jurídica do apelante nesta parte.

    3.2. Na decisão recorrida escreveu-se que: “Assim, nos termos do artigo 1842º, número 1, do Código Civil, a ação de impugnação de paternidade pode ser intentada: a) Pelo marido, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade; b) Pela mãe, dentro dos três anos posteriores ao nascimento; c) Pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.--------- (…) Ora, no caso destes autos, sendo inquestionável a legitimidade do autor para impugnar a sua paternidade presumida, ter-se-á ainda que concluir que, terminada a discussão da causa, ficou aqui devidamente demonstrado o facto contrário àquele que está subjacente a tal presunção de paternidade, tendo ficado provado que, contrariamente ao que daqui decorria, o autor não é filho do marido da sua mãe.----- Sucede, porém, que tendo nascido a 10 de janeiro de 1951, o autor apenas propôs a presente ação a 12 de outubro de 2016 (data certificada pelo sistema), ou seja, muito depois de esgotado o prazo de dez anos subsequente à sua maioridade, previsto no artigo 1842º, número 1, alínea c), do Código Civil.------- Ademais, terminada a discussão da causa, ficou provado que o autor sempre soube que não era filho do marido da sua mãe, mas antes do referido JJ (…), o que afasta a aplicação ao caso destes autos do adicional prazo de três anos (a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa...

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