Acórdão nº 8074/16.6T8CBR-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelEMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra J... e mulher E...

requereram a qualificação como culposa da insolvência de F... – Comércio, Importação e Exportação, Lda.

O incidente de qualificação de insolvência foi declarado aberto.

O administrador da insolvência apresentou parecer sobre a questão, no sentido de a insolvência ser qualificada como fortuita.

O Ministério pronunciou-se também no mesmo sentido.

Apesar desta concordância, a Meritíssima juíza do tribunal a quo entendeu que tinha dúvidas sobre o carácter fortuito da insolvência, pelo que mandou notificar a devedora insolvente e o gerente da mesma, E..., para se oporem, querendo, à qualificação da insolvência como culposa.

Notificados, a devedora e o respectivo gerente opuseram-se à qualificação da insolvência.

O processo prosseguiu os seus termos e após a audiência final foi proferida sentença que decidiu: 1. Qualificar como culposa a insolvência de F...–Comércio Importação e Exportação Lda; 2. Declarar E... inibido pelo período de dois anos para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; 3. Condenar E... a pagar aos credores da insolvente indemnização correspondente ao valor dos respectivos créditos não verificados até à força do respectivo património.

F... e E... não se conformaram com a decisão e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição da sentença por decisão que qualificasse s insolvência como fortuita.

Os fundamentos do recurso consistiram, em resumo, na impugnação da decisão relativa à matéria de facto e na alegação de que a sentença violou o disposto nos artigos 86.º, n.º 3, e 186.º do CIRE.

Não houve resposta ao recurso.

*Questões suscitadas pelo recurso 1. Saber se o tribunal errou no julgamento da matéria de facto; 2. Saber se, ao qualificar a insolvência como culposa, a sentença recorrida violou as normas indicadas pelo recorrente.

Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direitos, comecemos por apreciar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Os recorrentes começam por impugnar a decisão de julgar não provado que, em 2015, a única forma de a insolvente se financiar seria vender o armazém, empilhador e carrinha referidos em 9.º dos factos provados [ponto n.º 1 dos factos julgados não provados].

...

Daí que se mantenha a decisão impugnada.

Os recorrentes impugnaram, em segundo lugar, a decisão de julgar não provadas as seguintes alegações: 1. Que o produto das vendas referidas em 9) foi totalmente utilizado para realizar pagamentos a entidades bancárias, trabalhadores e fornecedores [ponto n.º 2 dos factos julgados não provados]; 2. Que após o depósito dos valores discriminados em 22.º dos factos provados, a insolvente pagou dívidas a entidades estatais [ponto n.º 3 dos factos julgados não provados]; 3. Que após o depósito dos valores discriminados em 22.º dos factos provados, a insolvente regularizou todos os salários dos seus trabalhadores que se encontravam em dívida [ponto n.º 4 dos factos julgados não provados]; 4. Que após o depósito dos valores discriminados em 22.º dos factos provados, a insolvente efectuou pagamentos à Iberfiran na ordem dos 85.000,00 euros [ponto n.º 5 dos factos julgados não provados]; 5. Que após o depósito dos valores discriminados em 22.º dos factos provados, a insolvente efectuou amortizações de empréstimos bancários [ponto n.º 6 dos factos julgados não provados].

...

Por todo o exposto, mantém-se a decisão de facto.

*Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos: ...

Descritos os factos passemos à resolução da questão de saber se, ao qualificar a insolvência como culposa, a decisão recorrida violou as normas indicadas pelos recorrentes, concretamente o n.º 3 do artigo 83.º e o artigo 186.º, ambos do CIRE.

Preliminarmente importa dizer que a violação de normas jurídicas como fundamento de recurso está prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC. E mais importa dizer que da combinação desta alínea com a alínea b) do mesmo preceito resulta, por um lado, que cabe ao recorrente identificar as normas jurídicas violadas e, por outro, que só tem sentido imputar à decisão a violação das normas que tenham constituído fundamento jurídico do que foi decidido. Compreende-se: se uma norma não foi aplicada como razão da decisão, não tem sentido dizer que ela foi violada. O mais que se pode dizer é que devia ter sido aplicada. Porém, em tal hipótese, o fundamento do recurso não é a violação de normas jurídicas, mas o previsto na alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito, ou seja, erro na determinação da norma aplicável.

Tendo presente o que se acaba de expor, pode dizer-se, desde já, que não tem sentido imputar à sentença impugnada a violação do n.º 3 do artigo 83.º do CIRE. É que tal norma, que dispõe sobre o valor a atribuir pelo juiz, para efeito de qualificação da insolvência como culposa, à recusa de prestação de informações ou de colaboração, não serviu de fundamento à decisão de qualificar a insolvência como culposa. De resto, a sentença afastou expressamente a qualificação da insolvência como culposa com fundamento no incumprimento do dever de colaboração (alínea i), do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE). Para tanto destacou precisamente o facto de se ter apurado que, antes e no decurso do processo de insolvência, o requerido Emanuel Almeida facultou e prestou ao administrador todos os documentos e informações por este solicitadas para instrução dos autos e execução das suas funções.

Quanto à violação do artigo 186.º, apenas tem sentido assacar a infracção da alínea a) do n.º 3, combinada com o n.º 1 do mesmo preceito, pois foram as normas constantes de tais preceitos que constituíram o fundamento jurídico da decisão de qualificar a insolvência como culposa.

Posto isto, vejamos as razões que sustentam a pretensão dos recorrentes no sentido de a sentença ser revogada e substituída por decisão que qualifique a insolvência como fortuita. Tais razões, dispersas por 142 conclusões [conclusões que, diga-se, limitam-se a repetir o corpo da alegação, com manifesto desprezo do que prescreve o n.º 1 do artigo 639.º do CPC], podem resumir-se nos seguintes termos: 1. Que a presunção de culpa grave do administrador estava afastada porque a empresa era economicamente viável e porque esteve sempre a procurar salvaguardar a recuperação da empresa; 2. Que as contas, quando o recorrente se tornou sócio e gerente, não reflectiam a realidade e que a única forma obter financiamento foi vender o armazém que estava em leasing, um empilhador e uma carrinha, pois os bancos deixaram de financiar os credores passaram a exigir o pagamento a pronto e que o dinheiro da venda entrou na sociedade e foi gasto com compromissos da sociedade; 3. Que encontrando-se o devedor em PER não estava obrigado a apresentar-se à insolvência; 4. Que o artigo 20.º alude a factos presuntivos da situação de insolvência e que não basta a mera enumeração de um desses factos, mas a prova da situação de insolvência; 5. Que não havia elementos que justificassem a abertura do incidente de qualificação; 6. Que a qualificação da insolvência como culposa exige uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o estado...

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