Acórdão nº 3583/16.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 16 de Outubro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.
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1.1. C (…) SARL, instaurou contra CC (…) S.A. acção declarativa, de condenação, com processo comum.
Pediu: A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 133.750,00, acrescida dos juros de mora vencidos e que ascendem a quantia de € 12.653,98 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento, e custas.
Alegou: No exercício da sua actividade de comércio de produtos alimentares vendeu à ré, por encomenda desta, que recebeu e aceitou, produtos alimentares - atum pré-cozinhado congelado, originário do Vietnam - constantes de duas facturas, - o 1º contentor expedido em 13/09/2014, desembarcado no Porto de Leixões em 12/10/2014, vencida a factura a 90 (noventa) dias após a respectiva emissão, e o segundo, expedido em 22/11/2014, desembarcado no Porto de Leixões em 23/12/2014, vencida 30 (trinta) dias após ETA, apondo como condições de venda INCOTERM “CFR Leixões”- isto é, cost and freight – custo e frete.
As mercadorias foram devidamente analisadas - análise que confirmou cumprirem os requisitos sanitários e de boa qualidade da UE- e certificadas pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural do Vietnam - que emitiram certificado sanitário, em que se atestou que a mercadoria, uma vez controlada pelos seus laboratórios, cumpre as normas europeias, nomeadamente que os níveis de histamina são inferiores ao limite imposto pela Comunidade Europeia; ambos os contentores foram analisados e, apesar de ter sido detectada histamina, os valores ali registados são valores aceitáveis e previstos como tal pelo Regulamento (CE) n.º 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005.
Todos os documentos foram devidamente validados pela Ré, previamente ao envio dos originais por correio urgente DHL, e enviados pela Autora, e as autoridades competentes aceitaram a entrada dos contentores em território nacional, tendo passado pelo devido controlo sanitário.
Apenas no final de Janeiro de 2015 a ré veio reclamar que a mercadoria entregue continha valores elevados e fora do legalmente admissível de histamina, o que não lhe permitia dar o uso previsto ao atum.
Não tendo qualquer fundamento as reclamações apresentadas pela Ré, e não tendo esta procedido ao pagamento das facturas.
A ré contestou, defendendo-se por excepção e deduzindo pedido reconvencional.
Disse: As mercadorias foram adquiridas ao abrigo da Quota/Destino Especial, por forma a evitar a taxação de 24% de direitos de importação sobre estas mercadorias e por essa razão , as mercadorias só puderam ser desalfandegadas em Janeiro de 2015; Após o desalfandegamento definitivo, e após ter colhido determinadas amostras do produto para análise de controle de qualidade, constatou que aquelas mercadorias apresentavam índices de histamina bastantes elevados e fora do legalmente admissível pelo Regulamento CE nº. 2073/2005 de 15/11/2005.
O controlo veterinário da mercadoria só foi feito pela análise documental e não por uma análise laboratorial, donde, no acto de descarregamento, não foi possível verificar os índices altos de histamina.
Já após chegada do produto a Portugal, tomou conhecimento que o atum fornecido pela autora foi pescado no Vietnam sem que o barco tivesse congelação a bordo; a congelação a bordo é determinante para que o peixe chegue ao destino com qualidade e isento de parasitas e de contaminantes de forma a evitar índices de histamina superiores ao legalmente previsto; os testes laboratoriais e restante documento oriunda do Vietnam são de reduzida fiabilidade sendo fácil obter documentos não condizentes com a realidade.
A mercadoria foi inspeccionada pelo seu departamento de qualidade, e feita análise de histamina detectou-se de imediato problemas de qualidade, índices de histamina elevados.
A ré reclamou à autora, a qual enviou o Sr. (…) à sua fábrica que acompanhou com o departamento de qualidade, a realização de análises de histamina vários lotes de produto, tendo constatado os altos níveis de histamina no produto que foi analisado; o que levou a autora a retomar 3.500 Kgs emitindo NC nº. 0162014 datada de 20/02/2015.
Análises de histamina ao restante pescado, o qual foi feito pelo laboratório externo ((…)) confirmaram a existência de histamina fora dos parâmetros regulamentares.
Não houve alteração das condições de conservação de frio do pescado a bordo do navio, ou nas câmaras frigoríficas ou na fábrica da ré, pelo que, o atum congelado vendido já saiu de origem do Vietnam impróprio para o consumo humano de acordo com as normas europeia.
Em 16/03/2015 a ré enviou à autora carta registada com AR, considerando incumprido definitivamente o contrato de fornecimento.
Na falta de qualquer resposta por parte da autora, a ré entregou a mercadoria para destruição à Empresa F (…) O incumprimento da autora provocou à ré diversos prejuízos nomeadamente: 1) custos com a entrada da mercadoria em Portugal - despacho para entrada em entreposto no valor de €1.174,15, factura nº. 2014/…; 2) levantamento e transporte F(…) , fact. 2014/… no valor de 489.89 euros; 3) despacho para entrada em entreposto- fact. 2014/…, no valor de 1.175.64€; 4) levantamento e transporte F(…) no valor de € 489.89- fact. 2014/…; 5) despacho de importação, assistência e controlo aduaneiro no valor de 351.14€ - fact. 2015/… e fact. … e …; 6) despesas de conservação de frio F (…)- :1.1- fact. 2014/… de 31/10/14 no valor de €726,00; 1.2- fact. 2014/… de 30/11/14 no valor de 630.00; 1.3- fact 2014/… de 31/12/14 no valor de 375.00€; 1.4- fact 2014/… de 31/12/2014- €52.47(fact …) +315.00€(fact …) +€44.80(fact …);1.5- ft 2015/56 de 31/01/15 ( €86.80- ft …+ €542.19- fact. …+87,45€); 7) transporte do levantamento para a fábrica- 610.00€; no total de €7150.42 ( sete mil cento e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos).
p) Adquiriu à reconvinda 50 toneladas de atum pré congelado, e custou-lhe por kilo o valor de €2.85; e devido à sua destruição a reconvinte ficou com menos produto para comercializar; após pesquisa no mercado para aquisição de novo produto, não conseguiu encontrar outro produto pelo mesmo valor ou equivalente; para substituir a mercadoria vendida pela reconvinda, e para fazer face às necessidades de produção, socorreu-se de mercadoria que tinha em stock adquirida em regime de quota de mercado, a qual comprou a outros seus fornecedores pelo valor de €3.72 por kilo ( USD 4,7 : 1,2646); - donde, relativamente ao atum identificado na factura nº… suportou um custo superior de €21.750,00 e da factura nº. … suportou um custo superior de €31.750,00.-oque perfaz o montante de €60,650,42, traduzido no prejuízo patrimonial para a reconvinte pelo incumprimento definitivo; Pediu: A improcedência da acção e consequente absolvição da ré da totalidade do peticionado e a procedência da reconvenção com consequente condenação da reconvinda a pagar a indemnização no valor de €60.650,42, juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento.
A autora respondeu.
Disse: A ré invoca falsamente a zona de pesca do produto vendido e a inexistência de congelação a bordo do barco de pesca que capturou o produto vendido.
Ademais, todas as análises alegadamente realizadas pela ré, foram-no vários meses após a chegada do produto a Portugal.
Incumbia à ré celebrar adequado contrato de seguro, como lhe incumbiram as despesas de desembarque da mercadoria, suportando os riscos de perda ou dano que possam ocorrer na mercadoria, a partir do momento em que a mesma foi entregue.
Os certificados da mercadoria emitidas pelas autoridades Vietnamitas são reconhecidos pela União Europeia, produzindo efeitos jurídicos e foram emitidos pelas competentes autoridades vietnamitas, devidamente reconhecidas pela Comunidade Europeia no Tratado entre a República do Vietnam e a Comunidade.
A ré desalfandegou a mercadoria quando muito bem entendeu, e podia fazê-lo, pois era a sua dona e legitima proprietária desde o embarque da mercadoria no Vietnam.
Apesar de ter verificado a conformidade do produto para consumo humano, vários meses após a sua chegada a Portugal, o Sr. (…) aceitou fazer um gesto comercial, convencida que a ré era um importante potencial cliente, contra o pagamento imediato da mercadoria, o que a ré não aceitou.
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Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «…julgo a presente acção improcedente por não provada e parcialmente procedente a reconvenção deduzida e condeno a autora reconvinda no pagamento à ré reconvinte da quantia de € 7.150.42 ( sete mil cento e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos)» 3.
Inconformada recorreu a autora.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
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- Procedência da acção.
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Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
5.1.1.
No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua...
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